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Fontes: BRASIL. Presidência da República.Casa Civil (2004), Barreto et al. (2008) reflexões próprias Organizado por: Paulo Roberto Cunha

fragilidade, deficiência, e/ou inexistência de políticas públicas fundiárias

precariedade (ausência) de titularização de ocupações consumadas

imbróglios ocupacionais: indefinição fundiária e aponderamento irregular de terra pública (grilagem e ocupações legítimas)

violência agrária: conflitos entre supostos donos de terra, ameaças, agressões físicas, mortes, coação, pistolagem, expulsões da terra concentração fundiária favorecendo especialmente os setores mais capitalizados

pequenos imoveis rurais decorrentes de assentamento de reforma agrária ou ocupações espontâneas com carência de infra-estrutura produtiva, tecnológica e social e que contribuem com o desmatamento: (i) porque são formas tradicionais de manejo, baseadas na derrubada da mata e queimada; (ii) porque servem de mão de obra para grandes madereiros e pecuaristas; (iii) porque "esquentam" a posse das terras que, posteriormente serão apropriadas por esses grandes empreendimentos; (iv) precárias condições motivam abandono das terras e a busca por novas ocupações.

unidades de conservação e terras indígenas: falta de demarcação, homologação, implementação; ocupações privadas em áreas de UC´s, realizadas tanto antes como depois da decretação da proteção; sobreposição de unidades de conservação, terras indígenas e imóveis privados e posses

base de dados deficiente: ausência de dados confiáveis sobre a estrutura fundiária, não só na Amazônia, como em todo Brasil

fragilidade, deficiência e/ou inexistência de políticas públicas ambientais

precariedade de ordenamento territorial-ambiental: ausências de zoneamento-ecológico-econômico, de planos diretores municipais

impunidade de crimes ambientais

descumprimento de leis ambientais

Código Florestal (APP e RL)

Lei do SNUC em unidades de conservação (ausência de implementação, de estrutura, de gestão, de regularização)

licenciamento ambiental de empreendimentos econômicos

Terras Indígenas sem de consultas de atores locais (governos, comunidades)

invasão e exploração ilegal de recursos ambientais em unidades de conservação e terras indígenas, especialmente naquelas de avanço de fronteiras agropecuárias e áreas com previsão ou em execução de grandes obras de infraestrutura

Caos fundiário Problemas ligados à estrutura agrária

Ausência e/ou frágil presença do ESTADO

Caos Ambiental Desmatamento Exploração predatória do meio ambiente Uso inadequado do solo C A O S F U N D I Á R I O e A M B I E N T A L

O caos ambiental e fundiário diagnosticado no inicío do governo Lula pode ser detalhado com outros fatores: queimadas e atuação de madeireiras ilegais, baixa produtividade agropecuária e grandes extensões de terras desmatadas e abandonadas (16,5 milhões ha.), porte ilegal de armas, formação de quadrilha, narcotráfico, lavagem de dinheiro, bipirataria e estelionato, trabalho escravo e outras violações de direitos trabalhistas e sonegação de impostos (BRASIL.PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.CASA CIVIL, 2004), ampliação do Arco do Desmatamento para o sul do Amazonas e centro do Pará em razão do avanço da agropecuária sobre a floresta; implantação de obras de infraestrutura impactando indígenas, populações tradicionais e produtores familiares; novos vetores de desmatamento, especialmente em regiões de abertura e/ou pavimentação de rodovias em áreas isoladas de floresta247, com ampliação de oferta de terras e expansão da fronteira de degradação.

Como analisa Mello-Théry (2011, p. 17), a ausência do Estado na Amazônia se faz sentir no abandono do patrimônio fundiário público às “dinâmicas mais competitivas da incorporação de fronteiras, sem que o mesmo [o patrimônio] possa beneficiar mais igualitariamente à sociedade brasileira”.

No tocante ao caos fundiário, sobressaem ainda as deficiências na base de dados da estrutura fundiária. Há no território amazônico uma grave inconsistência dos dados a respeito das terras incorporadas ao patrimônio público durante a ditadura militar e da quantidade de terras que foram alienadas a qualquer título (TRECCANI, 2017, [informações verbais]248). Segundo o mesmo entrevistado, não há “memória histórica” e nem confiança nas informações disponíveis, mas sim “divergências absurdas” nos informes cadastrais da FUNAI, do ICMBIo, dos cartórios, do INCRA, da Receita Federal e do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que não permite saber o que foi arrecadado, desapropriado e destinado à indígenas, quilombos e unidades de conservação.

O cadastro de imóveis rurais do INCRA, em particular, é tão precário que qualquer politica fundiária planejada a partir dele “é suicídio”, porque ele “é irreal” (TRECCANI, 2017, [informações verbais]249). E isso decorre do fato de tal cadastro ter sido construído ao longo do tempo com base em declarações dos próprios ocupantes de terras, as quais nunca foram avaliadas pelo Poder Público (BARRETO et al., 2008, p. 14, citando outras fontes).

247 Ferreira, Venticinque e Almeida (2005, p. 159-160) citam estudos que diagnosticaram curvas exponenciais do desmatamento em função das estradas amazônicas (grandes proporções de desmatamento próximos a estradas). 248 TRECCANI, Girolamo Domenico [UFPA]: entrevista citada, realizada em 02 de agosto de 2017.

249 Idem. O mesmo entrevistado explica que em agosto de 2017, o INCRA determinou a unificação dos cadastros e isso causará grandes incongruências.

Nesse cenário de imprecisão e incerteza, onde subsiste a rapinagem da terra pública, os cartórios de registros imobiliários da região são um capítulo a parte, como exemplifica Torres (2018, no prelo), ao citar o município de Vitória do Xingu (PA), onde os registros cartorais somavam, no ano de 2009, centenas de vezes o tamanho do município.

Prosseguindo no detalhamento do caos fundiário amazônico, foca-se agora nos imbróglios ocupacionais, isto é, nos problemas alusivos à indefinição fundiária e ao apoderamento terras públicas por particulares, fenômeno que incluiu a grilagem.

O Quadro 7, a seguir, fornece dados preocupantes sobre a indefinição fundiária daqueles tempos:

Quadro 7: Dimensões da indefinição fundiária na Amazônia Legal – anos 2000250

Fonte Dimensões

Sparovek et al. (2011, p. 115)

Em 2011, 53% da vegetação natural da Amazônia (cerca de 170 milhões de ha.) encontrava- se, predominantemente, em “terras públicas não destinadas”, onde não há precisão do que é terra pública, devoluta, posse ou grilo o que gera enorme insegurança jurídica. Daquele montante, cerca de 100 milhões de ha. estavam em áreas contínuas e bem preservadas, com potencial para criação de unidades de conservação ou terras indígenas.

Brito e Barreto (2011b, p. 141)

A indefinição fundiária da Amazônia em 2008 era de 53% do seu território, incluindo terras privadas sob suspeita de ilegalidade, áreas legalmente sem alocação e posses sem reconhecimento legal, além de inconsistência na localização física de imóveis rurais inseridos no cadastro do INCRA e registrado nos cartórios.

IPAM (2006, p. 17) 45% das terras da Amazônia Legal não foram oficialmente destinadas, seja para fins de reforma agrária ou para proteção ambiental.

Théry, Mello et al. (2009, p. 47)

Na Amazônia, 21% das terras são reconhecidas devolutas e 21% estão sob disputa, prevalecendo um quadro de “não governança”, com o avanço do desmatamento.

Barreto et al. (2008, p. 13)

Não há resposta clara para a pergunta: “a quem pertence as terras da Amazônia brasileira?”. É difícil identificar os desmatadores ilegais, porque o Poder Público não possui mapas dos imóveis rurais e nem identificação dos seus detentores. Em 2003, o INCRA possuía 42 milhões de ha. cadastrados como posse, considerados como áreas em que o Estado havia perdido o controle.

Barreto et al. (2008, p. 49)

Em 2007, 4% do território amazônico era propriedade privada (20 milhões ha.), cujos documentos haviam sido validados pelo INCRA em recadastramentos de grandes imóveis; 32% (158 milhões ha.) eram áreas supostamente privadas que à época ainda não havia sido verificada pelo INCRA ou não havia sido validada; 43% (209 milhões ha.) eram áreas protegidas; as terras supostamente públicas fora das áreas protegidas somavam aproximadamente 21% (104 milhões de ha.) e incluíam áreas livres de ocupação, ocupadas por populações com e sem direitos legítimos de titulação – por exemplo, poderiam estar populações indígenas cujas terras ainda não haviam sido reconhecidas, além de populações tradicionais sem documentação e ocupantes recentes.

Fontes: as mencionadas

Elaboração: Paulo Roberto Cunha

250 Nem todos os números apresentados no Quadro 7 se referem precisamente ao início do governo Lula, mas eles fornecem um panorama geral sobre o problema da indefinição fundiária daqueles tempos na Amazônia.

Sobre a grilagem de terras públicas, outra vertente do imbróglio ocupacional, destaca- se investigação feita em 2005, pela ONG ambiental Greenpeace, sobre a venda ilegal de terras públicas, que resultou em um mapa sobre a localização de áreas griladas na Amazônia, reproduzido pela Figura 9, a seguir251:

Figura 9: O mapa da grilagem na Amazônia – março/2005

Fonte: Greenpeace, 2005

O mapa representado pela Figura 9, anterior, revela que áreas griladas investigadas naqueles tempos se sobrepunham à unidades de conservação e terras indígenas.

Mas não é só. Os exemplos impressionantes desta artimanha fornecidos pelo Quadro 8, da página seguinte, mostram que questão da grilagem daquela época era bastante dramática:

Quadro 8: Dimensões da grilagem na Amazônia Legal – início dos anos 2000

Tema e fonte Detalhamento

Números (INCRA/MPFDA, 1999?)

Indícios de 55 milhões de ha. de áreas griladas no Amazonas (algumas eram motivadas por sentenças judiciais de usucapião), dos quais 18 milhões de ha. haviam tido o registro cancelado e reincorporados ao patrimônio público em decorrência de ações do INCRA. O mesmo órgão fundiário se empenhava em cancelar registros de imóveis irregulares correspondentes a mais de 1 milhão de ha. no Acre, 295.682 em Rondônia, 341.748 no Maranhão, 876.797 no Mato Grosso, 778.098 no Tocantins.

O “grave problema fundiário” do Estado do

Pará (PARÁ.CJCI, 2006)

O “problema fundiário é latente” em grande parte dos municípios paraenses, mesmo aqueles com poucos conflitos, “pois os registros irregulares lá estão adormecidos, prontos para produzirem os seus nefastos efeitos, quando para lá se expandir a chamada fronteira agrícola, com a venda, muitas vezes fatiada, dessas áreas irregulares a colonos e fazendeiros que lá se instalarão, sendo inevitável o conflito entre os posseiros nativos e os índios que lá se encontram com esses novos adquirentes”.

Câmara dos Deputados.CPI (2001)

No Estado do Amazonas, foram identificadas mais de 50 milhões de ha. “com títulos irregulares e ilegais”, dos quais 37 milhões tiveram seus registros cancelados (p. 36).

O “imenso o índice de fraude” em relação aos “Títulos Definitivos de Propriedade, por compra”

(PARÁ.CJCI, 2006)

Os “Títulos Definitivos de Propriedade, por compra” somente foram registrados nos cartórios imobiliários a partir da década de 1970, sendo que em uma “Correição Ordinária” realizada no cartório do município de Altamira, foram encontrados três desses títulos fraudados, que teriam sido expedidos em 1963, em nome de uma única pessoa, nas seguintes dimensões: 206.000 ha., 188.521 ha. e 180.728 ha., bem acima do limite constitucional da época.

Projeção realista e assustadora: “basta que existam mais 100 títulos falsos” nas dimensões citadas acima e “a fraude vai além de 20.000.000 ha. e se existirem 1.000, a fraude vai além de 200.000.000 ha., tendo o Estado do Pará uma superfície aproximada de 120.000.000 ha.”.

O registro indevido de simples arrendamentos

como se fossem propriedades (PARÁ.CJCI, 2006)

Legislações estaduais esparsas expedidas na primeira metade do século XX, permitiram o registro indevido, em cartórios imobiliários do Pará, de simples arrendamentos como se fossem propriedades, “o que permitiu a que uma só pessoa, em Altamira, se intitule proprietário de mais de 4.000.000 ha.”.

Fontes: as citadas

Elaboração: Paulo Roberto Cunha.

Destaca-se ainda a violência decorrente das disputas por terras e recursos naturais na Amazônia que, naqueles tempos, também era expressiva, com 1.800 episódios registrados na região em 2004 (BARRETO et al., 2008, p. 13, citando CPT, 2005252). E o símbolo maior

dessa ferocidade foi o assassinato covarde da missionária irmã Dorothy Stang, por pistoleiros e fazendeiros na região de Anapu (PA), em fevereiro de 2005.

252 CPT (Comissão Pastoral da Terra). Conflitos no Campo Brasil 2005. Goiânia-GO: Comissão Pastoral da Terra – Secretaria Nacional, 2005.

A concentração de terras, outro aspecto do caos fundiário amazônico e que é a causa central da violência e dos assassinatos no campo253, é medido pelo índice de Gíni, que em 2006 correspondia a 0,854254 para todo território brasileiro, o que colocava o país como uma das nações de maior concentração de terras do planeta (NERA, 2015, p. 31). Na Amazônia, a concentração fundiária é ainda mais aguda, como mostra a Figura 10, a seguir:

Figura 10: Concentração fundiária (2014)

Fonte: NERA (2015, p. 33)

253 O PPCDAm apontou que os problemas fundiários e ambientais da Amazônia contribuíam para “o acirramento de conflitos decorrentes da disputa pela terra, nos quais, historicamente, tem levado vantagem os setores mais capitalizados, favorecendo a concentração fundiária” (BRASIL.PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.CASA CIVIL, 2004, p. 20). Aliás, a violência gerada pelo caráter rentista e concentrador de terras “se potencializa justamente ao visualizar que 113 milhões de hectares [no Brasil] estão distribuídos em 5,3 milhões de imóveis de até 100 hectares, enquanto apenas 365 imóveis concentram 138,64 milhões de hectares” (NERA, 2015, p. 6). 254 O índice de Gíni consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade e 1 corresponde à completa desigualdade. Em 2014, a concentração fundiária no Brasil era ainda maior: índice de Gíni era de 0,860 (NERA, 2010, p. 31).

Reforçando os números do caráter concentrador de terras na Amazônia, sublinhe-se que os minifúndios e pequenas áreas com até 4 m.f. (400 ha. no máximo) representavam, em 2003, 80% do total, mas ocupavam apenas 11,5% da área do total de ocupações cadastradas no INCRA, enquanto as médias e as grandes ocupações, que eram apenas 20% do total, representavam 88,5% da área cadastrada (CUNHA, TORRES e GUERREIRO, 2011, p. 3), como representam os gráficos abaixo:

Gráfico 2: Concentração fundiária na Amazônia em 2003 – “posses” cadastradas

Minifúndios < 1 m.f. Pequenos entre 1 e 4 m.f. Médios entre 4 e 15 m.f. Grandes > 15 m.f. Fonte: Cunha, Torres e Guerreiro (2011, p. 3), citando Sistema Nacional de Cadastro Rural - SNCR (out/2003)

Arrematando a análise aprofundada sobre o diagnóstico de problemas ambientais e fundiários feito pelo PPCDAm, admite-se que a Amazônia brasileira havia se tornado uma verdadeira “zona marrom”, termo cunhado por O’Donnell (2006, p. 71-72) para referir às regiões com “desigualdades sociais agudas” e com processos escassos de “homogeneização social, econômica e legal”, onde, além de uma “vigência diminuta” do sistema legal estatal, existem outros sistemas legais, “inclusive mafioso, que se entrelaçam de maneira complexa com a legalidade” do Estado. São regiões onde o repertório de direitos civis de cidadania - que, juntamente com as liberdades, direitos políticos, eleições limpas e institucionalizadas, compõe os requisitos para um regime político ser considerado democrático – é ausente, truncado, intermitente e constantemente violado, ao ponto de o mesmo autor questionar se os grupos que viviem em tais regiões gozam de democracia.

59,92% 29,20%

9,92% 5,96%

Quantidade de imóveis cadastrados como posses

6,61%

12,30%

17,95% 63,14%

Situação das posses - áreas dos imóveis cadastrados

3.4.2 - O PPCDAm como feedback de políticas anteriores

O subtópico anterior (3.4.1) examinou o diagnóstico de caos ambiental e fundiário levantados pelo PPCDAm, a fim de mostrar a abrangência pela qual o governo Lula interpretou a elevação dos indicadores do desmatamento, reforçando a concepção adotada nesta tese de que esse evento, para fins teóricos, foi reconhecido pelo governo como um prenúncio de uma possível crise, que é um dos meios pelos quais autoridades governamentais tomam conhecimento de situações sociais que demandam políticas públicas.

Além de “indicadores” e “crises”, outro meio pelo qual atores tomam conhecimento de situações são os canais de feedback de programas existentes255, onde algumas informações podem revelar problemas, programas que não funcionam como planejado, o descumprimento de metas estabelecidas, implementações em desacordo com a lei ou com a intenção administrativa, custos de um programa e consequências imprevistas (KINGDON, 1995, p. 100-103).

O PPCDAm também desempenhou um papel de feedback256 ao analisar e apontar as

deficiências e contradições históricas de determinadas políticas públicas que influenciavam na elevação do desmatamento. Nesse sentido, o plano criticou, dentre outras coisas: “a implantação de rodovias e outras obras de infraestrutura com fortes impactos sobre a ocupação e uso dos recursos naturais”; a “ausência de ações prévias de ordenamento territorial e fundiário, de prevenção e mitigação de danos ambientais” nos ciclos de ocupação da Amazônia; os “conflitos entre a legislação ambiental e a política fundiária”; a falta de priorização para a melhor utilização de áreas desmatadas e para a prestação de serviços ambientais no contexto das políticas produtivas (crédito, incentivos fiscais, assistência técnica e extensão rural, pesquisa científica e tecnológica); a falta de disponibilização, em tempo hábil, de informações oriundas do sensoriamento remoto e a sua integração com outros dados

255 Exemplos de Kingdon (1995, p. 100) sobre feedback: monitoramento de despesas, avaliação e vigilância de implementação de políticas públicas, recebimento de reclamações.

256 O feedback pode chegar às autoridades governamentais por intermédio de monitoramento sistemático, como são os indicadores do INPE, e de estudos de avaliação, como é o PPCDAm. Mas o feedback pode vir mais informalmente, como queixas dos cidadãos aos seus legisladores e por intermédio de burocratas e funcionários públicos, que possuem mais consciência de uma situação pelo seu dia-a-dia e pela administração de programas. Mas caso o feedback revele negativamente a ação administrativa desses agentes ou levante questionamentos se o programa deveria continuar, eles podem impedir que o feedback alcance os decisores de políticas públicas (KINGDON, 1995, p. 101).

(situação fundiária, tipologias de vegetação) como subsídios para políticas de controle e licenciamento ambiental; a ausência de mecanismos práticos e efeitos legais válidos para garantir a vinculação entre a emissão de autorizações de desmatamento e a manutenção efetiva áreas protegidas pelo Código Florestal em propriedades rurais; o baixo nível de eficiência e eficácia dos procedimentos de fiscalização e de gerenciamento de unidades de conservação e de terras indígenas; carências de infra-estrutura, recursos financeiros e pessoal qualificado nos órgãos ambientais federais, estaduais e municipais (BRASIL.PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.CASA CIVIL, 2004, p. 16).

Assim, os elementos teóricos “indicadores”, (pré) “crise” e “feedback”, que compõem o fluxo de problemas de Kingdon (1995), permitem entender os meios pelos quais as autoridades governamentais tomaram conhecimento das dimensões do desmatamento e do caos fundiário da Amazônia no início do governo Lula.

Para arrematar a compreensão da formação desta agenda, resta analisar as formas pelas quais tais situações amazônicas passaram a ser consideradas problemas de políticas públicas.

3.5 – Desmatamento e questão fundiária se tornando um problema

Para entender as formas pelas quais o desmatamento e a questão fundiária da Amazônia deixaram de ser meras situações sociais e passaram a ser consideradas como um problema, é necessário cotejar os seguintes elementos teóricos do fluxo dos problemas: (i) “valores importantes colocados em cheque”; (ii) “comparações com outras unidades relevantes” e (iii) “categorização da situação”.

3.5.1 – O “valor” e a “simbologia” da Floresta Amazônica

Os valores importantes de uma sociedade desempenham papel substancial na definição de problemas, afinal a incompatibilidade entre as condições observadas e a concepção de alguém sobre um estado ideal torna um problema (KINGDON, 1995, p. 110-111).

Considerando essa acepção teórica, a onda de elevação do desmatamento ocorrida no final do governo Cardoso e início do governo Lula, colocou em cheque o sentimento de proteção ambiental da floresta Amazônica, reconhecidamente um valor importante para uma parcela da sociedade, inclusive em âmbito internacional, tanto que a imprensa brasileira destacou esse evento antes mesmo da divulgação do índice oficial (ver Figura 6, tópico 3.4).

Para reforçar a compreensão da proteção da floresta Amazônica como um “valor importante” colocado em cheque, cabe vinculá-lo à variável “símbolos poderosos” que podem chamar a atenção para uma situação, uma variante do elemento “eventos”, igualmente do fluxo de problemas de Kingdon (1995, p. 97-98).

O modelo não define o que seriam “símbolos poderosos”, apenas afirma que eles “atuam como um reforço para algo que já está acontecendo”, sendo, pois, “um motor principal na configuração da agenda”. O mesmo autor enfatiza:

Os símbolos captam e têm importantes efeitos de focagem porque capturam em essência, um tipo de realidade que as pessoas já sentem de maneira mais vaga, mais difusa. Como disse um entrevistado, “Por trás de muito clichê, há alguma verdade.”257 (KINGDON, 1995).

A floresta Amazônica, por ser um valor importante para parcela da sociedade, carrega consigo o clichê de “pulmão do mundo”. Ainda que essa afirmação não tenha base científica, ela traduz uma simbologia poderosa que a região representa para o mundo, tanto que é considerada “patrimônio nacional” pela Constituição Federal de 1988.

É muito provável que caso o desmatamento acentuado tivesse sido observado para o bioma do Cerrado, “valores importantes” não teriam sido colocados em cheque, porque a região, não obstante sua importância, não carrega a mesma simbologia da Floresta Amazônica.

3.5.2 – Comparando o desmatamento com o pico de 1995

Situações sociais também podem ser consideradas como problemas por intermédio de comparações com outras unidades relevantes: “se alguém não está conseguindo o que os

outros estão, e se alguém acredita na igualdade, então a desvantagem relativa constitui um problema”, explica Kingdon (1995, p. 111)258.

No caso em estudo, as autoridades do governo Lula compararam o índice de desmatamento da Amazônia verificado naquela época como o pico de 1995.

Nesse sentido, o PPCDAm projetou que desmatamento de 2004 seria o segundo maior da história, inferior apenas ao de 1995259 (BRASIL.PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.CASA CIVIL, 2004, p. 9), relatando esse fato com tons de tons de dramacidade:

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