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3. As teorias do materialismo histórico

3.1. Althusser e os aparelhos ideológicos do Estado

3.1.1. Reprodução da força de trabalho

De acordo com Althusser (1992, p. 56), a reprodução da força de trabalho é assegurada ao se dar a ela o meio material para se reproduzir, o salário. O salário não está apenas determinado pelas necessidades de um X biológico, mas, também, por um mínimo histórico. Esse mínimo histórico é imposto pela luta da classe operária contra o aumento da jornada de trabalho e contra a diminuição dos salários.

No entanto, a força de trabalho disponível deve ser competente, isto é, apta a ser utilizada no sistema do processo de produção. A força de trabalho deve ser diversamente qualificada e reproduzida como tal, conforme as exigências da divisão social-técnica do trabalho, nos seus diferentes cargos e empregos.

Ao contrário do que ocorria nas formações sociais escravistas e servis, esta reprodução da qualificação da força de trabalho tende (trata-se de uma lei tendencial) a dar-se não mais no local de trabalho (a aprendizagem na própria produção) porém, cada vez mais, fora da produção, através do sistema escolar capitalista e de outras instâncias e instituições (1992, p. 57).

O autor questiona: o que se aprende na escola ?

Aprende-se a ler, escrever e contar, elementos de cultura científica ou literária diretamente utilizáveis nos diferentes postos da produção - uma instrução para os operários, uma para os técnicos, uma terceira para os engenheiros, uma última para os quadros superiores. Porém, ao mesmo tempo, junto com essas técnicas e conhecimentos, aprende-se na escola as regras do bom comportamento, as conveniências que devem ser observadas por todo agente da divisão do trabalho conforme o posto a que ele esteja destinado, as regras de moral e de consciência cívica e profissional, regras de respeito à divisão social-técnica do trabalho e, por último, regras da ordem estabelecida pela dominação do capital.

[...] a reprodução da força de trabalho não exige somente uma reprodução de sua qualificação mas ao mesmo tempo uma reprodução de sua submissão às normas da ordem vigente, isto é, uma reprodução da submissão dos operários à ideologia dominante por parte dos operários e uma reprodução da capacidade de perfeito domínio da ideologia dominante por parte dos agentes da exploração e repressão, de modo a que eles assegurem também 'pela palavra' o predomínio da classe dominante (1992, p.58).

Porém, Albuquerque (1992, p. 11-2), ao contrário de Althusser, acredita que a formação profissional no ensino convencional está sempre em descompasso com a prática profissional, isto em todos os níveis, de tal forma que o treinamento na empresa é a regra geral. Além disso, o ensino convencional, embora tenda a estender-se nos países mais avançados, tende a prolongar a chamada formação geral, e não a aumentar ou intensificar a qualificação para o trabalho. Acrescenta, ainda, que o estudante profissionalizado, como o técnico de nível médio e como o operário qualificado, é incapaz de converter seu trabalho em força de trabalho sem um treinamento na empresa. A escola forma o trabalhador, mas é a empresa que qualifica o trabalho, e isso num processo em que o trabalho é simultaneamente transformado em força de trabalho. Formar o trabalhador significa tornar para o indivíduo natural e necessária a equivalência entre a qualidade do trabalho e a

quantidade da força de trabalho, tornar natural a venda da força de trabalho, a submissão às normas de produção, à racionalidade da hierarquia etc.

A nosso ver, a escola na sociedade capitalista desempenha várias funções, porém, a mais imediata para o capital é a de formar a força de trabalho para o mundo do trabalho. Entretanto, a relação entre a escola e o mundo do trabalho não é direta, mas encontra-se mediada pelo mercado (VIEITEZ; DAL RI, 2000b, p. 15-6). Desse ponto de vista, o estudante é um trabalhador em potencial, mas que deverá integrar o mercado para poder realizar esse potencial. Dito de outra forma, a escola não educa diretamente para o trabalho na produção, mas para que o estudante converta-se numa força de trabalho habilitada que as organizações buscarão no mercado de trabalho, o qual é uma das categorias fundamentais da ordem social.

Porém, a fábrica também educa o trabalhador de acordo com as suas necessidades. Segundo Kuenzer,

A forma de organizar o trabalho na fábrica contém um projeto pedagógico, muitas vezes pouco explícito, mas sempre presente. Seu objetivo é a constituição de certo tipo de trabalhador, conveniente aos interesses capitalistas; em outros termos, propõe-se a habituação do trabalhador ao processo de trabalho concreto existente na fábrica, que, embora apresente certa especificidade, nada mais é do que uma manifestação particular do trabalho capitalista em geral. Neste sentido, o projeto pedagógico que ocorre no interior da fábrica articula-se com o processo educativo geral, que se desenvolve no conjunto das relações sociais determinadas pelo capitalismo (1995, p. 76).

Ainda, de acordo com a autora, a relação entre educação e qualificação para o trabalho não ocorre da mesma forma em todas as áreas da produção. Isso faz com que “[...] o capital não consiga resolver internamente todas as questões relativas à qualificação da mão-de-obra, dependendo de outras empresas e instituições [...]” (1995, p. 88). Há setores, como, por exemplo, a linha de montagem de uma montadora, que não oferecem muitos problemas dessa ordem, pois o trabalho é bastante simplificado, e os supervisores preferem contratar operários sem experiência anterior e treiná-los no próprio trabalho. Já em outros setores, como a fábrica de motores, a situação é inversa havendo maior dependência de qualificação anterior. Nesses casos exige-se do trabalhador cursos e experiência anterior.

Dessa forma, tanto a análise de Althusser como a de Albuquerque tende a ser a- histórica. Não se pode afirmar que a escola qualifica a força de trabalho e a prepara ou, ao contrário, que a qualificação do trabalhador ocorre apenas na indústria, sem, ao mesmo tempo, situar-se historicamente o desenvolvimento das relações de produção. Quais os movimentos? Quais as necessidades da produção? Quais as exigências? Sem esse contraponto, ou seja, a análise do movimento no interior da produção e, ao mesmo tempo, a análise do que ocorre na escola, fica difícil demonstrar qualquer uma das teses.