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2.3 Tixoconformação

2.3.4 Reologia do estado semissólido

A reologia é o ramo da física que estuda a relação existente entre deformação e escoamento dos materiais. Essa ciência investiga a mecânica dos corpos deformáveis e expressa quantitativamente a relação entre os parâmetros tensão, deformação e tempo, os quais podem

ser influenciados por diversas variáveis do processo, como por exemplo, pela temperatura (LASHKARI e GHOMASHCHI, 2007). A reologia da pasta metálica tem atraído cada vez mais a atenção de diversos pesquisadores devido à necessidade de se compreender o complexo comportamento de deformação do material semissólido para que se torne possível o controle do seu processamento (FAN, 2002).

A viscosidade é considerada o principal parâmetro da reologia do semissólido metálico, sendo definida como uma grandeza que quantifica a resistência do fluido ao escoamento (BRUNETTI, 2007). Ela é uma indicação da capacidade de preenchimento da pasta metálica no molde e determina a força necessária para a deformação do metal (LASHKARI e GHOMASHCHI, 2007). Nos fluidos newtonianos, existe forte relação linear entre tensão de cisalhamento (τ) e taxa de cisalhamento (γ), sendo a viscosidade (η) a constante de proporcionalidade entre esses parâmetros. O material semissólido é classificado como um fluido não newtoniano, logo, não há relação linear entre tensão de cisalhamento e taxa de cisalhamento. A viscosidade desse material é expressa em termos de viscosidade aparente, a qual é influenciada pela taxa de cisalhamento, pressão, temperatura e tempo (ATKINSON, 2005; HIRT e KOPP, 2009).

A pasta metálica aplicada na tixoconformação, usualmente, apresenta duas propriedades reológicas muito particulares: a tixotropia e a pseudoplasticidade. A tixotropia descreve a forma como a viscosidade, a uma dada taxa de deformação, depende do tempo. A pseudoplasticidade se refere à forma como a viscosidade é influenciada pela taxa de deformação (FAN, 2002).

Segundo Atkinson (2005), o metal no estado semissólido se comporta de maneira semelhante a suspensões floculadas. Quando submetido a baixas taxas de cisalhamento, sua microestrutura consiste em uma série de grandes flocos. Com o aumento da taxa de cisalhamento, os flocos tendem a se fragmentar até atingirem tamanho de equilíbrio. Caso a taxa de cisalhamento seja reduzida ao seu valor inicial, as partículas começam a se colidir e a se aglomerar, até que os flocos atinjam o tamanho de equilíbrio correspondente a essa baixa taxa de cisalhamento. Em materiais semissólidos metálicos, a aglomeração ocorre devido à colisão entre as partículas, e, caso elas possuam orientação favorável, um contorno pode ser formado por sinterização. Se a aglomeração intensificar-se de tal maneira que seja desenvolvida uma rede interconectada de partículas sólidas, a pasta metálica passa a ser capaz de sustentar a própria massa, podendo então ser manuseada como um sólido. É válido mencionar que o

número de conexões e a área de contato entre elas tende a aumentar com o tempo. Elevando-se novamente a taxa de cisalhamento, as conexões entre as partículas são quebradas e o tamanho médio do aglomerado diminui, resultando no decréscimo da viscosidade do metal. Dessa forma, constata-se que a viscosidade depende do balanço entre as taxas de aglomeração e fragmentação das partículas sólidas.

Além da taxa de cisalhamento e do tempo, uma série de outros parâmetros relativos ao processamento do material semissólido exerce influência sobre a viscosidade da pasta metálica, tais como a temperatura, a fração líquida e as características apresentadas pela fase sólida (morfologia, tamanho e distribuição na matriz líquida) (FAN, 2002). A viscosidade é extremamente dependente da temperatura. Quanto maior for a temperatura do material semissólido metálico, maior será a fração líquida e, consequentemente, menor será a viscosidade (ATKINSON, 2005). No tocante à morfologia da fase sólida, como já foi abordado, as partículas globulares tendem a se deslocar mais facilmente entre si, enquanto que as estruturas dendríticas tendem a se emaranhar, desenvolvendo maior resistência à deformação, culminando em maior viscosidade. Lashkari e Ghomashchi (2007) quantificaram a viscosidade de três pastas metálicas da liga A356 (figura 2.15), que apresentavam diferentes morfologias da fase sólida (globulares, rosetas e dendríticas), quando submetidas a três diferentes pressões (tabela 2.4). Os autores constataram que, de fato, a pasta metálica cuja fase sólida é formada por estrutura mais globular, apresenta menor viscosidade.

Lashkari e Ghomashchi (2007), objetivando avaliar a influência do tamanho médio das partículas da fase sólida sobre a viscosidade, realizaram experimento no qual quatro amostras da liga A356, que possuíam diferentes tamanhos médios de partículas da fase primária, foram conduzidas ao estado semissólido e então deformadas. Os resultados obtidos (tabela 2.5) mostraram que as pastas metálicas detentoras de menor tamanho médio de partículas sólidas apresentavam menor viscosidade. Tal fato pode ser explicado pela maior facilidade com que as partículas de menor tamanho se movimentam e pela menor probabilidade delas se colidirem. De forma semelhante, a distribuição uniforme dessas pequenas partículas em meio à matriz líquida tende a aumentar a distância entre elas, facilitando o deslocamento das mesmas e inibindo as possíveis colisões e aglomerações, resultando no desenvolvimento de menor viscosidade.

Figura 2.15 Microestrutura de três amostras da liga A356, que apresentam diferentes morfologias da fase primária (LASHKARI e GHOMASHCHI, 2007).

Tabela 2.4 Viscosidade de diferentes microestruturas da liga A356, com 33% de fração sólida, quando submetidas a diferentes pressões iniciais. O método utilizado foi a compressão entre placas paralelas (LASHKARI e GHOMASHCHI 2007).

Pressão aplicada (kPa) Viscosidade (log η)

Dendrítica Roseta Globular

4,8 9,0 7,3 6,6

8,9 9,0 7,3 6,3

11,2 9,0 7,0 6,3

Tabela 2.5 Valores da viscosidade de amostras da liga A356 com diferentes tamanhos médios de partículas primárias. O experimento foi realizado pelo método da compressão entre placas paralelas (LASHKARI e GHOMASHCHI 2007).

Diâmetro médio dos glóbulos (μm) Viscosidade (log η)

4,88kPa 9,1 kPa

68 7,00 6,52

70 7,22 7,00

72 7,35 7,09

74 7,52 7,22

O estudo do comportamento reológico do material semissólido metálico pode ser realizado por meio da aplicação de diversas técnicas, as quais são baseadas na medição da viscosidade da pasta metálica. Essas técnicas são divididas em duas principais categorias: técnicas aplicadas durante a solidificação parcial de ligas e aquelas que são aplicadas durante a fusão parcial do metal (KIRKWOOD et al., 2010). Dentre as técnicas aplicadas durante a solidificação parcial da pasta metálica, as mais simples são aquelas que utilizam os viscosímetros de Couette e Searle. Nessas técnicas, o metal é deformado entre dois cilindros concêntricos. No viscosímetro de Couette, o cilindro interno é fixo enquanto que o externo é

movimentado a uma velocidade angular constante. Diferentemente, no viscosímetro de Searle, o cilindro fixo é o externo e o rotativo é o interno. O torque requerido para deformar o semissólido é continuamente medido por sensores instalados no cilindro fixo. A partir da velocidade angular e do torque é possível deduzir a taxa e a tensão de cisalhamento e, consequentemente, estimar a viscosidade apresentada pela pasta metálica. A vantagem dessas técnicas reside na possibilidade de produção de microestrutura globular por meio da agitação promovida pelo equipamento. Em contrapartida, existe uma série de problemas correlatos à aplicação desses métodos: contaminação da liga em consequência do contato prolongado entre os cilindros e a pasta metálica, heterogeneidade da temperatura, não uniformidade da fração líquida, efeitos de turbulência, entre outros (KIRKWOOD et al., 2010; FAN, 2002; LASHKARI e GHOMASHCHI 2007).

A técnica de compressão entre pratos paralelos, a extrusão direta ou indireta e o teste de indentação são exemplos de métodos utilizados na caracterização de materiais semissólidos metálicos durante a fusão parcial. A técnica de compressão entre pratos paralelos é amplamente utilizada devido a sua simplicidade de operação. Nesse método, uma tensão constante é aplicada à superfície superior do material semissólido e seu comportamento reológico é investigado pela análise da variação da deformação com o tempo. Por meio de dados oriundos da curva de “deformação versus tempo” e de equacionamentos matemáticos, torna-se possível estimar a viscosidade do material semissólido. Essa técnica é indicada para caracterização de pastas metálicas de elevada fração sólida.

A figura 2.16 exibe um exemplo clássico da curva de “tensão versus deformação” de materiais semissólidos obtida por meio de experimentos de compressão realizados por Kang, Choi e Kim (1999). Logo no início da deformação, percebe-se intenso aumento na tensão de engenharia (a → b), cuja origem tem dividido opiniões entre os pesquisadores. De acordo com Atkinson (2005), esse aumento é promovido pelo contato entre as partículas da fase sólida que foram aglomeradas durante o repouso do semissólido. Com o aumento da tensão e deformação, as interconexões entre as partículas sólidas começam a ser fragmentadas e a tensão é reduzida (b → c). Na sequência, a pasta metálica continua a se deformar e expulsa o líquido do seu interior para a sua superfície (c → d). A expulsão do líquido promove, mais uma vez, o contato entre as partículas sólidas e a tensão aumenta novamente (d → e).

Figura 2.16 Ilustração esquemática da curva de tensão versus deformação obtida a partir da compressão de um material semissólido metálico (adaptado de KANG, CHOI e KIM, 1999).

Em contrapartida ao modelo proposto por Atkinson (2005), Kareh et al. (2014) realizaram experimentos que demonstraram que os glóbulos da fase sólida se movimentam como corpos independentes e propuseram que o semissólido metálico se comporta de forma semelhante a alguns materiais granulares que se dilatam quando lhes é imposto uma tensão cisalhante. Segundo Kareh et al. (2014), o aumento da tensão de engenharia observado no início da deformação (a → b) é promovido pela força necessária para separar as partículas que estão sendo dilatadas em consequência da tensão que lhes é submetida.

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