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A luz da nova redação do artigo 28-A do Código de Processo Penal68,

percebe-se que o legislador infraconstitucional fixou uma série de requisitos, e restrições para fins de aplicação do instituto despenalizador do ANPP. Vejamos:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado

confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

66 Art. 22 da Constituição Federal - Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil , comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho ;

[...]

67 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 24ª Ed. - São Paulo, Editora Atlas, 2020. p. 225. 68 BRASIL. Decreto n. 3.689 de 3 de outubro de 1.941. Código de Processo Penal. Disponível em:

[...]

§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput

deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

§2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais

Criminais, nos termos da lei;

II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que

indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;

III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao

cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e

IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou

praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

[...] (GRIFO NOSSO).

Logo, ao observar-se o texto legal do artigo 28-A, CPP, já é possível enumerar uma série de crimes onde investigados/acusados não poderão ser beneficiados, ademais, será necessário haver interesse e manifestação processual de todos os autores jurídicos envolvidos no processo.

Sendo estes os seguintes requisitos legais, quando preenchidos de forma cumulativa, poderá ser proposto ANPP em favor do acusado.

Requisitos permissivos: a) não seja caso de arquivamento da investigação;

b) o acusado deve confessar formal e circunstancialmente a prática do crime; c)

infração penal com pena mínima cominada inferior a 4 anos; d) não seja crime praticado com violência ou grave ameaça contra pessoa (doloso);

Causas impeditivas: e) não seja crime de violência doméstica ou familiar, ou crime de gênero menosprezo ou discriminação à condição de mulher; f) não seja o agente reincidente; g) não seja cabível a transação penal; h) o acusado não possua antecedentes que denotem conduta criminosa habitual e; i) não ter sido o acusado beneficiado nos últimos 5 anos com ANPP, transação ou sursis processual.

Não sendo caso de arquivamento, “a proposta de ANPP pressupõe a presença de justa causa para o oferecimento de denúncia consubstanciada em indícios de autoria (ou participação) e prova da existência da infração penal.”69

b) o acusado deve confessar formal e circunstancialmente a prática do

crime:

Por tratar-se de requisito de grande relevância para maior compreensão finalística do ANPP, assim como da divergência interpretativa, o tema será abordado de forma mais minuciosa no discorrer do item 3.6 desta monografia.

c) infração penal com pena mínima cominada inferior a 4 anos:

O presente instituto despenalizador, tem aplicação prática aos delitos de médio potencial ofensivo, onde a pena mínima em abstrato do delito ora imputado, seja inferior a 4 anos. Leciona Leonardo Schmitt De Bem, acerca do limite do quantum legal:

Aparentemente, a interpretação do requisito parece simples, afinal, apenas as infrações com previsão de pena mínima inferior a quatro anos estariam contemplados. Essa suposta obviedade deve ser recebida com cautela pois a depender da existência das causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto, é possível que o investigado pela prática de infração com pena mínima abaixo do limite legal não seja favorecido, e outros seja contemplado em fração com pena mínima acima do termo. Os contextos oscilarão conforme a espécie da circunstância, ou seja, em quantidades fixas ou variáveis.70

O artigo 28-A, §1º CPP, enuncia, que para a aferição da quantidade da pena mínima cominada, devem ser consideradas as causas de aumento (majorantes), e diminuição (minorantes) incidentes no caso concreto circunstâncias que alteram os limites legais da pena.

Neste sentido, optou o legislador por fixar limite de aplicação deste instituto aos crimes onde a pena mínima seja inferior a quatro anos.

Quando a norma penal prevê a incidência de causa majorante da infração fixa, o cálculo é muito simples, veja-se pelos seguintes exemplos:

69 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime Comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva

Educação, 2020. p. 153.

70 DE BEM, Leonardo Schmitt et al. Acordo de não Persecução Penal. Belo Horizonte/São Paulo:

No delito de colaboração em suicídio, quando este se consuma, tem pena mínima de dois anos, todavia esta pena é duplicada (logo, alcançaria o quantum igual a quatro anos), se o crime for praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil (art. 122, § 3º, I CP), ou se a vítima menor de idade ou tem diminuído é por qualquer causa, a capacidade de resistência(art. 122, § 3º, II CP).71

O mesmo cálculo ocorre com relação as causas de diminuição aplicáveis ao caso, vejamos novamente.

No caso do delito de tráfico de drogas, ocorrer em sua forma privilegiada (art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006) a pena mínima cominada para o delito (5 anos), com diminuição de 2/3, alcança o patamar de um ano e oito meses, possibilitando assim a aplicação do acordo de não percepção penal, em benefício do acusado.72

Além disto, ainda dispondo sobre as causas de aumento ou diminuição de pena com frações variáveis, e considerando que o requisito legal determina a verificação da quantidade de pena mínima em abstrato, devem ser observadas:

- para causas de aumento, aplica-se a menor fração - para causas de diminuição, aplica-se a maior fração.

- para casos de concurso de infrações penais, deve ser apurada a pena mínima cominada para o todo (e não isoladamente), por meio da consideração global das infrações penais: para tanto devem ser somadas (concurso material), ou

majoradas em 1/6 (concurso formal e crime continuado) as penas mínimas

combinadas para as infrações penais componentes do concurso.73

d) não seja crime praticado com violência ou grave ameaça contra pessoa:

Da redação do artigo 28-A do CPP, destaca-se que não se vedou a possibilidade de proposição de ANPP para crimes hediondos e equiparados a hediondos, divergindo-se do antigo entendimento do Conselho Nacional do Ministério Público. No entanto, muitos tipos penais assim classificados não comportam acordo diante da conduta violenta ou executada mediante grave ameaça, por tais meios impedirem/reduzirem a capacidade de resistência da vítima agir conforme a sua vontade.

71 Ibidem. 176.

72 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime Comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva

Educação, 2020. p. 156.

73 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime Comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva

Os casos que escapam desses contextos acima mencionados, a negativa de oferta do ANPP, não pode ser justificada apenas pela gravidade em abstrato do delito, muito pelo contrário, exige-se motivação idônea do MP, por analogia a Súmula 919 do STF: "A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea."74

Portanto, a violência impeditiva do ANPP deve ser aquela integrante de tipos penais dolosos, ou preterdolosos, não alcançando a violência culposa, como presente no crime de homicídio culposo, (artigo 121, § 3ºdo Código Penal: detenção de 1a 3 anos).

Todavia, não ocorrendo obrigatoriamente o MP deverá denunciar o agente, pois, nem é preciso ter ocorrido uma lesão para impedir o acordo, visto que as vias de fato (delito de menor potencial ofensivo) são suficientes para configurar de violência. Em regra, considerava-se a violência perpetrada por meio de condutas comissivas ainda que o agente não se utilize de sua própria energia corporal, mas faça uso de outros meios como emprego de fogo, corrente elétrica ou um animal. No entanto poderá decorrer de conduta omissiva, quando a gente abandona a vítima, submetendo a fome ou sede por exemplo.75

No mesmo sentido, converge o entendimento doutrinário acerca da hipótese de cabimento de ANPP, nos casos de delitos de menor potencial ofensivo, que constituem a violência ou a grave ameaça, como elementares constitutivas do fato antijurídico.

Entendemos que a violência ou a grave ameaça que integra infração penal de menor potencial ofensivo não impede o acordo de não persecução penal: se a conduta possibilita a substituição (exclusão) do processo por meio da transação (instituto restrito aos casos de menor potencial ofensivo), deve então possibilitar a mesma substituição do processo, em acordo de não persecução penal instituto mais amplo, que alcança os casos de médio potencial ofensivo, ainda que praticada com violência ou grave ameaça.76

Em síntese, a violência ou a grave ameaça impedem a propositura de ANPP, salvo quando integrar uma infração de menor potencial ofensivo de competência dos juizado especiais criminais nos termos da Lei 9099/1995.

74 STF. Súmula 719. Diário de Justiça de 13 de out de 2003. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2556#:~:text=S%C3%B Amula%20719%20do%20STF%20(%22A,permitir%20exige%20motiva%C3%A7%C3%A3o%20id%C 3%B4nea%22) . Acesso em 11 nov. 2020.

75 DE BEM, Leonardo Schmitt et al. Acordo de não Persecução Penal. Belo Horizonte/São Paulo:

Editora D´Plácido, 2020. p. 180-181.

76 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime Comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva

e) não seja crime de violência doméstica ou familiar, ou crime de gênero

menosprezo ou discriminação à condição de mulher:

O legislador optou por impedir a propositura de ANPP nos crimes praticados no âmbito da violência doméstica ou familiar, ou praticados contra mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. Trata-se, assim, de outras formas de violência de gênero, como a moral ou a psicológica, que se produzem momento da unidade doméstica ou do âmbito familiar.77

Portanto, percebe-se uma restrição ao investigado masculino seguindo-se, mais uma vez o sentido proposto pela Lei Maria da Penha. Neste viés, o legislador infraconstitucional optou por seguir o entendimento já sumulado (Súmula 536 STJ) pelo Superior Tribunal de Justiça no contexto da Lei 11.340/2006: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delito sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.”78

f) não seja o agente reincidente, criminoso habitual ou profissional:

A reincidência do acusado/investigado obsta a proposta de ANPP, assim como a presença de elementos informativos que identifiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes para delitos pretéritos, nos termos do art. 28-A CPP, § 2º, II, CPP.

Para Leandro Schimdt De Bem, a circunstância da reincidência pode potencializar os danos do investigado em dois condições, pois, primeiro sua consideração afastou a aplicação do ANPP, e, segundo ofertando-se denúncia pelo MP, em caso de condenação será considerado agravante do crime imputado. Seja como obstáculo ao acordo, seja como incremento de pena, a reincidência opera a partir de condenação passada.79

A segunda restrição contida no art. 28-A, §2º, II do Código de Processo Penal, não repousa dúvidas quanto sua manifesta inconstitucionalidade, primeiramente, violando o princípio da legalidade, isto porque, a o próprio texto legal não define o que se entende por “conduta habitual”, “reiteração” ou “profissionalizada.”

77 DE BEM, Leonardo Schmitt et al. Acordo de não Persecução Penal. Belo Horizonte/São Paulo:

Editora D´Plácido, 2020. p. 187-188.

78 STJ. Súmula 536. Diário de Justiça de 15 de jun de 2015. Disponível em: <

https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27536%27).sub.> Acesso em 12 nov. 2020.

79 DE BEM, Leonardo Schmitt et al. Acordo de não Persecução Penal. Belo Horizonte/São Paulo:

Segundo, porque afronta o princípio da presunção de inocência, sendo vedada a possibilidade de ANPP para o investigado não reincidente. Para tanto, o investigado/acusado não reincidente também poderá ter recusada em seu benefício a oferta do acordo, porque os atos de investigação preliminar indicam que se trata de criminoso habitual o profissional.80

Neste sentido, aplicável o entendimento da Súmula 444 do STJ, ao mencionar que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.81 Portanto, passível de extensão analógica em favor do

investigado/acusado, para fins ANPP.

Vez que, diante da impropriedade terminológica empregada pelo legislador, na ressalva das infrações penais anteriores insignificantes, como se observa da própria redação do § 2º do artigo 28-A, CPP, por isso, entende-se que, “a ressalva legal deve ser aplicada para as infrações penais considerados de menor potencial ofensivo, contravenções penais e crimes com pena máxima cominada igual o inferior a dois anos (art. 61 da Lei 9099/1995).82

g) não seja cabível a transação penal;

Em caso de cometimento de infrações penais de menor potencial ofensivo, onde há a competência para julgamento dos Juizado Especiais Criminais, o art. 28-A, I, CPP, menciona a preferência acerca aplicação do instituto da transação penal, pois, se trata de mecanismo de negociação penal mais adequado aos procedimentos do JECrim, que possibilita a substituição/exclusão do processo. Comparando-se sumariamente os dois institutos despenalizadores, o ANPP requer prévia confissão do investigado/acusado, mas esse requisito não é exigível para a celebração da transação penal.83

É dever advertir que é transação penal não é pena, pois esta depende de processe decisão condenatória. Na verdade, o regular a transação, quando ela ir se refere a "aplica-se imediata de pena restritiva de direitos", o que se pretende indicar

80 Ibidem. p. 196.

81 STJ. Súmula 444. Diário de Justiça de 13 maio 2010. Disponível em: <

https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27444%27).sub>. Acesso em 12 nov. 2020.

82 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime Comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva

Educação, 2020. p. 164.

83 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime Comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva

que é a proposta de transação deve centrar-se as opções previstas entre as sanções alternativas (art. 43 Código Penal).84

Pois, a transação penal não importará em reincidência, tampouco considerando da folha de antecedentes ou gerar responsabilidade civil do investigado/acusado.

h) não ter sido o acusado beneficiado nos últimos 5 anos com ANPP,

transação ou sursis processual.

Novamente Junqueira et at, lecionam:

Os acordos de não persecução penal, de transação penal ou suspensão condicional do processo, depois de celebrados e homologados por decisão judicial, geram impedimento legal para a proposta de posterior acordo de não persecução penal, durante o lapso de cinco anos, compreendido entre a data do cumprimento (extinção) das condições estabelecidas na negociação penal e o cometimento da infração superveniente de acordo com o disposto no art. 64, I, do Código Penal, aplicado por analogia (art. 3º do CPP).85

Caso o investigado/acusado tenha sido beneficiado em ANPP, suspensão condicional do processo ou transação penal, nos cinco anos anteriores ao cometimento da nova infração penal, determina-se a exclusão do ANPP, nos moldes do art. 28-A, parágrafo 2º, III, CPP, restando legalmente impedido de celebrar novo acordo.

3.4 Confissão formal e circunstanciada, seus limites para fins de denúncia

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