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3. Revisão da Literatura

3.1. Tecnologia de Cultivo de Células Animais: Células de Mamífero versus Células de

O cultivo de células animais tornou-se na última década uma fonte, in vitro, de fácil acesso, para a produção de biofármacos. Diversos fatores devem ser avaliados no cultivo destas células, destacando-se a composição do meio de cultivo, a densidade do inóculo celular e, em se tratando de células aderentes, o tipo de suporte para adesão celular. Destacam-se também dentre os fatores que influenciam o cultivo celular a temperatura, o pH, a pressão osmótica, a agitação e a concentração de oxigênio dissolvido (Mitsuhashi, 1989). A combinação destes fatores determina o sucesso do cultivo in vitro das células, tanto de mamíferos quanto de insetos.

Em geral, as células de mamíferos necessitam de um suporte para ancoragem, isto é, para crescer necessitam aderir a uma superfície adequada. A adesão das células é mediada por receptores de membrana específicos para moléculas na matriz extracelular. A adesão é precedida pela secreção dessa matriz de proteínas e glicanas extracelulares por parte das células. A necessidade básica de um suporte para ancoragem orienta todas as escolhas de processos produtivos (Fresnhey, 1994). Segundo Fresnhey (1992), células de mamíferos apresentam temperatura ótima para o desenvolvimento celular em torno de 37 ºC, enquanto que células de insetos desenvolvem-se na faixa de 27 a 29 ºC, dependendo da linhagem (Mitsuhashi, 1989). O pH adequado para o bom desenvolvimento de células de mamíferos situa-se na faixa de 6,8 a 7,8. Para tal, ainda segundo Fresnhey (1992), utilizam-se agentes tamponantes como Hepes, bicarbonato de sódio e ar acrescido de 5 % de CO2 para a

manutenção do pH ótimo de operação.

Células de insetos, geralmente, são cultivadas em suspensão. Em vista disto, não necessitam de suporte sólido, desenvolvendo-se livremente no meio de cultura. As células são mantidas através de repiques sucessivos, pela substituição do meio de cultura já metabolizado por meio fresco. O pH adequado no cultivo de células de insetos situa-se, geralmente, entre 6,1 e 6,4, não havendo a necessidade de acréscimo de dióxido de

carbono, o que reduz a complexidade e os custos do cultivo (Mitsuhashi, 1989). A Tabela 3.1 apresenta uma breve comparação, em termos de tecnologia de propagação, do cultivo de células de mamíferos e de insetos.

Tabela 3.1. Comparação entre células de insetos e de mamíferos em termos de tecnologia

de propagação celular (adaptada de Agathos, 1991).

Fatores Células de Insetos Células de Mamíferos

Manutenção fácil difícil

Versatilidade de suspensão / aderência maior / pouco recorrente menor / recorrente Imortalidade presente somente linhagens transformadas

Inibição por contato ausente

presente, exceto para linhagem de linfócitos e células CHO

adaptadas em suspensão Remoção do suporte de adesão mecânica mecânica (hibridomas) e tratamento enzimático

Demanda de oxigênio alta moderada

Sensibilidade a mudanças de pH,

temperatura e a choque osmótico moderada alta Velocidade de crescimento celular (µmáx) alta moderada

Sensibilidade ao cisalhamento alta alta

Dependência do crescimento com a

concentração do inóculo presente presente

Muitas outras vantagens podem ser destacadas da Tabela 3.1 quando se compara o cultivo de células de mamíferos ao de insetos. Células de insetos revelam-se significativamente mais robustas quanto ao cultivo, principalmente em relação à manutenção, facilidade de adaptação na mudança de sistemas aderentes para suspensos, e principalmente por apresentarem maior resistência a estresse ambiental, como mudanças de pH e de osmolalidade (Ikonomou e col., 2003).

A osmolalidade é um dos parâmetros físico-químicos que merece atenção especial no meio de cultura. Este parâmetro leva em conta o número total de partículas

presentes nesta solução. A maioria dos meios de cultivo para células é formulada para ter uma osmolalidade entre 260 e 330 mOsm/kg de água (Freshney, 1994).

Células de mamíferos em condições de hiperosmolalidade aumentam a atividade metabólica e a secreção de metabólitos secundários como discutido previamente por Oh e col. (1995), Lin e col. (1999), Takagi e col. (2000), Olejnik e col. (2003). Já células de inseto como a Sf9 toleram osmolalidade superior a 350 mOsm/kg (Batista e col., 2006).

Olejnik e col. (2003) verificaram que células de Tricoplusia ni (linhagem Tn-5) suportam osmolalidades superiores a 450 mOsm/kg. Além disso, estes autores observaram que as células compensavam o desbalanço osmótico aumentando a taxa de consumo de aminoácidos, já que, estes compostos atuam como osmoprotetores e precursores para o metabolismo celular e na síntese de proteínas.

Destaca-se também no cultivo de células animais como fator essencial, a necessidade do fornecimento adequado de oxigênio dissolvido. Devido à sua baixa solubilidade em água, o oxigênio necessita ser continuamente fornecido ao meio líquido de maneira suave, para evitar danos celulares por cisalhamento, a fim de suprir a necessidade celular na realização de processos metabólicos.

Freshney (1992) menciona ainda que, no cultivo estático de células animais, é recomendável manter uma relação entre o volume de ar e o volume de meio de cultura de cerca de 9:1, para o provimento de oxigênio em quantidade suficiente. Contudo, em razão do alto requerimento de oxigênio no cultivo celular em reatores de maior capacidade, faz-se necessária a agitação e a injeção de ar rigorosamente controladas. É relevante mencionar, no entanto, que taxas elevadas como 100 % de saturação ou maiores (em condições hiperbáricas) e inferiores a 10 %, podem causar inibição do crescimento celular e da produção de proteínas recombinantes (Agathos, 1991).

As células Sf9, por exemplo, consomem de aproximadamente 4 a 8 x10-17moles de

O2/célula*s (Tramper e col., 1992; Marques e col., 2005), ocorrendo aumento significativo

após infecção viral, devido à intensificação metabólica para a produção de novas partículas virais. Wang e col. (1993) verificaram um aumento de 100 % no rendimento específico da proteína epoxi hidrolase, produzida por células Sf9 infectadas com baculovírus recombinante, quando a concentração de oxigênio dissolvido foi mantida em 35 % da

saturação. Os autores realizaram uma comparação direta com culturas celulares mantidas em frascos spinner sem controle da oxigenação.

Valle e col. (2001) observaram que células de Drosophila cultivadas em biorreator, em meio livre de soro, com 30 % de oxigênio dissolvido e agitação de 90 rpm, atingiram 30 x106 células/mL. Valores superiores (57 x106 células/mL) foram obtidos por Sondergaard

(1996) em biorreator aerado com 50 a 60 % de oxigênio dissolvido, em meio Schneider com 10 % de SFB, mostrando a influência deste parâmetro no crescimento celular. Em adição, Butler (2006) verificou que o oxigênio dissolvido apresenta influência na realização de processos de glicosilação de proteínas recombinantes produzidas por células CHO modificadas geneticamente.

Dentro deste contexto, para casos onde a dispersão de oxigênio no meio de cultura é efetuada através de agitação intensa do meio ou através de borbulhamento de ar, passa a ser de relevância o emprego do composto Pluronic F68. Este agente é utilizado para diminuir efeitos de cisalhamento na membrana celular, viabilizando o cultivo de células de inseto tanto em contínuo quanto em batelada. A Figura 3.1 apresenta a estrutura química deste componente.

HO (CH2CH2O)78 (CH2CHO)30 (CH2CH2O)78 H CH3

Figura 3.1. Estrutura química do Pluronic F68.

Nas culturas sob aeração, o Pluronic F68 atua minimizando a ligação das células às bolhas, diminuindo danos celulares que ocorrem quando aquelas são transportadas até a superfície. O surfatante tem também efeito sobre culturas não aeradas por borbulhamento, nas quais os danos celulares ocorrem em razão dos vórtices formados durante a agitação, impedindo a adesão celular à nova superfície. Em adição, o Pluronic F68 tem ação tensoativa e é capaz de acumular-se na interface gás-líquido, formando um filme na superfície celular, protegendo, com isso, as células dos efeitos do rompimento das bolhas na superfície do meio durante a aeração do mesmo (van der Pol e Tramper, 1998).

Wu e col. (1997) atribuíram o efeito protetor do Pluronic F68 à redução da hidrofobicidade celular ocasionada por interações entre o aditivo e as células. A redução da

hidrofobicidade evitaria a adesão celular às bolhas, minimizando assim os efeitos danosos às células decorrentes da ruptura das mesmas.

A adição deste composto ao meio é indicada em concentrações de até 0,2 %m/v, dependendo de sua toxicidade à linhagem celular em estudo (van der Pol e Tramper, 1998). Entretanto, estudos realizados por Galesi (2007) mostraram que as células S2 produtoras de GPV, cultivadas em biorreator, com aeração livre de bolhas e agitação realizada por duas turbinas tipo pitched blade, apresentam elevado crescimento celular (cerca de 1x107 células/mL) somente após o emprego de 0,3 % de Pluronic F68 no meio de cultivo. Galesi (2007) observou ainda que as células S2 apresentam elevada tolerância à presença deste aditivo no meio de cultivo, quando adicionado em concentração de até 0,6 %m/v.

Por outro lado, segundo Palomares e col. (2000), para células Sf9, a adição de Pluronic F68 mostrou-se vantajosa, pois não só este composto interagiu com a membrana celular, como também modificou a capacidade de produção de proteínas recombinantes e de vírus por estas células, embora tais observações fundamentem-se no emprego de apenas 0,05 % do agente no meio.

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