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7.3. As unidades de conservação brasileiras: uma análise social e econômica do Parque

7.3.2. O Parque Nacional do Catimbau: origens e conflitos sociais

7.3.2.1. A reserva Kapinawá, origens e conflitos

De acordo com o projeto técnico para a criação do Parque Nacional do Catimbau (SNE, 2002), procurou-se respeitar, no traçado do perímetro proposto para o parque, as áreas de ocupação indígena, tendo-se solicitado o apoio da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) que forneceu o memorial descritivo de demarcação da Terra Indígena

Kapinawá e realizou trabalho de campo. Assim, as Terras Indígenas ficaram dispostas no entorno imediato do Parque Nacional do Catimbau (Figura 47).

Os Kapinawá são descendentes dos índios que habitavam a aldeia do Macaco onde, durante o século XVIII, situava-se a antiga missão dos macacos no município de Buíque. Em 1710, tal missão era constituída de índios Tapuios chamados de Paraquiós ou Paratiós, na paróquia de Ararobá. Uma única cópia datilografada de uma Carta Imperial de 1874 comprova a doação dessas terras aos descendentes do povoamento dos “macacos” e nela se descrevem os limites do território então doado, ainda que com certa imprecisão (ALBUQUERQUE, 2005, 2008). Foi a partir de tal cópia que em 1998 foi demarcada uma área de 12.403,09 ha de extensão como sendo Território Indígena pertencente aos Kapinawá. Os atuais limites do território Kapinawá encontram-se fixados levando-se em consideração as delimitações então estabelecidas pela Carta Imperial de 1874. É perante essa clara desatualização que, atualmente, os índios Kapinawá reinvidicam um novo estudo de terra que contemple áreas consideradas

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imprescindíveis para eles, localidades com sítios arqueológicos e pinturas rupestres dos seus antepassados, e com um considerável número de famílias indígenas fora do perímetro homologado em 1998. O maior contingente dessas famílias está inserido, segundo os índios, na área do parque. Relatórios produzidos por técnicos da FUNAI no ano de 2002, informavam a existência de 147 famílias Kapinawá “desaldeadas”, sendo que 45 se encontram no perímetro proposto para o Parque Nacional do Catimbau.

Os índios Kapinawá são mais um exemplo de emergência étnica dos povos indígenas do Nordeste brasileiro. Esse processo exige do povo indígena emergente uma reorganização social para a criação de uma nova unidade sociocultural e um reviver da sua cultura. Além das instituições comuns dos povos indígenas do Brasil, tais como: pajé (Figura 48) e cacique, os Kapinawá contam ainda com associações e conselhos, sendo eles: (1) Associação Indígena dos Kapinawá da Aldeia Julião; (2) Associação Comunitária dos Índios Kapinawá; (3) Conselho Comunitário dos Índios Kapinawá; (4) Clube das Mães Kapinawá; (5) Conselho de Educação Kapinawá.

Figura 48. Pajé dos índios Kapinawá após ritual de Toré. Ponta da Vargem,

Pernambuco, Brasil.

Fonte: o autor (2010).

Assim como outros povos indígenas do Brasil, os Kapinawá realizam o Toré como ritual para invocar os “encantados” (ALBUQUERQUE, 2005). Jovens e anciãos, repetem todos os domingos o ritual, num esforço conjunto para manter suas tradições e sua identidade. Os Kapinawá estão dispostos a participar nos projetos ambientais para a conservação da biodiversidade, no entanto, recusam-se a deixar suas terras, pois

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compreendem o seu direito de permanecer onde se sentem profundamente conectados, sob um ponto de vista histórico e cultural.

De acordo com leis internacionais, o povo indígena tem o direito à propriedade e de manejar suas terras. Desde 2003, o Congresso Mundial de Parques reconhece os direitos dos povos indígenas e incentiva a restituição dos seus direitos em parques já estabelecidos (COLCHESTER, 2004). A exclusão do povo indígena do PNC têm criado conflitos e, como resultados, está minando os objetivos de conservação do parque. Assim, percebe-se como é fundamental associar os diversos planejamentos e projetos ambientais para a conservação do PNC com as necessidades do povo indígena que lá têm vivido a sua cultura e dela têm retirado o seu sustento.

7.3.2.2. Comunidades locais

Em adição às famílias indígenas, existem várias comunidades locais vivendo dentro dos limites do parque com incertezas em relação à desapropriação e respectivas compensações monetárias. Após conversa informal com os guias do parque, registram- se que mais de 2.000 famílias ainda residem no parque. Vranckx (2010) fala em 36 comunidades.

Siqueira (2006) seguiu de perto a criação do parque de um ponto de vista social e político desde a primeira consulta pública. De acordo com a lei n° 9985/2000, a consulta pública possibilita a participação da população na criação e planejamento de um Parque Nacional. No entanto, esse autor afirma que o processo de consulta pública não foi como esperada e a população diretamente envolvida ficou bastante insatisfeita. As três consultas públicas não focaram as questões fundamentais e de interesse para as comunidades, tais como: o valor das terras, os objetivos do parque, área total do parque, processos de desapropriação e como resolver o problema burocrático daqueles que não têm escritura de suas terras. Além disso, muitos residentes e outras pessoas diretamente afetada pela criação do parque, não foram informadas da realização dessas consultas e, por isso, não participaram delas. Assim, o autor fala em uma profunda desarticulação entre o povo indígena, as comunidades locais e as entidades governamentais.

Paula (2013) refere que, de acordo com diversas entrevistas realizadas em 2009- 2010, houve um esforço realizado para a organização de um grupo de residentes que não estão dispostas a aceitar as compensações monetárias do governo e preferem permanecer no parque e investir em educação ambiental de forma a contribuírem ativamente na sua conservação.

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Siqueira (2006), Silva e Maia (2008, 2011), Vranckx (2010) e Paula (2013), após diversas entrevistas realizadas nas comunidades locais, afirmam que a população tem dúvidas em relação às compensações monetárias e preferem ficar em suas terras. Todos estão cientes da importância ambiental do parque e concordam em sua criação, mas preferem participar ativamente na conservação de sua biodiversidade e adotar práticas sustentáveis do que deixar suas casas.

O primeiro contato dos residentes com o parque foi tenso (SIQUEIRA, 2006). No entanto, algum progresso se tem vindo a observar em direção a um melhor entendimento entre os residentes e as entidades responsáveis pelo parque através da criação de um Conselho Consultivo que possibilita a participação da população local de forma consultiva e não deliberativa. Esse conselho adiciona as dimensões sociais e políticas durante as dicussões e planejamento do manejo do parque.

No PNC a dimensão social é claramente forte e não pode ser ignorada, ariscando desfazer todo o esforço de planejamento para a conservação da biodiversidade já realizado. Garantir a sustentabilidade das populações e integrar a sua cultura nos projetos de conservação do parque criaria uma ponte entre as múltiplas territorialidades envolvidas: ecológica, social e política.

7.3.3. Manejo do Parque Nacional do Catimbau - sugestões para conciliar a