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Representações sobre doença mental e sexualidade de pessoas com transtornos

Em pesquisa realizada no início dos anos 1970, Jodelet analisou representações sobre a loucura, em uma pequena cidade no centro da França, Ainay-le-Château, onde, desde 1900 os pacientes psiquiátricos estavam sob os cuidados das famílias locais. A autora buscou compreender de que forma a comunidade recebia e absorvia os pacientes, como se relacionavam com a loucura, como as representações se formaram e como funcionavam naquele cotidiano.

Jodelet (2001) identificou nesse cenário as necessidades de diferenciação entre a pessoa considerada louca e as sãs e o modelo da fusão com a alteridade,

que marcavam aquela vivência social. A autora apresenta num esquema, o conteúdo das representações, identificando sua relação com as emoções e comportamentos cotidianos, ressaltando o quanto esse conteúdo simbólico, que guia as relações diárias com o louco, é desconhecido para os próprios habitantes da comunidade, ou seja, o representado versus o agido. Jodelet entrevistou habitantes de uma comunidade em que pessoas com transtornos mentais viviam como pensionistas, junto a famílias locais. Após uma análise aprofundada do conteúdo implícito em entrevistas, a autora identificou práticas de discriminação por parte dos moradores do vilarejo em relação aos seus pacientes: excluíam-nos sutilmente, marginalizando-os. Uma representação que tomava o louco como uma ameaça era responsável por um distanciamento entre os habitantes do lugar e as pessoas com transtornos mentais.

Buscando examinar a teoria ingênua sobre o que é loucura e o louco, sua formação e seu funcionamento, a autora aponta que ao derrubar as barreiras físicas do hospital não se eliminam as barreiras psicológicas. Apelar para a tolerância ao louco não atinge o problema em sua profundidade; pois o preconceito não é eliminado, apenas denegado (JODELET, 2001).

Nesta mesma vertente, o estudo de Giami (2004) cujo objeto foram as representações da sexualidade de deficientes mentais; sobretudo, representações dos pais e dos educadores, buscou interpretar posturas que deveriam adotar em relação às necessidades e experiências de vida sexual dos deficientes mentais. Qual atitude tomar? Proibição da atividade sexual? Esterilização como método contraceptivo? E no caso de uma gravidez, quem cuidará do bebê do deficiente? Essas perguntas permitiram uma análise aprofundada que apontou que o exercício da sexualidade dos adolescentes, assim como a sexualidade dos deficientes, geram

consequências que afetam não só o nível individual, mas especialmente o nível familiar e social, pela situação de dependência afetiva e econômica em que se encontram. Tais questões representam um desafio para os profissionais de saúde pública pela complexidade dos fatores nelas envolvidos, trazendo repercussão, ainda entre os profissionais que trabalham com educação especial e entre os pais desses educandos.

A originalidade do estudo reside no fato de não ser uma pesquisa específica sobre a sexualidade do deficiente mental, mas, conforme diz o autor, o estudo aborda as “representações do ‘problema colocado pela sexualidade de adultos jovens deficientes mentais’ para as pessoas que – supomos – pensavam e diziam existir ‘um problema’, principalmente os pais e os educadores colocados em contato direto com esses ‘adultos jovens deficientes mentais’” (GIAMI, 2004, p. 12).

No estudo supracitado, a análise das representações das condutas de regulação elaboradas pelos pais e pelos educadores, as posições de cada grupo, quando confrontadas na prática, parecem muito próximas. Enquanto as representações da sexualidade e as representações do outro grupo aparecem como os elementos de afirmação da contradição e do estabelecimento de uma distância entre os dois grupos, não se encontram as mesmas oposições no âmbito das condutas. Os pais aparecem muito rigorosos quanto ao controle que utilizam. Os educadores que, num plano ideal, desejariam utilizar regulações menos repressivas, mostram-se obrigados a adotar as condutas repressivas que lhes provocam uma ressonância ambivalente: elas constituem uma resposta ao mal-estar suscitado pela sexualidade dos deficientes, ao mesmo tempo em que suscitam certa dissonância em relação à adesão às ideologias permissivas (GIAMI, 2004). Pode-se constatar, assim, que os pais e profissionais não percebem e nem descrevem as

manifestações da sexualidade dos deficientes mentais da mesma forma, nem com a mesma intensidade emocional subjacente. As atitudes dos pais e dos profissionais, tanto quanto suas práticas para regular e cuidar da sexualidade dos deficientes mentais situam-se em perspectivas diferentes.

Nesta vertente, o autor analisa as formas de organização social da sexualidade que são impostas às pessoas com deficiência mental, apontando a forte predominância nestes estabelecimentos do modelo das “instituições totais” descritos por Goffman (1982).

As conclusões apresentadas no estudo apontam para a identificação de uma estrutura bipolar, assim chamada por apresentar representações complementares e ao mesmo tempo antagônicas, sobre a sexualidade dos deficientes mentais. Giami (2004) constatou que a estrutura bipolar era constitutiva da representação no plano individual e intrapsíquico. A oposição e a complementaridade, que se designou como estrutura bipolar, existentes entre a dimensão de “anjo” e aquela de “fera” confirmaram-se pelas representações de “criança a ser protegida” e de “monstro a eliminar”. A oposição entre a figura do “anjo” e da “fera” aparece em última análise como uma estrutura fundamental das representações da sexualidade. “Uma representação que associa, num mesmo conjunto, as dimensões da falta e do excesso, presentes em cada um de nós e projetadas defensivamente nos outros” (GIAMI, 2004; p. 15).

Desta forma, o estudo de Giami (2004) fornece novos subsídios para os profissionais refletirem acerca de suas práticas e modos de pensar, que podem contribuir na busca de saídas originais dentro do contexto de atuação frente aos difíceis e dolorosos problemas que a sexualidade dos deficientes mentais coloca para as famílias e as instituições.

Tais referências trazem aporte fundamental para as discussões sobre as representações propostas no presente estudo, por considerarem que as regulações da sexualidade aparecem como resultado de compromissos entre as posições pessoais e as “realidades” institucionais. Também refletem a falta de correspondência entre o que se crê que se deva fazer e o que se realmente se faz.