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Fonte: Zeqroz Neto

Após a peça ser tecida, dependendo do que a rendeira está produzindo, uma nova peça

igual é tecida em seguida, para que depois as duas partes sejam unidas com agulha e linha.

Normalmente, quando se trata de uma camisa ou qualquer outro objeto que tenha duas partes,

é feito dessa forma.

A duração da fabricação de uma peça de renda varia muito; uma mais simples pode

durar de dois dias a uma semana. Já uma colcha de cama, por exemplo, que é mais trabalhosa,

pode durar, dependendo da complexidade dos pontos, até um mês para ser feita. Fazer renda

é, também, um exercício de paciência e dedicação. E acima de tudo, é uma arte, como

salienta dona E.M:

É... minha filha... porque tem gente que ah... rendera... rendera... rendera o que? Rendera é uma profissão que é linda... e sabe o que foi que o presidente do Sebrae disse (...) {eu acho que não se trata de um inventor}... o presidente do Sebrae falou

assim: “é... eu via falá em rendera eu pensei que era coitadinhas... / rendera é

artista... é uma arte...” viu?... são artistas... pessoas que inventam... que tem no cérebro coisas lindas pra poder fazê... então são verdadeiros artistas... (Entrevista 4, linhas 289 A 297)

O fazer renda se apresenta, também, como uma identidade cultural, e a ligação com a

renda feita originalmente em Acaraú é ainda tão forte, que a renda produzida em Raposa se

confunde com a cearense. Como uma forma de reforçar as suas origens, as rendeiras gostam

de evidenciar a diferença entre a renda de bilro feita em Raposa e em Acaraú, evidenciando

que a renda feita no “feitio” cearense é de melhor qualidade:

INFORMANTE 3: mulé... no Ceará assim... porque... aqui a gente vende mas vende um tipo... e lá é mais barato...lá tem mais... mais gente que trabalha né?... porque na região nossa... a renda lá é cara... que a renda lá do Acaraú é uma renda bem feita... é uma renda bunita... e a renda de... de... das outra praia... de Fortaleza... Mundaú.... é... a... a... a... como é o nome das praia meu Deus do céu... outras praia que tem lá... varias praia lá fazem renda... em Fortaleza... mas a renda é... é diferente do Acaraú... a renda do Acaraú é uma renda bem feita... uma renda mar miúda... mar bunita... o pessoal sabe trabalha mesmo /é... mais bunita...aqui ó! Essa aqui ó! Essa aqui é do Acaraú... deixa eu te mostra uma de Fortaleza... lá... aquela ali ó... .é diferente... perfeita... a renda é bem feita...é... porque... nós trabalha com essa aqui mas aqui é muita pouca gente que trabalha... não tem... não tem rendera que de pra bate esse monte de loja... o fetio que é diferente...é uma renda graúda...

O que muda, segundo as rendeiras, é o acabamento. As peças de renda feitas de acordo

com o feitio do Ceará seriam, conforme algumas das entrevistadas, mais bem acabadas, os

pontos menores, mais fechados, enquanto que as feitas segundo o feitio maranhense seriam

mais “graúdas”. Além das diferenças da feitura em si entre a renda feita em Raposa e no

Ceará, dona L.S enfatiza a diferença da pronúncia da lexia bilro nos dois estados, lamentando-

se de não ser visto com bons olhos pelos maranhenses a pronúncia “birro”, como ocorre no

Ceará:

Agora é uma história... o negocio do biurdo... eu não vou lhe afirmar porque lá no Acaraú nós chamava BIRRO... BIRRO nós chamava birro aonde aqui sirviu de inguinorança... era inguinorá... inguinorado...eu quero que esse nome BIRRO seja uma coisa feia...pois esse era o NOSSO nome...agora birdo ninguém pode chamá assim que nóis... mais agora eu nunca temi pra chamá de outro jeito eu chamo é birro que foi assim que eu aprendi ... Birdo mas que é do Maranhão... que no Maranhão é diferente do Ciará...o ia... aqui tem muita gente que faiz renda mais é

porque já vei de lá....” (Entrevista 1, linhas 150 a 167)

Fato é que, percorrendo o Corredor das Rendas, encontramos rendeiras tecendo tanto

rendas graúdas quanto rendas no feitio cearense, e ambas têm boa “saída”. Aos olhos de uma

pessoa leiga, são ambas iguais; é necessário uma profissional nos mostrar a diferença.

O Corredor das Rendas, principal ponto turístico de Raposa, é uma longa e estreita

rua, principal via de acesso aos portos de embarcação, onde, de um lado e do outro, há vendas

de rendas. Essas lojas são as próprias casas das rendeiras, cujo primeiro cômodo é utilizado

para a venda das rendas. Estas também ficam expostas nas calçadas das lojas, onde as

rendeiras passam o dia tecendo, enquanto aguardam os clientes. Cria-se, desse modo, um belo

e bucólico cenário: uma rua de rendas por todos os lados e rendeiras sentadas, tecendo em

seus bilros.

Além do Corredor das Rendas, as peças também podem ser feitas na Associação das

Rendeiras de Bilros. Criada em 1998, localiza-se em Raposa e tem hoje 55 rendeiras

associadas. Segundo dados do IPHAN (2011, p. 31 a 33), a Associação tem um papel muito

limitado no apoio à atividade das rendeiras, pois a atividade de produção de renda acontece de

forma isolada, nas casas das rendeiras, como explicitado acima. As poucas rendeiras que não

fabricam suas peças em casa produzem-nas na Associação, que se encarrega de as encaminhar

para o Centro de Comercialização de Produtos Artesanais do Maranhão (CEPRAMA). O

CEPRAMA é uma antiga fábrica de sabão que foi restaurada e hoje é um ponto turístico de

São Luís, onde é vendida uma diversidade de artesanatos fabricados no Maranhão.

As rendeiras associadas recebem ainda treinamentos do Serviço Brasileiro de Apoio às

Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE)

, com dicas inclusive de tendências de moda. Muitas

vezes, as que participam desses cursos pinicam os moldes com as peças que aprenderam e

vendem para as que não são associadas. Assim, encontramos em Raposa tanto peças mais

tradicionais, como caminho de mesa, colcha de cama, toalha de mesa, quanto peças mais

modernas, como saias curtas e compridas, vestidos de diversos modelos e até coletes/boleros.

3.3.3 O universo de redes e rendas em Raposa