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Acordo de não persecução penal: a aplicabilidade da justiça criminal negocial perante o ordenamento jurídico brasileiro.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA WILLIAM HENRIQUE WILLMS

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL:

A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA CRIMINAL NEGOCIAL PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Florianópolis 2020

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WILLIAM HENRIQUE WILLMS

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL:

A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA CRIMINAL NEGOCIAL PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Projeto de pesquisa apresentado ao curso de graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para aprovação na disciplina Projeto de Pesquisa em Direito.

Professora da Disciplina: Prof. Danielle Maria Espezim dos Santos, Dra. Orientador (a): Prof. Janaina Carvalho de Souza, Esp.

Florianópolis 2020

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL:

A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA CRIMINAL NEGOCIAL PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito e a professora da disciplina de todo e qualquer reflexo acerca deste Projeto de Pesquisa. Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do Projeto de Pesquisa.

Florianópolis, 20 de novembro de 2020.

____________________________________

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Dedico este minucioso trabalho especialmente à minha amada mãe Cristiane, por toda sua generosidade comigo nesta vida, assim como dedico a toda minha família, e aos amigos do coração que sempre apoiaram meus estudos. Gratidão meu Deus!

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“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

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RESUMO

O presente trabalho de monografia versa acerca dos principais aspectos do acordo de não persecução penal inserido no Código de Processo Penal, pelo famigerado Pacote Anticrime, através da promulgação da Lei n. 13.964/2019. Tem-se por objetivo uma análise detalhada com relação aos requisitos e condições para sua aplicação, seu procedimento legal a ser respeitado, tendo em vista a necessidade de observância ao vigente sistema processual acusatório (art. 3º-A do CPP), da necessidade de se resguardar a imparcialidade do juiz das garantias, possibilidade da proposição do ANPP aos processos em curso, tal como evitar a ilegal coação sobre a vontade dos investigados. Em síntese, são analisados todos os detalhes acerca desse instituto negocial.

Palavras-chave: Justiça criminal negocial, Acordo de não persecução penal (ANPP), Imparcialidade judicial.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 1

2 PODER PUNITIVO ESTATAL (JUS PUNIENDI) ... 3

2.1 Sistema de justiça criminal brasileiro adotado pela CF/1988... 4

2.2 Ação penal ... 5

2.3 Ministério Público ... 7

2.4 Dos princípios fundamentais e a negociação da sentença ... 8

2.5 Justiça criminal negocial no brasil ... 11

2.6 Transação penal e a suspensão condicional do processo ... 12

2.7 Acordo de colaboração premiada ... 18

3 ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP) ... 20

3.1 Retroatividade da norma despenalizadora de natureza híbrida - para atingimento dos processos em curso... 21

3.2 Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ... 24

3.3 Requisitos e restrições legais à celebração do ANPP ... 25

3.4 Confissão formal e circunstanciada - seus limites para fins de denúncia em caso de descumprimento do ANPP celebrado... 32

3.5 Condições de cumprimento fixáveis do ANPP... 34

4 ASPECTOS PROCEDIMENTAIS DO ANPP ... 36

4.1 Controle judicial do acordo celebrado ... 38

4.2 Consequência jurídica do descumprimento do ANPP pelo investigado ... 40

4.3 Efeitos penais para fins de cumprimento do ANPP ... 41

5 CONCLUSÃO ... 42

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1 INTRODUÇÃO

A perceptível ineficiência do sistema penal brasileiro é acarretada por um processo penal excessivamente burocratizado e dotado de uma infinidade de recursos, de modo a dificultar a imposição de uma pena a quem deva verdadeiramente ser punido pela prática de delitos mais graves que impressionam aos olhos da sociedade.

Ao passo que, todos os atores jurídicos que atuam no campo do direito penal, possuem consciência de que o atual sistema processual, não supre as demandas de denúncias criminais, pois há o crescimento exponencial de organizações criminosas.

Desse modo, foi necessário buscar um outro parâmetro para idealizar o direito penal e o processo penal que conseguisse dar maior liberdade aos órgãos de persecução, oportunizando uma condição de filtragem criminal efetiva, para que apenas ocupassem os tribunais os crimes que realmente precisariam de uma ampla instrução processual e uma maior e mais dura resposta Estatal.

Diante deste cenário, o legislador ordinário optou por apostar em uma política com base na expansão da justiça criminal negocial, trazendo o instituto do acordo de não persecução penal, como uma possível saída para a superlotação das varas criminais e tribunais pátrio, com a possibilidade de acordo entre o Ministério Público e a defesa do acusado de praticar crime de médio potencial ofensivo (cuja pena mínima do delito em concreto, seja inferior a 4 anos – entre outros requisitos que a lei exige, e que serão abordados no decorrer da presente monografia).

Após a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, como consequência o acordo de não persecução penal (ANPP), passou a ser regulamentado pelo Código de Processo Penal brasileiro, em seu art. 28-A, ponto um ponto final a diversas críticas que este instituto recebia anteriormente, acerca da sua (in)constitucionalidade.

Oportuno ressaltar que a análise do tema em questão, revela-se de grande relevância, visto que o acordo de não persecução penal é proposto como instrumento negocial apto a aprimorar o sistema de justiça criminal brasileiro, reduzindo o desperdício de recursos humanos e financeiros durante o curso da persecução penal de crimes de média repreensão social, diante da morosidade do trâmite processual, tendo em vista que o cumprimento integral do acordo tem como efeito prático a

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extinção da punibilidade, consequentemente resultando no arquivamento do inquérito policial e a não promoção da ação penal.

Ademais, o ANPP é mais uma dentre as possibilidades de acordo a serem propostas pelo Ministério Público, cuja aplicação deverá observar diversos requisitos legais. Contextualizada a conjuntura desta monografia, faz-se necessário traçar a estrutura de desenvolvimento do trabalho em questão, que se apresenta em três capítulos.

O inicialmente adentra-se no campo de estudo do sistema de justiça criminal brasileiro, abordando-se o modelo de processo penal adotado pela Constituição Federal de 1988, assim como os limites legais traçados pelo legislador constituinte originário ao Ministério Público, para o devido exercício do poder punitivo estatal, passando pela flexibilização de alguns princípios fundamentais, como o da obrigatoriedade da ação penal, diante da promulgação do instituto do ANPP.

Após discorrer acerca da inauguração da justiça criminal negocial no ordenamento jurídico nacional, com o advento da Lei n. 9099/1995, trazendo a novidade jurídica dos institutos da suspensão condicional do processo e da transação penal (mecanismos de consenso mais simulares ao ANPP), para os crimes de menor potencial ofensivo, passa-se a uma sucinta análise do o acordo de colaboração premiada, para efetivamente adentrar no terceiro capítulo desta monografia ao desenvolver o acordo de não persecução penal.

Feito este apanhado introdutório, parte-se para a apresentação dos conceitos básicos do instituto do ANPP, sua natureza jurídica, assim como os requisitos e restrições exigidos pela lei, os aspectos formais e meramente procedimentais, bem como sua aplicabilidade resultante dos efeitos práticos no processo penal.

Por fim, no derradeiro capítulo será abordado uma análise do controle jurisdicional exercido pelo poder judiciário na figura do juiz das garantias, a fim de salvaguardar os direitos e garantias fundamentais do investigado que firmar acordo de não persecução penal com o órgão ministerial.

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2 PODER PUNITIVO ESTATAL (JUS PUNIENDI)

O direito penal é a esfera dentro do direito que tipifica as condutas que alcancem de forma mais grave os bens jurídicos de maior valia para os cidadãos, com a finalidade de zelar ao interesse público e preservar a paz social.

No momento da consumação de um determinado crime, exsurge o poder-dever punitivo (Jus Puniendi) para o Estado, que é o incumbido pela restauração da ordem jurídica violada pela conduta criminosa, para tanto, da aplicação de sanções de natureza penal.

Importante salutar que o direito penal é norteado pelo princípio da intervenção mínima, assim sendo o Estado somente poderá usurpar de seu poder punitivo, quando as demais áreas do direito não tenham êxito efetivo na proteção dos bens jurídicos relevantes à manutenção pacífica da sociedade.

Sob este prisma, Frederico Marques afirma que poder punitivo não se trata de direito estatal autoexecutável:

Nos Estados submetidos à lei e ao direito, a pena só se aplica “processualmente”. A atividade punitiva dos órgãos estatais encarregados de restaurar a ordem jurídica violada pelo crime submete-se a um controle jurisdicional a priori, em que o Poder Judiciário aplica a norma penal objetiva mediante a resolução de uma lide consubstanciada no conflito entre o direito de punir e o direito de liberdade.1

Portanto, havendo notícia de infração penal, não pode o Estado exercer diretamente seu poder punitivo, vez que existente no ordenamento jurídico a garantia fundamental da presunção de inocência acusado. O Estado fica, na verdade, autorizado a efetivar a persecução penal, que compreende dois momentos distintos:

a) o da investigação preliminar (inquérito policial): em que serão colhidos os elementos probatórios mínimos de materialidade e autoria delitiva e;

b) o da ação penal (fase processual): no bojo da qual será julgada a pretensão punitiva estatal.

A fim de melhor compreensão do modelo de processo penal adotado pela Constituição Federal de 1988, é importante o estudo da evolução dos sistemas processuais penais.

1 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Volume I. Campinas:

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2.1 Sistema de justiça criminal brasileiro adotado pela CF/1988

Não se pretende ignorar a existência de uma realidade inquisitorial no processo penal, tanto do ponto de vista prático quanto da legislação infraconstitucional. Menciona-se reconhecer, porém, que há um abismo entre a teoria e prática. Negar o evidente, é promover uma visão puramente ingênua, não compatível com a vida fora dos manuais de prática forense.

Apesar da existência de divergência doutrinária a respeito do sistema adotado no Brasil, prevalece na doutrina e jurisprudência o entendimento de que a Constituição Federal de 1988 consagrou o modelo acusatório. Nesse sentido, Antônio Alberto Machado sustenta que:

A partir do momento em que a Constituição Federal entregou as funções de investigar à polícia judiciária (art. 144); encarregou o Ministério Público (art. 129, I) ou o particular (art. 5º, LIX) das funções de acusar; atribuiu ao Poder Judiciário a competência para o julgamento das causas criminais (arts. 92 a 126); assegurou a imparcialidade dos juízes (art. 95, parágrafo único); garantiu o direito de defesa e o contraditório (art. 5º, LV); e decretou a publicidade dos atos judiciais como regra (art. 5º, LX), não há dúvida de que consagrou o princípio do processo acusatório, enquanto processo de partes, com a rigorosa separação entre as funções de investigar, acusar, defender e julgar.2

Neste sentido, vem a modificação da redação do Art. 3-A do CPP, trazida pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), pois trouxe pela primeira vez o termo acusatório, como classificação do sistema de persecução penal brasileiro, vejamos: “Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.”3

De fato, colocar o juiz em uma postura eminentemente passiva probatória durante a instrução criminal seria incompatível com nossa realidade atual e a essência do processo penal, já que conviveríamos com a possibilidade de condenação ou absolvição de alguém pela insuficiência defensiva ou acusatória.4

Arremata, ainda, o jurista Luís Greco, quando menciona que “o juiz,[...] como os jurados, vivencia a colheita de provas como ouvinte espectador mudo,

2 MACHADO, Antônio Alberto. Teoria Geral do Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2009. p. 11.

3 BRASIL. Decreto n. 3.689 de 3 de outubro de 1.941. Código de Processo Penal. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm . Acesso em 06 de novembro de 2020.

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permanece fora desse círculo de comunicação (entre partes, esclarece-se), de modo que sua compreensão passa a ser, cada vez mais, um incalculável fator do acaso”.5

É claro que, conforme já ressaltado, essa postura probatória na fase processual deve ser complementar e suplementar à atividade das partes, visando não violar a imparcialidade e não permitir mais que o juiz atue como substituto da função ministerial ou defensiva. Como bem afirma Eugênio Pacelli “não se quer nenhum juiz inerte, mas apenas o fim do juiz investigador e acusador, de tempos, aliás, já superados.”6

O poder instrutório do juiz na fase judicial representa um instrumento valioso para se buscar a atingir a igualdade real das partes, bastando ao magistrado estimular o contraditório e ampla defesa na prova de ofício por ele requerida.7

O caráter ativo do estado democrático brasileiro, ao querer buscar uma sociedade justa, livre e solidária não permite que o processo penal publicista seja visto apenas como um jogo em que o mais poderoso vence.

2.2 Ação penal

No ordenamento pátrio, a ação penal é tratada no Código Penal (arts. 100 a 106) e no Código de Processo Penal (arts. 24 a 62). A ação penal, ainda, tem seu fundamento extraído do texto constitucional (art. 129, I, da CF/88), que imprime ao Ministério Público a titularidade privativa (legitimidade ativa) de promover a ação penal nos crimes processados mediante ação penal pública.

Todavia, para exercício de seu direito potestativo de promover a ação, o Ministério Público está vinculado a algumas regras/princípios que norteiam a ação penal pública, dentre eles o da obrigatoriedade e da indisponibilidade.8

Nas palavras de Renato Brasileiro Lima:

De acordo com a doutrina majoritária, direito de ação penal é o direito público subjetivo de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. Funciona, portanto, como o direito que parte acusadora – o Ministério Público ou o ofendido (querelante) – tem de, mediante o devido

5 GRECO, Luís. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. São Paulo:

Marcial Pons do Brasil, 2013.p.229.

6 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 24ª Ed. - São Paulo, Editora Atlas, 2020. p. 21.

7 CÂMARA, Alexandre Freitas. Poderes instrutórios do juiz e processo civil democrático. Rio de Janeiro.

Revista OAB/RJ. 2008. p. 31.

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processo legal, provocar o Estado a dizer o direito objetivo no caso concreto. Há doutrina (minoritária) sustentando que a ação penal não seria um direito, mas sim um poder, porque a contrapartida seria uma sujeição do Estado-Juiz, que está obrigado a se manifestar.9

Além disso, existem princípios que vinculam a atuação o MP ao direito de exercício da ação penal, como o princípio da obrigatoriedade, que apesar de não estar expressamente previsto em nosso ordenamento jurídico, vez que sua aplicabilidade é extraída da leitura do artigo 24 do CPP. Jacinto Coutinho, ao mencionar aludido princípio, afirma que ele “é uma criação doutrinária e jurisprudencial, com a finalidade de proteger a autonomia do Ministério Público, precipuamente, em combate a interferências externas, como de natureza política.”10

Por outro lado, menciona-se o princípio da indisponibilidade que atua como um desdobramento do princípio da obrigatoriedade, afinal, seria irracional obrigar que o MP iniciasse o processo e sem justificativa o abandonasse. Portanto, além da acusação ser obrigada a oferecer a denúncia (caso presentes as condições da ação) é obrigado, também, a continuar atuando no processo.

Observa-se a incidência do princípio da obrigatoriedade na fase pré-processual, antes de iniciada a ação em si, por outro lado, o princípio da indisponibilidade é vislumbrado na fase processual, uma vez que, após iniciada a ação o Ministério Público, não poderá dispor ou desistir do processo.11

Assim sustenta Afrânio Silva Jardim que ratifica ausência de qualquer discricionariedade na atuação do Ministério Público que deve agir com absoluta impessoalidade.

[...] não é nada de liberal na autorização ao membro do Ministério Público para decidir, no caso concreto, se invoca ou não aplicação do direito penal. Não faz sentido, em uma sociedade democrática, outorgar tal poder a um órgão público. Aplicação inarredável da norma penal cogente, realizado o seu suporte fático não pode ser afastada pelo agente público à luz de critérios pessoais ou políticos.12

9 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6 ed. rev. ampl. e atual.

Salvador: Ed. Juspodivm, 2018. p. 246.

10 COUTINHO, Jacinto. A natureza cautelar da decisão de arquivamento do inquérito policial. São

Paulo: Revista de Processo. 1993. p. 51.

11 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6 ed. rev. ampl. e atual.

Salvador: Ed. Juspodivm, 2018. p. 249-250.

12 JARDIM, Afrânio Silva. Ação Penal Pública – Princípio da obrigatoriedade. Rio de Janeiro: Forense,

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Portanto, fica o membro do órgão acusatório adstrito aos princípios que vinculam sua atuação sob pela de quebra de tratamento isonômico entre os juriscionados.

2.3 Ministério público

A instituição democrática do Ministério Público, possui previsão constitucional (artigo 129, inciso I, da CF/1988), sendo fundamental e indispensável para fins de funcionando do Estado de Direito brasileiro. Desenvolve papel imprescindível no modelo processual acusatório brasileiro, vez que é o órgão Estatal que detém legitimidade para acusação nas ações penais públicas.

O Ministério Público passou a constar na Seção I, do Capítulo IV “Das Funções Essenciais à Justiça”, da CF/1988, juntamente com a Defensoria Pública, a Advocacia pública e a Advocacia privada, deixando clara a independência do MP em relação aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, por sua autonomia e independência funcional.

Desta forma, diante da nova roupagem institucional trazida pela CF/1988, o Ministério Público, obteve a qualidade de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, sendo de sua competência, nos termos do artigo 127 da CRFB/1988, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.13 Pois guarda o dever de fiscalizar a execução da

lei (artigo 257 do CPP), assim como a faculdade de requerer a absolvição do acusado, quando não esteja convicto de sua culpabilidade criminal (artigo. 385 do CPP).

Novamente nas palavras de Renato Brasileiro Lima:

[...] se trata o Ministério Público, de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis, é evidente que ao Parquet não interessa a condenação de um inocente, daí porque não só pode, como deve pleitear sua absolvição se, ao cabo da instrução probatória, a tese da acusação não estiver provada além de qualquer dúvida razoável.14

13 CRFB/1988. Art. 127, caput. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis

14 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6 ed. Salvador: Ed. Juspodivm,

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Neste sentido, Paulo Rangel destaca a importância acerca da implementação de um sistema definitivamente acusatório, ao classificar o MP como instituição titular privativa da ação penal.

O Brasil, sendo uma República Federativa constituída em um Estado Democrático de Direito (cf. art. 1º da CFRB), não poderia adotar sistema diferente do acusatório quando alçou o Ministério Público ao patamar de titular privativo da ação penal pública, afastando, de vez, o juiz da persecução penal e garantindo a todo e qualquer indivíduo somente ser processado pelo membro do Ministério Público (...).15

Assim sendo, o membro o órgão acusatório (MP), se apresenta como agente político, responsável pela política criminal repressiva do Estado brasileiro, sendo de sua competência, diante da carência de recursos e excesso do sistema criminal nacional, o exercício da titularidade da ação penal pública.

2.4 Dos princípios fundamentais e a negociação da sentença

Devida a limiar histórica das garantias fundamentais no Brasil, após o fim da Ditatura Militar no país, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 esta preocupou-se em conceder direitos e garantias fundamentais aquele sujeito que viesse a ser processo dentro de um processo criminal, como forma de proteção contra o abuso do poder-dever punitivo Estatal.

O princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/1988), consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia do processo legal examinado na forma que estabelece a lei.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;16

Este princípio fundamental, assegura ao denunciado a plenitude de sua defesa, estando inerentemente vinculado aos demais princípios constitucionais, tratados pelo legislador constituinte. Neste sentido, de sustentação do princípio do

15 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 20ª ed.. São Paulo: Atlas, 2012, p. 102.

16 Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:

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devido processo legal, argumentava Cesare Beccaria, muito antes da CF/1988, quando menciona que “um homem não pode ser chamado de réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada.”17

Com o advento da CF/1988, em seu Art. 5º, inciso LVII, trouxe expressamente o princípio da presunção de inocência (presunção de não culpabilidade

):

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”18 O fundamento constitucional de não poder

declarar o cidadão culpado enquanto ainda há dúvida, era tratada de forma implícita até a promulgação da Constituição Federal de 1988.

O princípio da presunção de inocência estabelece um dever de tratamento ao cidadão que está sendo acusado, sendo esse dever considerado na dimensão total do processo, neste norte leciona Aury Lopes Jr.

Na dimensão interna, é um dever de tratamento imposto- inicialmente - ao juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois, se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição (in dubio pro reo); ainda na dimensão interna, implica severas restrições ao (ab)uso das prisões cautelares (como prender alguém que não foi definitivamente condenado?). Enfim, na dimensão interna, a presunção de inocência impõe regras de julgamento para o juiz. Externamente ao processo, a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção de inocência (e as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiros limites democrático à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência.19

Consequente do princípio da presunção de inocência, a regra do in dubio pro reo, que fixa que “a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não esse de provar sua inocência.”20

Ainda, Gustavo Henrique Badaró declara que essa regra probatória consiste numa exigência para imposição da sentença condenatória, que só poderá ser proferida após dirimida qualquer dúvida razoável.21

17 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução: Lucia Guidicini. São Paulo:

Martins Fontes, 1997, p. 69.

18 Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:

Centro Gráfico, 1988.

19LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 98. 20 BADARÓ, Gustavo Henrique, Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2003, p. 285.

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Portanto, o magistrado ao examinar o acervo probatório presente no processo criminal, deverá estar convicto da comprovação de autoria e materialidade do crime (fumus comissi delicti), de modo a afastar a presunção de inocência do acusado, “impõe uma regra para o juiz, proibindo-o de condenar alguém cuja culpabilidade não tenha sido completamente comprovada.”22

Cumpre salientar, ainda, os princípios do contraditório e ampla defesa, previstos no Artigo 5º, inciso LV, da CF/88:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”23

Ainda a respeito ao direito à ampla defesa, a legislação infraconstitucional estabelece que não possuindo o acusado condições financeiras/econômicas de contratar a advogado de defesa, ou se abstenha de nomear defensor por qualquer razão, caberá ao magistrado nomear um defensor público ou advogado dativo, para atuar seu favor durante o curso do processo criminal, sendo que seguimento do processo sem exercício de defesa técnica constitui nulidade absoluta, nos termos do art. 564, III, c, do Código de Processo Penal, então vejamos:

Art. 564 - A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: [...]

III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: [...]

c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos;24

Neste diapasão, traz-se a redação da súmula nº 708 do STF, a qual menciona que “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro.”25

Portanto, a respeito do entendimento probatório, no campo do processo penal, somente poderá ser utilizada para fazer menção aos elementos de convicção produzidos, geralmente, no transcorrer do processo, logo, necessária a participação

22 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020 p. 357. 23 Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:

Centro Gráfico, 1988.

24 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União,. Rio

de Janeiro, 31 dez. 1940

25 Supremo Tribunal Federal. Súmula 702 Diário de Justiça de 13 de out de 2003. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2639. Acesso em: 16 nov 2020.

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dialética da acusação e da defesa. Essa estrutura dialética configura importante mecanismo para a busca da verdade.26

Neste ponto, segue a linha de raciocínio de Renato Brasileiro de Lima, e destaca-se a função do inquérito policial, por seu caráter “meramente informativo”27,

por se tratar de procedimento administrativo, caracterizado pela ausência de garantias processuais, logo, se faz imperioso o exercício do direito a ampla de defesa durante toda a fase judicial, afim de salvaguardar os direitos do acusado.

Vez que o inquérito policial (IP) constitui um instrumento de natureza administrativa, presidido por autoridade policial, objetivado pela obtenção de fontes de prova e coleta de elementos informativos de eventual infração penal, para viabilizar a propositura da ação penal, por parte do MP. Portanto, inexistente nessa fase administrativa a estrutura dialética que se encontra no processo (acusação e defesa), logo, não se aplicam os princípios do contraditório e ampla defesa, a esta fase pré-processual da persecução penal brasileira.28

2.5 Justiça criminal negocial no brasil

Ampliou-se ao longo dos últimos anos o dito espaço de consenso, dentro da política de resolução de conflitos penais no Brasil, possibilitando a instituição de uma legítima justiça criminal negocial no ordenamento jurídico pátrio, visto as inovações legislativas trazidas pela Lei n. 13.964/2019.

Neste norte, leciona Diogo Abineder Ferreira Nolasco Pereira quando afirma que “verifica-se haver uma afeição à realização de tratamentos de auto composição no seio dos processos judiciais, seja pela conciliação ou mediação o mesmo pela indução que o Poder Judiciário deve intervir na resolução extra judicial, consolidando-a.”29

Essa tendência a ampliação do espaço de consenso no tocante a prestação jurisdicional Estatal, revela-se atual.

Há uma insistência na afirmação de que o processo penal é deveras formalizado, burocrático, com um procedimento de recursos infindáveis e que

26 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6 ed. rev. ampl. e atual.

Salvador: Ed. Juspodivm, 2018. p. 53

27 Ibidem. p. 55.

28 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6 ed. rev. ampl. e atual.

Salvador: Ed. Juspodivm, 2018. p. 107-108.

29 PEREIRA, Diogo Abineder Ferreira Nolasco. Justiça Penal Negociada: Uma análise do princípio da

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acaba imperando a impressão de impunidade sobre a resposta punitiva do Estado. Isso tudo é verdade. Não há como negar. Entretanto buscam-se justificativas para a efetividade da lei penal sem antes verificar que dos 30 (trinta) anos da Constituição, pouco se efetivou dos direitos e garantias fundamentais.30

Não obstante, muito é verdadeira a afirmativa do autor, pois o processo penal brasileiro atualmente é reconhecido em meio a sociedade, como instrumento punitivo burocrático e infindável, devido a demora do trâmite processual, superlotando as varas criminais dos mais diversos cantos do país.

Na atualidade, porém em consonância com a tendência que tem se apresentado em diversos países que influenciam nosso ordenamento jurídico [...] o Brasil passou a adotar alternativas ao princípio da obrigatoriedade, de forma alcançar sua resolução antes mesmo da propositura da ação penal ou, uma vez proposta de obter sua suspensão e seu encerramento antecipado.31

Além do mais, o modelo de negociação de sentenças criminais pode ser encontrado em outros países além dos Estados Unidos da América, país conhecido pelo sistema adversarial do Plea Bargain.32 Como exemplo o modelo de negociação alemão (Absprachen) e o italiano (Patteggiamento).

Neste prisma, o Brasil aderiu aos caminhos do consenso, rompendo com a estrutura tradicional punitiva. Primeiramente com a justiça penal negociada instaurada com a Lei n° 9.099/1995, que de fato inovou nos quesitos celeridade e eficiência. Todavia, o grande diferencial está no instituto do acordo de colaboração premiada, previsto na Lei n° 12.850/2013.

2.6 Transação penal e a suspensão condicional do processo

Já se afirmou que o Pattegiamento italiano é filho do Plea Bargaining. Consequentemente, a transação criminal brasileira é filha do Pattegiamento italiano, neta do Plea Bargaining.33

30 Ibidem. p. 44.

31 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2012. p. 207.

32DE CASTRO, Ana Lara Camargo. Plea Bargain: Resolução penal pactuada nos Estados Unidos. Belo

Horizonte/São Paulo: Editora D´Plácido, 2019. p. 25: “O sistema adversarial é pilar do Direito penal

norte-americano . Derivado dos textos da 5ª e 6ª Emendas da Carta de Direitos incorporada aos Estados pela 14ª Emenda. É da essência do Direito estadunidense esse sistema de solução de disputas por meio de confronto de pontos de vista conflitantes sobre fatos e direito perante árbitros em neutros e passivos”.

33 GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, Oportunidade e Consenso no Processo Penal: Na

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O instituto da transação penal está previsto na Lei n° 9.099/1995 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que trouxe como novidade a simplificação do procedimento criminal em relação aos crimes de menor potencial ofensivo, prevendo medidas despenalizadoras, com a aplicação antecipada de uma pena restritiva de direito.

Inicialmente, cumpre-se conceituar o termo “crimes de menor potencial ofensivo”, como descrito pelo Artigo 61 da legislação em comento, portanto, consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.34

Logo a transação penal limita-se aos casos de competência dos Juizados Especiais Criminais, a suspensão condicional do processo aplica-se a todos os crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano. “A extensão da transação penal dependerá, em muito, do mapa mental dos jogadores/julgadores, até porque há tendência ao forçamento dos benefícios para se evitar instruções.”35

Pois, “consiste na oferta de pena antecipada (multa ou restritiva de direitos, com ou sem reparação do dano), negociada no campo da barganha, com homologação judicial.”36

Nas palavras de Rodrigo Brandalise.

A transação tem lugar antes do oferecimento da acusação, mas ainda se está diante da hipótese de obrigatoriedade. [...] isso porque, cumpridos os requisitos objetivos quanto à pena abstratamente prevista, somente não será admitida a proposta de transação penal se o autor do fato já tiver sido condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; se o autor do fato foi beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa em transação penal anterior; e se os antecedentes, a conduta social e a personalidade do autor do fato, bem como os motivos e as circunstâncias, indicarem que a medida não será necessária e suficiente (hipóteses elencadas no art. 76 da Lei 9.009/1995).37

Com isso ao prever no artigo 98, inciso I da Constituição da República a criação dos Juizados Especiais Criminais para conciliação, o julgamento e a execução de infrações de menor potencial ofensivo, o constituinte, valorando o bem jurídico

34 BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e

Criminais e dá outras providências. < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> Acesso em 26 out 2020.

35 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 5ª ed.

Florianópolis: EMais Editora, 2019. p. 545.

36 Ibidem. p. 545

37 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça Penal Negociada: Negociação de sentença criminal e

(21)

lesado e a subsidiariedade do direito penal quis dar uma espécie de tratamento adequado as infrações penais de menor gravidade.38

Veja-se então que o autor justifica a flexibilização das garantias individuais quando se tratar de crimes de menor potencial ofensivo.

Neste sentido Nereu José Giacomelli é pontual ao sentenciar:

Havendo negociação, não se discute o fato, nem a qualificação jurídica. [...] o autor do fato, ao negociar e aceitar a pena alternativa, não está fazendo uma declaração de culpabilidade, como ocorre no sistema anglo saxão – plea

guilty. No sistema Brasileiro, a garantia de não culpabilidade só resta

vulnerada após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória; após um juízo com todas as garantias processuais. Por isso, o legislador não atribuiu a sentença que homologa o acordo os efeitos de uma condenação. Para haver uma pena criminal com todos os seus efeitos, é imprescindível a existência de um juízo de culpabilidade, feito por magistrado e não pelas partes. E, este juízo de culpabilidade não pode ser proferido sem a produção contraditória da prova.39

Conforme destacado por Giacomelli, a sentença homologatória da transação penal, não possui os mesmos efeitos legais de uma sentença penal condenatória transitada, isto porque, não há a ocorrência do enfrentamento do mérito processual, no que diz respeito a culpabilidade do acusado.

Neste sentido, menciona-se a Súmula Vinculante 35:

A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial.40

Portanto, a sentença homologatória da transação penal não faz coisa julgada, tampouco é causa impeditiva para que o Ministério Público proponha ação penal, em desfavor do acusado em caso de descumprimento da transação celebrada. Assim, a transação criminal se constitui em um ato processual bilateral, resultante do consenso entre acusação e a defesa, [...] segundo o qual o autor do fato se submete ao cumprimento de uma sanção alternativa-multa ou restritiva de direitos, como

38 PEREIRA, Diogo Abineder Ferreira Nolasco. Justiça Penal Negociada: Uma análise do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019. p. 90-91.

39 GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, Oportunidade e Consenso no Processo Penal: Na

perspectiva das garantia constitucionais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006. p .331.

40 Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 35. Diário de Justiça de 26 fev 2010. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=265 . Acesso em 26 out 2020.

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estratégia defensiva, no exercício de seu direito de defesa, sem que aceitação tem os mesmos efeitos de uma condenação comum.41

No mesmo sentido, colhe-se da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 795.567, de relatoria do finado Min. Teori Zavascki:

CONSTITUCIONAL E PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. CUMPRIMENTO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITO. POSTERIOR DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE CONFISCO DO BEM APREENDIDO COM BASE NO ART. 91, II, DO CÓDIGO PENAL. AFRONTA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL CARACTERIZADA. 1. Tese: os efeitos jurídicos previstos no art. 91 do Código Penal são decorrentes de sentença penal condenatória. Tal não se verifica, portanto, quando há transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95), cuja sentença tem natureza homologatória, sem qualquer juízo sobre a responsabilidade criminal do aceitante. As consequências da homologação da transação são aquelas estipuladas de modo consensual no termo de acordo. 2. Solução do caso: tendo havido transação penal e sendo extinta a punibilidade, ante o cumprimento das cláusulas nela estabelecidas, é ilegítimo o ato judicial que decreta o confisco do bem (motocicleta) que teria sido utilizado na prática delituosa. O confisco constituiria efeito penal muito mais gravoso ao aceitante do que os encargos que assumiu na transação penal celebrada (fornecimento de cinco cestas de alimentos). 3. Recurso extraordinário a que se dá provimento.42

No tocante a suspensão condicional do processo ela se caracteriza como uma forma de transação, mas não com a diferença de que ela é negociada após o oferecimento da ação penal, nas hipóteses em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a 01 (um) ano de prisão. [...] o período da suspensão variará entre dois e quatro anos.43

Art. 89 da Lei 9.099/1995. - Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).44

Pelo rito processual no momento de oferecimento da denúncia, o Ministério Público poderá propor a suspensão condicional do processo, desde que o acusado

41GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, Oportunidade e Consenso no Processo Penal: Na

perspectiva das garantia constitucionais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006. p. 332.

42 STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: 795.567 PR. Relator: Ministro Teori Zavascki. Diário de

Justica: 28 maio 2015. JusBrasil. 2015. Disponível em:

https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/863985512/recurso-extraordinario-re-795567-pr-parana/inteiro-teor-863985525?ref=serp>. Acesso em 28 out. 2020.

43 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça Penal Negociada: Negociação de sentença criminal e

princípios processuais relevantes. Curitiba: Editora Juruá, 2016. p. 143.

44 BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e

Criminais e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm Acesso em 26 out 2020.

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não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.

A negociação se dá antes do recebimento da ação penal, o que pode gerar o paradoxo de depois acertados os termos da suspensão condicional do processo, o juiz não reconhecer a existência de condições ou requisitos, dentre eles a justa causa, para exercício da ação penal.45

Em análise dos termos legais para concessão do benefício, denota-se que uma vez aceita proposta de suspensão condicional do processo pelo acusado e seu defensor, na presença do magistrado, este receberá a denúncia e poderá suspender o processo, submetendo acusada período de prova sobre as seguintes condições:

a) reparação do dano, salvo na impossibilidade de fazê-lo; b) proibição de frequentar determinados lugares;

c) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem prévia autorização judicial e;

d) comparecimento pessoal e obrigatório ao juízo, mensalmente, a fim de justificar suas atividades durante o período de prova.

Sublinha-se que o magistrado poderá especificar outras condições, desde que oportunamente adequadas ao fato e a situação pessoal do acusado.

Todavia, caso descumpridas ad condições estabelecidas, durante o período de prova da suspensão condicional do processo, tal benesse será revogada, nas seguintes hipóteses:

I) Se no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime; II) não efetuar, sem motivo justificado a reparação do dano; III) se o acusado

vier a ser processado, no curso do prazo por contravenção ou descumprir qualquer outra condição imposta - nas duas últimas situações, caso não concomitantes com a primeira, a lei possibilita que o juiz possa manter o benefício conforme as especificidades de suas ocorrências.46(GRIFO

NOSSO).

Entretanto, apesar das semelhanças entre os institutos despenalizadores da transação penal e da suspensão condicional do processo, “é preciso ratificar a ideia de que a denúncia é um dos meios de instrumentalizar o exercício da ação [...] logo,

45 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 5ª ed.

Florianópolis: EMais Editora, 2019. p. 548.

46 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça Penal Negociada: Negociação de sentença criminal e

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não há qualquer mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal pela suspensão condicional do processo.”47

Por óbvio não se pode suspender algo que não existe, pois a suspensão condicional é do processo, logo, se não há processo, não se pode falar na suspensão do mesmo.

Para fins de aferição do cabimento da suspensão condicional do processo, “deve-se levar em consideração a pena mínima a ser aplicada, em abstrato, pelo tipo penal imputado (estelionato, furto etc.), [...] havendo controvérsia sobre a incidência da tentativa ou de eventual redutor de pena, mas a majoritária é a do cabimento.”48

Prepondera o entendimento dentro dos Tribunais Superiores, no sentido de que, na hipótese de ocorrência de concurso de crimes, a somatória será definidora do benefício, assim, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça, diante teor da Súmula 273.

Súmula 243 - O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano. (Súmula 243, CORTE ESPECIAL, julgado em 11/12/2000, DJ 05/02/2001 p. 157).49

Na mesma linha de entendimento, cita-se a Súmula 723 do Supremo Tribunal Federal. “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.”50

Tratando-se de instrumento da justiça negocial, aplica-se naquilo que pertinente, os princípios e postulados básicos da transação penal e da suspensão condicional do processo.

Traz-se à tona a discussão acerca das hipóteses de cabimento do instituto da transação penal e da suspensão condicional do processo, vez que imprescindíveis,

47 PEREIRA, Diogo Abineder Ferreira Nolasco. Justiça Penal Negociada: Uma análise do princípio da

obrigatoriedade da ação penal pública. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019. p. 100.

48 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 5ª ed.

Florianópolis: EMais Editora, 2019. p. 548.

49 Superior Tribunal de Justiça. Súmula 243. Diário de Justiça de 21 de jun de 2013. Disponível em:

https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27243%27).sub.. Acesso em 26 out 2020.

50 Supremo Tribunal Federal. Súmula 723. Diário de Justiça de 09 de dez de 2003. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2651 .Acesso em 26 out 2020.

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para fundamentar do raciocínio exposto no título 3.2.1 (Retroatividade do ANPP para atingimento dos processos em curso) do presente trabalho.

2.7 Acordo de colaboração premiada

Constata-se no decorrer das últimas décadas o crescente aumento das organizações criminosas no Brasil, como consequência da falha política de segurança pública do sistema brasileiro. Frente a este horrendo cenário, os legisladores viram-se obrigados, como tentativa para redução desviram-se crescimento deviram-senfreado, agir mediante importação do instituto da colaboração premiada ao ordenamento jurídico nacional, para isso exsurge a Lei n º 12.850/2013, que trata sobre Organização Criminosa.

O pacto no processo penal pode se constituir em um perverso intercâmbio, que transforma acusação instrumento de pressão, capaz de gerar autorizações falsas (Fakes), testemunhos caluniosos por conveniência, obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa, desigualdade de tratamento e insegurança.51

Neste norte, a Lei nº 12.850/2013 versa acerca da parte mais sensível da justiça criminal negocial, pois aqui passa haver disposição expressa sobre a possibilidade de o Ministério Público em "acordo" com a defesa do investigado, deixar de oferecer denúncia, como no caso do benefício previsto no artigo 4º, parágrafo 4º da referida lei de Organização Criminosa.

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

[...]

§ 4º Nas mesmas hipóteses do caput deste artigo, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador:

I - não for o líder da organização criminosa;

II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.52

51 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda et al. Delação Premiada no Limite: a controvertida justiça

negocial made in brazil. Florianópolis: Emais Editora, 2018.

52 BRASIL. Lei n. 12.850 de 2 de agosto de 2013. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em 06 de novembro de 2020.

(26)

Jaques de Camargo Penteado defende o seguinte entendimento acerca do conceito da delação premiada:

A delação premiada é um instrumento de combate ao crime organizado. O termo delação advém do latim “delatione” e expressa uma revelação, uma acusação e, mais especificamente, a “acusação que é feita por uma das próprias pessoas que participam da conspiração, revelando uma traição aos próprios companheiros”. Trata-se da acusação proveniente de uma pessoa que praticou um crime e revela os demais sujeitos ativos dessa mesma infração penal ou evidencia o local em que se encontram bens, direitos ou valores objetos da infração pena. Por essa delação, o delator recebe um prêmio (redução de pena, perdão judicial, cumprimento da pena em regime penitenciário mais brando etc).53

Deste modo, o professor Cezar Roberto Bitencourt sustenta a tese de que a delação premiada consiste na redução de pena em até 2/3, para o partícipe que delatar seus comparsas, e será concedida pelo juiz na terceira fase do sistema trifásico, desde que sejam satisfeitos os requisitos previstos em lei. Sendo assim, a fixação da pena poderá ficar abaixo do mínimo legal.54

Por conseguinte, a delação premiada é utilizada no combate ao crime organizado, mas se faz necessário assegurar as garantias constitucionais individuais, nos termos da lei.

Outrossim, o interrogatório do delator deve ser compreendido como meio de prova, para buscar a colaboração com o intuito de clarificar ou minimizar as consequências da criminalidade organizada, a fim de privilegiá-lo com o sobrestamento do inquérito policial, a extinção da punibilidade (perdão judicial) ou a redução da pena aplicável.

53 PENTEADO, Jaques de Camargo. Delação premiada. Revista dos Tribunais: Brasília, 2006. p. 71. 54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte especial. 15 ed. São Paulo:

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3 ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP)

O acordo de não persecução penal, foi introduzido no ordenamento jurídico nacional através da promulgação da Lei n. 13.964/2019, que ficou conhecida pelo nome de "Pacote Anticrime", um projeto de Lei proposto pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Fernando Moro, que ao chegar no Congresso Nacional ganhou forte influência de uma proposta anterior em tramitação do ministro do STF Alexandre de Moraes., que visava a alteração de artigos do Código de Processo Penal.

Neste viés, o ANPP cuida-se de instituto da justiça criminal negocial, advindo do modelo de justiça norte-americano Plea Barganing55, já conhecido em

normas internas do Ministério Público pelas resoluções 181/2017 e 183/2018 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), sendo de grande importância ressaltar o amadurecimento das referidas resoluções, proporcionadas por debates jurídicos no Supremo Tribunal Federal, outrora questionando sua validade jurídica/constitucionalidade.

O acordo de não persecução penal nada mais é que uma espécie de medida despenalizadora originária da ampliação da justiça negocial no campo do Processo Penal, acompanhado de institutos já previstos no ordenamento jurídico brasileiro, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, dispostas na Lei 9.099/95, além da delação premiada, presente na Lei 12.850/13.

Diante da inovação jurídica trazida pela nova redação do art. 28-A do CPP, incorporou em lei o instituto do acordo de não persecução penal, que havia sido disciplinado pela Resolução n. 181/2017 do CNMP, cessando com isso a discussão a respeito da sua constitucionalidade formal.

Este acordo só poderá ocorrer se não for caso de arquivamento do procedimento investigatório (artigo 28-A, caput), pois se não houver justa o causa ou faltarem os pressupostos processuais ou as condições para o exercício da ação penal, deve ser promovido arquivamento nos termos do art. 28 do CPP.56

55 DE CASTRO, Ana Lara Camargo. Plea Bargain: Resolução penal pactuada nos Estados Unidos. Belo

Horizonte/São Paulo: Editora D´Plácido, 2019. p. 35.

56 DE BEM, Leonardo Schmitt et al. Acordo de não Persecução Penal. Belo Horizonte/São Paulo: Editora D´Plácido, 2020. p. 157.

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No mesmo sentido, é o entendimento do brilhante professor Aury Lopes Jr., ao destacar que uma vez aberto, instruído e concluído o inquérito policial (ou procedimento investigatório do MP), deverá o Ministério Público decidir entre denunciar (se presentes as condições necessárias para o exercício da ação penal), pedir mais diligências ou ordenar o arquivamento.57

Trata-se de mais um instrumento de ampliação do espaço negocial, pela via do acordo entre MP e defesa, que pressupõe a confissão do acusado pela prática de crime sem violência ou grave ameaça, cuja pena mínima seja inferior a quatro anos (limite adequado a possibilidade de aplicação de pena não privativa de liberdade, que será reduzida de 1/3 a 2/3 em negociação direta entre acusadores defesa.58

Ainda acerca do conceito jurídico do ANPP:

O acordo de não persecução penal (assim como a transação penal) representa um meio alternativo para o Ministério Público exercer o direito de ação penal: em lugar da imposição de pena (condenação) por meio do processo, haveria aplicação de pena (consensual) por meio da negociação criminal (acordo de não persecução penal) o processo e a negociação penal seriam meios de diversos para a satisfação do direito de punir do estado.59

Portanto, verifica-se no Brasil, uma nova tendência jurídica voltada para a resolução de conflitos penais, frente a expansão do modelo de justiça criminal negocial, com a instituição legal do ANPP, versus o modelo tradicional e garantista do devido processo legal, dotado de direitos e garantias fundamentais em favor do acusado.

3.1 Retroatividade da norma despenalizadora de natureza híbrida - para atingimento dos processos em curso

O acordo de não persecução penal apresenta efeitos semelhantes ao do instituto da transação penal (artigo 76 da Lei n. 9099/1995), na medida em que o cumprimento das condições estabelecidas implicam o não oferecimento da denúncia pelo Ministério Público (não persecução penal), com a consequente declaração de extinção da punibilidade (artigo 28-A, §10 e § 13 do CPP).

57 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 219. 58 Ibidem. p. 220.

59 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime Comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva

(29)

Desse modo, o ANPP (igualmente ocorre na transação penal) implica na mitigação do princípio da obrigatoriedade (legalidade) da propositura da ação penal pública, mesmo diante da presença de justa causa, o MP pode deixar de oferecer denúncia, mediante cumprimento de condições ajustadas com investigado.60

O artigo 28-A, §13º, do CPP, determina a extinção da punibilidade do investigado/acusado que cumprir integralmente o acordo, tendo em vista que o instituto do ANPP exibe, caráter evidentemente misto, ou seja, há uma hibridez entre conceitos do Direito penal/material com outros do Direito processual penal, sendo capaz de retroagir no tempo para beneficiar o agente.

No tocante a retroatividade da norma despenalizadora, a doutrina tem convergido acerca de sua possibilidade, reconhecendo seu legítimo caráter misto, todavia, há divergência acerca do limite da retroatividade, como se verifica nas palavras de Gustavo Junqueira et al.

Por força da sua natureza mista ou híbrida, a potencialidade material (Penal) da norma processual determina sua retroatividade (lex mittior), de acordo com o comando constitucional contido no art. 5º, XL da Constituição Federal. Contudo, entendemos que a retroatividade seria limitada aos casos em que não tenha sido proferida sentença condenatória (encerramento da fase de conhecimento em primeiro grau de jurisdição).61

No mesmo sentido sustentam os autores Ali e Amir Mazlum:

[...] a natureza híbrida da norma que introduziu o acordo, trazendo em seu bojo carga de conteúdo material e processual. O âmbito de incidência das normas legais desse jaez, que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, deve ter aplicação alargada nos moldes previstos no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” Nesta senda, entendemos incidir também aos processos criminais em curso, apanhados pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal. Cabe ao Estado, agora, abrir ao réu a oportunidade de ter sua punibilidade extinta mediante a proposição de acordo pelo Ministério Público e consequente cumprimento das condições convencionadas.62

Ademais, conforme disposto pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério Público Federal: “O Acordo de não persecução penal pode ser

60 Ibidem. p. 152.

61 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei Anticrime Comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva

Educação, 2020. p. 175.

62 MAZLUM, Ali; MAZLUM Amir. Acordo de não persecução penal é aplicável a processos em curso. CONJUR. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-fev-07/opiniao-acordo-nao-persecucao-penal-aplicavel-acoes-curso . Acesso em 11 nov de 2020.

(30)

proposto para suspender ações penais em andamento, tendo em vista a natureza jurídica mista da lei e é mais benéfica ao interessado.”63

Portanto, devido ao cunho despenalizador do ANPP, atrelado ao seu caráter de norma penal mista (material/processual), aparenta-se plenamente aplicável a lógica de retroatividade da norma mais benéfica ao acusado, para fins de atingimento dos processos em andamento, com data anterior a promulgação da Lei n. 13.964/2019.

Diante do exposto, trata-se de questão de interesse constitucional e regulada pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XL, nos seguintes termos: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.64 Certamente, discute-se a

potencial aplicação de tal dispositivo também a normas de natureza mista ou processual com conteúdo material.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, consoante se percebe do trecho transcrito, tem assentado a aplicação do ANPP em processos em curso somente até o recebimento da denúncia:

“[...] da simples leitura do art. 28-A do CPP, se verifica a ausência dos requisitos para a sua aplicação, porquanto o embargante, em momento algum, confessou formal e circunstancialmente a prática de infração penal, pressuposto básico para a possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal, instituto criado para ser proposto, caso o Ministério Público assim o entender, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia e não, como no presente, em que há condenação confirmado por Tribunal de segundo grau”. (EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp 1.681.153/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 8.9.2020, DJe 14.9.2020).

Já a Sexta Turma do STJ tem aceitado a aplicação do ANPP para processos em curso até o trânsito em julgado da condenação, conforme seguinte trecho:

“[...] o cumprimento integral do acordo de não persecução penal gera a extinção da punibilidade (art. 28-A, § 13, do CPP), de modo que como norma de natureza jurídica mista e mais benéfica ao réu, deve retroagir em seu benefício em processos não transitados em julgado (art. 5º, XL, da CF)”. (AgRg no HC 575.395/RN, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 8.9.2020, DJe 14.9.2020).

63 2ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do MPF. Investigações mais céleres, eficientes e

desburocratizadas. 2020. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao- tematica/ccr2/publicacoes/apresentacoes/apresentacao-sobre-acordos-de-nao-persecucao-penal-anpp-e-30-012020_.pdf . Acesso em 09 de novembro de 2020.

64 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Presidência da República, 1988. Disponível em:

(31)

Logo, percebe-se a ocorrência de divergência interpretativa (entre as próprias turmas do STJ) acerca da retroatividade da normal penal de natureza híbrida, para fins de cabimento de ANPP.

Em Tribunais de segundo grau vale citar adoção de tal posição também no TRF4:

“O acordo de não persecução penal consiste em novatio legis in mellius, vez que a norma penal tem, também, natureza material ou híbrida mais benéfica, na medida que ameniza as consequências do delito, sendo aplicável às ações penais em andamento. 3. É possível a retroação da lei mais benigna, ainda que o processo se encontre em fase recursal (REsp. no 2004.00.34885-7, Min. Félix Fischer, STJ - 5a Turma). 4. Cabe aferir a possibilidade de acordo de não persecução penal aos processos em andamento (em primeiro ou segundo graus), quando a denúncia tiver sido ofertada antes da vigência do novo artigo 28-A, do CPP”. (TRF 4, Correição Parcial 5009312- 62.2020.4.04.0000, Des. João Pedro Gebran Neto, Oitava Turma, DJe 14.5.2020).

Considerando a possível ocorrência de tal debate em número expressivo de processos, e a divergência jurisprudencial sobre questão de tal importância, o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do Habeas Corpus 185.913 DF, menciona que “a retroatividade e potencial cabimento do acordo de não persecução penal é questão afeita à interpretação constitucional, com expressivo interesse jurídico e social, além de potencial divergência entre julgados”.65

Diante de seus fundamentos, encaminhou a matéria para debate em plenário do Supremo Tribunal Federal, de modo a assegurar-se a segurança jurídica e a previsibilidade das situações processuais. A matéria acerca da retroatividade do ANPP, ainda aguarda por data para julgamento em sessão plenária do STF.

Ademais, a lei trouxe uma situação mais benéfica ao réu, criando causa extintiva da punibilidade, consequentemente devem retroagir (devido seu caráter misto) aos delitos cometidos antes de sua entrada em vigor.

3.2 Resolução 181/2017 do conselho nacional do Ministério Público

Anteriormente a regulamentação pela legislação infraconstitucional, o acordo de não persecução penal já era previsto em normas internas do MP, através da Resoluções n. 181/2017 e n. 183/2018 do Conselho Nacional do Ministério Público.

65 STF. Habeas Corpus 185.913 DF. Relator: Ministro Gilmar Mendesi. DJ: 22 de setembro de 2020.

JusBrasil.2020. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1117182080/agreg-no-habeas-corpus-hc-186289-rs-0093934-2520201000000 . Acesso em 09 nov 2020.

(32)

Inserindo o instituto no ordenamento jurídico de maneira inconstitucional, diante da violação da competência privativa da União, para legislar sobre matéria processual penal.66

A resoluções também estipulavam que o Ministério Público deixasse de cumprir suas funções persecutórias, hipótese essa que tornava manifesto o abrandamento do conceito de legalidade, bem como o princípio da obrigatoriedade da ação penal, garantia fundamental que sustenta a isonomia de tratamento entre os cidadãos.

Neste sentido, sustenta Eugênio Pacceli:

A Lei nº 13.964/19, publicada no findar de 2019, já conhecida desde sempre pela estranha alcunha de “Lei Anticrime” (como se houvesse, em qualquer tempo, alguma legislação pró crime), alterou o Código de Processo Penal e adotou o instituto em questão, tratando de corrigir suas irregularidades, a começar pelo respeito ao princípio da legalidade, por se tratar de instrumento normativo compatível (lei em sentido estrito), e, além disso, inovou em importantes aspectos, como se verá”.67

Com a promulgação da Lei n. 13.964/2019, todos os questionamentos acerca da constitucionalidade do instituto caíram por terra, ao passo que o ANPP passou a ter previsão legal diante da redação do novo artigo 28-A do Código de Processo Penal.

3.3 Requisitos e restrições legais à celebração do ANPP

A luz da nova redação do artigo 28-A do Código de Processo Penal68,

percebe-se que o legislador infraconstitucional fixou uma série de requisitos, e restrições para fins de aplicação do instituto despenalizador do ANPP. Vejamos:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado

confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

66 Art. 22 da Constituição Federal - Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil , comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho ;

[...]

67 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 24ª Ed. - São Paulo, Editora Atlas, 2020. p. 225. 68 BRASIL. Decreto n. 3.689 de 3 de outubro de 1.941. Código de Processo Penal. Disponível em:

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