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1.2   Os territórios negros na cidade de São Paulo 33

1.2.3   As religiões de matrizes africanas 40

Roger Bastide (1973) define como “macumba paulista”, o conjunto de práticas de origem afro-brasileiras que se estabeleceram na cidade, de forma isolada, e centralizada na figura de um sacerdote. Tais práticas tinham um germe de culto organizado, mas que aqui abortou. Em seu estudo, buscou as razões pelas quais o culto na cidade de São Paulo não se estruturou organizadamente, como em Salvador e no Rio de Janeiro. Para tanto, ele se utilizou de fontes diversas para análise, como os prontuários policiais da antiga Polícia de Costumes de 1938 a 1941, publicações do arquivo do Estado, jornais paulistanos e investigações realizadas por um grupo de seus alunos.

Roger Bastide explicitou a persistência na macumba paulista de elementos africanos, como por exemplo, o uso de arruda, chifres e ferraduras e ainda, a evocação de espíritos de antigos negros escravizados.

Para ele, a degradação e a desagregação da macumba paulista ocorreu devido à assimilação dos sistemas de valores “brancos” penetrando nos “negros” que, de forma passiva, perderam seus valores originais. Também, por conta da condição demográfica

desfavorável aos negros, estes teriam se isolado em pequenas “ilhotas” perdendo assim as bases materiais para organizar o culto. Outro motivo apontado por ele estaria ligado ao fato de que essas formas religiosas urbanas teriam sidoperseguidas mais cedo do que em zonas menos povoadas, devido ao rápido crescimento da população e da cidade.

Por outro lado, o autor demonstrou que a macumba paulista poderia ser um meio de ascensão social para os negros em uma sociedade racista e ainda ressalta a importância da macumba paulista enquanto “centro da comunidade”:

Antigamente, a macumba era o centro da atividade africana. O sacerdote de cor cuidava dos doentes, sacrificava aos espíritos, dava filtros de amor; era conselheiro, o auxiliar e o chefe. Os antigos macumbeiros que desapareceram, tais como pude reconstruí-los em meu espírito, através da conversação dos velhos, exerciam assim uma função útil e benfazeja no grupo de homens de cor (Bastide, 1973, pp.202)

O registro mais antigo de culto, levantado por Bastide, data de 1839, encontrado nos arquivos da Câmara Municipal do então Município de Santo Amaro. O documento refere-se à prisão de Manuel João, por conta de curandeirismos, que tinha grande procura por parte da população. Em 1841, registra-se a expulsão do negro Policarpo,

curandeiro e feiticeiro que fora expulso da cidade.21

Os feiticeiros ou curandeiros negros estavam concentrados nas regiões centrais como a Bela Vista, Cambuci e Vila Mariana, locais de populações negras em índices elevados e, em outros núcleos como Santana, Penha, Belenzinho, Casa Verde e Santa Cecília, locais onde a população negra teve aumento significativo.

Maria Helena Machado (2003), destaca a importância desses curadores e feiticeiros, como seres capazes de restaurar o equilíbrio das forças do mundo natural, na cidade de São Paulo, em meados do Século XIX:

É por isso que, na cidade de São Paulo do XIX, Saturnino de Oliveira Costa, africano, e Joaquim Antônio, congo-angola, andavam curando por meio de rezas, banhos de ervas e feitiços, cujos adereços foram apreendidos pelas autoridades como provas criminalizadoras de curandeirismo e charlatanismo. Se são poucos os dados que possuímos sobre as práticas religiosas dos negros na Cidade, alguns indícios mostram a existência de curandeiros e feiticeiros disseminados pela Província de São Paulo, cujas atividades, no adiantado do século,

passaram a ser aproximadas, cada vez mais, com a ignorância e o charlatanismo e, eventualmente, foram associadas com as temíveis revoltas de escravos (Machado, 2003, pp.78)

Brígida Carla Malandrino (2010) ao analisar os arquivos da Cúria Metropolitana de São Paulo, relata o processo-crime envolvendo a negra escravizada Páscoa, acusada de feitiçaria no ano de 1749, definida como feiticeira, foi acusada por praticar “magia

para matar gente” (Malandrino, 2010, pp.205)

Lilia Schwarcz (1987), na análise do imaginário constituído em relação aos negros, a partir da imprensa no final do século XIX, retrata, através de uma notícia vinculada no jornal Província de São Paulo, de 30 de setembro de 1879, um possível núcleo estruturado de culto na cidade:

Desacata realeza

Na longa e por vezes triste história das monarchias um facto que possa de longe ser comparado ao que hontem se deu na cidade(...) Já não há preconceito, já não há distinções, só a igualdade. O sr. Posssolo, segundo delegado da polícia acaba de por em prática uma ameaça terrível. S. Majestade a rainha mandingueira assignou hontem um termo de bem viver na polícia. Uma rainha! exclamara o leitor. Uma rainha sim senhor! E não foi só a rainha, foram os seus ministros. A rainha é Leopoldina Maria da Conceição que também diz chamar-se Leopoldina Jacomé da Costa preta fula da nação Mina Gegi 45 annos presumíveis. É a dona da casa e de todos os objetos nella encontrados como ministra de culto denominado: Mãe de Santo Guhade Feliciona de Jesus tem como principal ajudante, casada com um pardo cocheiro do qual se acha separada há 23 annos. É denominada Vodance....(segue descrição dos outros participantes, todos negros. O texto está repleto de ironias, como por exemplo....) Eva Maria Creoulla filha de uma preta, 16 annos, muito estúpida e ignorante parecendo até idiota(....) Estas mulheres(....). Estavam mal alimentadas. (Schwarcz, 1987, pp.127-128)

Maria Odila Leite da Silva Dias (1984), no estudo do cotidiano das mulheres na cidade de São Paulo no século XIX, por volta de 1838, denota a presença de mulheres negras nas ruas da cidade:

O treino e a esperteza de vendedoras de ganho, que garantia a sobrevivência das proprietárias, também se desdobravam numa dimensão exclusiva das próprias escravas: avós e mães solteiras sustentavam suas famílias, morando em quartos de aluguel pela cidade, principalmente na Sé; como escravas, usufruíam da confiança de suas donas, que com frequência acabavam por alforriá-las; além disso, gozavam de prestígio e de influência entre os próprios escravos, tornando-se líderes do seu convívio social e religioso: no seu

quotidiano de trabalho e de lazer, alternavam os cantos estratégicos de comércio ambulante, com a intensidade de “pontos” mágico-religiosos dos seus cultos improvisados. Adquiriram fama como curandeiras, mães-de-santo; Maria D’Aruanda e Mãe Conga ficaram conhecidas na cidade. Vistas com desconfiança pelas autoridades foram perseguidas como “desinquietadoras de escravos”. ( Dias, 1984, pp.119)

Nos dois últimos fragmentos, datados do século XIX, denota-se a presença de mulheres na posição de destaque nas práticas religiosas afro-brasileiras. Ademais, nos dois casos, as autoridades policiais intervieram. Como vimos anteriormente, na cidade de São Paulo em meados do Século XIX, já se constituía um aparato de repressão, um imaginário do medo e ainda políticas racistas aliadas aos discursos das ciências surgidas, que, impregnados de teorias raciais, poderiam inviabilizar a continuidade de práticas de origem afro-brasileira.

Esses espaços, segundo Maria Estela Rocha Ramos (2007):

Os espaços urbanos, resultados das concepções ocidentais de pensamento, possuem uma estruturação, configuração, e imagem de urbanização que são impostas pelas classes dominantes. Esta urbanização, no entanto, não se concilia com a organização dos “espaços negros”, que estrutura tanto pela forma particular determinada pela cultura desta população, como pela condição subalterna que a população negra foi e é submetida ao longo dos séculos. (Ramos, 2007, pp. 98)

No tocante às religiões afro-brasileiras, convém destacar as medidas do Estado que se configuram como cerceamento legal, apontado por Diego Ferreira Cangussu Franco (2010), trata-se das penalizações das condutas que se vinculam à condição da população negra na sociedade pelo Código Penal de 1890, editado pela República, antes mesmo da Constituição Nacional.

Várias práticas foram cerceadas, a capoeira era penalizada conforme art. 402, capoeiragem, assim como, o curandeirismo (art.158), espiritismo (art.157), mendicância (art.391) e a vadiagem (art.399). Sendo assim, as religiosidades afro-brasileiras eram tratadas como caso de polícia, bem como as manifestações culturais passíveis de penalidades.

Teresinha Bernardo (1998), ao analisar as memórias que se constituem na cidade de São Paulo, nos apresenta quatro paisagens que emergem das memórias dos grupos sociais, (i) a das mulheres negras – a cidade escura, (ii) – a das mulheres brancas – a

cidade do progresso, (iii) – a do homem negro – a cidade desconhecida; (iv) a do homem branco – a cidade do trabalho.

Nessas memórias das mulheres negras, o feitiço emergiu como algo estritamente feminino. Era praticado pelas mulheres, uma das interlocutoras, Dona Inez, narrou que:

Aprendi a jogar búzios com 14 anos, no Juizado Provisório de Menores que ficava na Rua Paraíso, em 1920, com uma outra preta que estava também internada. Foi ela quem me deu os fundamentos, acho até que ela estava internada por causa disso. Com ela aprendi o que é a obrigação e por que se faz oferenda. Nunca tive terreiro como se tem hoje, fazia em casa ou em casas de quem precisava. (Bernardo,1998, pp.71)

E ainda, Dona Cacilda Geraldo, outra interlocutora:

O feitiço sempre foi segredo praticava-se escondido. Havia uma perseguição terrível contra a nossa religião. Existiam mães-de-santo só que não se falava este nome e nem o nome delas abertamente, mas lembro bem de Enedina, Ercília e Paula (Bernardo, 1998, pp.72) Já o grupo de mulheres brancas duas interlocutoras também emergiram lembranças sobre as religiões afro-brasileiras, nesses depoimentos, segundo Bernardo (1998):

Os dois depoimentos atestam a existência do culto afro-brasileiro antes de 30, em São Paulo, pois D. Nilda nasceu em 1917, 29 anos depois da abolição. No entanto, ao refazer suas lembranças, D.Nilda não se comprometeu com essa modalidade religiosa, enquanto a minha outra interlocutora assumiu, no presente, as suas idas em segredos aos cultos afro-brasileiros (Bernardo,1998,pp.102)

Nas memórias dos velhos negros emergiram lembranças do sofrimento da perseguição sofrida e da discriminação vividas por conta das marcas estigmatizadoras vinculadas aos racismos devido à religião. Na fala do Sr. Cassiano:

Era proibido até falar em candomblé, mas naquele tempo não se chamava assim. A gente chamava feitiço, que nada mais é do que candomblé e umbanda. Era proibido, mas era praticado. Ser do candomblé não é escolher, é ser escolhido. Esse tal de sincretismo nada mais foi que transformar os nossos orixás em santos católicos para fugir da cadeia e do manicômio. Foram anos de terror para nós. Conheci gente que foi parar no manicômio e não foi um só; foram muitos. E eu atesto que eram normais, como esta luz que está nos iluminando. (Bernardo,1998,pp.134-135)

Ser classificado como louco, ir preso ou ao manicômio, fragmentos trazidos à tona na fala do velho negro, expressam o imaginário no qual as religiosidades afro- brasileiras estavam inseridas na metrópole e ainda, a forma com que a medicina e o aparato legal do Estado, classificavam os seus adeptos.

Conforme exposto nesses fragmentos dos estudos sobre as religiosidades afro- brasileiras na cidade de São Paulo, observa-se que na cidade moderna e urbana, as possibilidades de rupturas são maiores e mais intensas. Resultado de um longo processo de exclusão e invisibilidade que têm raízes históricas no racismo, nas teorias do branqueamento e no mito da democracia racial.

A hipótese de Bastide (1973), portanto, de possíveis rupturas sem possibilidade de continuidades, não se coaduna. A “macumba paulista” praticada de forma isolada na figura do feiticeiro, transcende a simples individualização do culto, pois podemos afirmar que tais práticas possuem a presença significativa de praticantes.

Por conta do processo histórico de segregação social e racial, os territórios negros, diante de condições adversas, mantém suas práticas e possuem continuidade no espaço urbano. É nessa perspectiva que enxergamos o terreiro Axé Ilê Obá como território negro, resultado de todos esses processos.

Paulo Koguruma (2001) levanta a possibilidade de essas práticas terem sido reelaboradas no contexto da metrópole, o que possibilita sua continuidade.

Com efeito, pode-se assinalar que, no ambiente cosmopolitizado de São Paulo do início do século XX, as práticas afro-brasileiras eram reelaboradas em meio às tensões das múltiplas temporalidades e ritmos sociais que perpassavam o seu processo de urbanização tumultuário. No ambiente multiétnico na nascente metrópole moderna o encontro e desencontro das tradições de sua população diversificada acabaram por engendrar novas “sínteses” culturais, que em sua dinâmica histórica acabaram por se constituir nas especificidades da sociedade e cultura brasileiras(Koguruma,2001, pp.290).

Concordamos, com Koguruma (2001) e, chamamos Clóvis Moura (1980) para descortinar nos capítulos seguintes, a umbanda paulista e, em especial a Umbanda de Pai Caio de Xangô, que surge como movimento de congregação importantíssimo, que possibilitou restabelecer padrões religiosos e tornou-se pólo de reencontro cultural, politico e religioso das populações negras.

CAPÍTULO II

2.1 - Da Macumba paulista à umbanda: A umbanda de Pai Caio de Xangô

No que concerne às práticas religiosas de matrizes africanas, foi através de fragmentos de diversos estudos que conseguimos visualizar um cenário, onde essas práticas estiveram presentes. Diante desse cenário teceremos relações entre a chamada “macumba” ou “macumba paulista” e a umbanda.

Tais fragmentos foram trazidos à tona por Schwarz (1987) que, ao analisar os jornais no final do século XIX, trouxe fragmentos importantes de práticas e culto organizado em 1879.

Já o trabalho de Maria Odila Leite Silva Dias (1984) ao analisar o cotidiano das mulheres na cidade, no mesmo período, explicitou a presença de mulheres negras sacerdotisas nas ruas do Centro Velho em 1839.

É importante frisar, que não foram apenas as mulheres que se destacaram nesse contexto, homens curadores e feiticeiros também estavam presentes na cidade no início do Século XIX, conforme nos demonstrou Maria Helena Machado (2004).

Teresinha Bernardo (1998) ao analisar a memória das velhas e velhos negros e brancos, levanta a hipótese da existência de cultos organizados antes de 1920.

Essas práticas segundo Paulo Koguruma (2001):

Nos finais do século XIX e nos primeiros anos do século XX, apesar dos indivíduos de origem negra e/ou mestiços somarem um percentual que girava em torno de 12% do conjunto total da população paulistana, as práticas e crenças relacionadas aos descendentes de africanos eram visíveis no solo da urbe. Nos diversos tipos de fontes em que elas ficaram registradas, alguns indícios permitem assinalar o amplo envolvimento de diversos setores da população paulistana nas cerimônias mágico-religiosas praticadas pelos curandeiros, feiticeiros e benzedores negros estabelecidos na cidade, bem como o caráter africanizado e comunitário existente nas diversas atividades mágico- religiosas ( Koguruma,2001, pp.274)

Seguindo a trilha proposta por Koguruma (2001), podemos afirmar que a denominada macumba paulista possuía um caráter comunitário e, à partir dela que a umbanda se originará, conforme Lísias Negrão (2004):

A autodenominada umbanda é o culto afro-brasileiro característico do Sudeste que nasce da junção da antiga macumba com certa vulgarização do espiritismo kardecista e com o catolicismo popular, sobretudo devocional.(Negrão,2004, pp.579)

Diversos autores estudaram a umbanda e sua consolidação em São Paulo, bem como delinearam os motivos de seu surgimento.

O processo de sua consolidação, é destacado por autores como Renato Ortiz (1978), José Guilherme Magnani (1986) e Lísias Negrão (1996), estes pensadores reafirmam a ideia de sincretismo e mescla de elementos das diversas populações presentes na cidade no momento do surgimento da umbanda. Afirmam também que a Umbanda aqui se consolida pelo fato de permitir em determinada medida, ascensão social para o negro, que excluído historicamente da sociedade de classes, via nessa forma religiosa a possibilidade de maior inclusão e ascensão na sociedade.

Os autores ressaltam ainda o interesse da população por religiosidades com apelos emocionais diferenciados, bem como a possibilidade de se obter respostas ao mundo moderno e racional assim como, uma resposta cultural contingente e necessária para a sociedade urbana e industrial.

A umbanda surge no contexto da realidade urbana, mesclando-se com outras religiosidades. Também podemos a considerar como reelaboração das práticas de origem afro-brasileira que, no interior da umbanda mantiveram-se e, a partir dela foi possível a continuidade das práticas na cidade.

Não há consenso entre os pensadores em relação ao surgimento da Umbanda de forma organizada e sistematizada em São Paulo, através dos fragmentos que utilizamos para a análise podemos sugerir que práticas mescladas com elementos de origens diversas já estariam presentes no século XVII.

Diante da especificidade da Umbanda, no que se refere ao culto aos ancestrais e aos tipos sociais marginalizados – como, por exemplo, prostitutas, malandros, que são ressignificações do imaginário da identidade nacional. Os autores que pretenderam dar conta de seu surgimento, atestam que ela surge exatamente no momento da criação dessa identidade e, é uma religião genuinamente brasileira, sendo impossível precisar sua raiz.

Cândido Procópio Camargo (1961), afirma que existe um continuum entre o kardecismo e a umbanda, que ao se deixar influenciar pelo kardecismo, assume valores brancos que estigmatizam os valores herdados das populações de origem afro-brasileira

que a constitui. De outra maneira, a Umbanda quebra paradigmas ao se instituir em uma sociedade industrial que se pretende racional, trazendo valores de cunho espiritual e metafisico, materializado nas representações dos tipos sociais marginalizados. Esses tipos são contra os valores que a modernidade institui.

Ainda na perspectiva do branqueamento e do estigma aos valores negros, Roger Bastide (1971) - no Capítulo dedicado à Umbanda, O nascimento de uma religião, - afirma que, na medida em que a umbanda adota elementos do catolicismo e do kardecismo que se interpenetram, tende-se ao branqueamento e a degradação dos valores negros. Tal perspectiva está balizada pela concepção da existência de formas religiosas mais puras e ideais, como o candomblé. No pólo contrário estaria a Umbanda, desagregada e desarticulada, ou seja, sincretizada, ao inverso do candomblé que se configura como mais agregador e comunitário.

Bastide (1985), ao retomar a discussão sobre as religiosidades afro-brasileiras, retoma sua posição em relação à influência da urbanização, no que concerne aos terreiros. Nas cidades do Sudeste há maior decadência e desintegração, esvaziando-se a solidariedade, que ele acreditava existir nos candomblés de origem queto na Bahia. De tal modo, que os terreiros e a cidade dialogam, e essa última influenciada pelas sociabilidades do capitalismo emergente, dá nova forma às religiosidades, para ele:

Esse mínimo de unidade cultural necessário à solidariedade dos homens em face um mundo que não lhes traz senão insegurança, desordem e mobilidade. Se se prefere, ela é o reflexo da cidade em transição, na qual os antigos valores desaparecem, sem que os substituíssem os valores do mundo moderno(...). A macumba é a expressão daquilo em que se tornam as religiões africanas no período de perda de valores tradicionais; o espiritismo da umbanda, ao contrário, reflete o momento da reorganização em novas bases, de acordo com os novos sentimentos dos negros proletarizados, daquilo que a macumba ainda deixou subsistir da África nativa. (Bastide,1985, pp.407)

Renato Ortiz (1980) e (1991), define que a Umbanda é uma síntese de elementos afro-brasileiros, kardecistas e católicos que se mesclaram e geraram uma nova religiosidade sem a predominância de qualquer um desses elementos, sendo uma religião genuinamente brasileira.

Lísias Negrão (2004) apud Ortiz (1996), sugere que a leitura de Ortiz em A

Morte Branca do feiticeiro negro, privilegiou elementos brancos, ocidentais e mágicos

sincretismo e não uma síntese em que predominam elementos brancos e cristãos que moralizaram a umbanda.

Teresinha Bernardo (1986), ao analisar as mulheres da umbanda em São Paulo, define a Umbanda como um espaço de criação ampla e de possibilidade de adequação às condições reais de existência.

Nesse sentido, a autora amplia a análise do continuum e define dois tipos de Umbanda, uma mais influenciada pelo candomblé e a outra mais influenciada pelo catolicismo. Ao incluir esses dois tipos na análise não pretendemos considerá-las como unidades fechadas em si mesma, mas para explicitar a multiplicidade de formas que a Umbanda graças às especificidades sociais, políticas e econômicas da cidade de São Paulo.

Seguindo as hipóteses de Bernardo (1986), no tocante ao continuum entre candomblé e umbanda, ressaltamos a maior mobilidade entre ambas, ou seja, os valores do candomblé interpenetram na Umbanda e tal fato possibilita a maior presença e rearticulação de elementos das nações banto22 e iorubá.

É diante de um cenário marcado pelo encontro de diversas populações que a Umbanda surge como religião, adequando-se a nova realidade urbana, oscilando entre

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