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Sempre que se pesquisa sobre a história das unidades de conservação, recorrentemente se refere ao Parque Nacional de Yellowstone, parque nacional estadunidense, como o mais antigo parque nacional do mundo, tendo sido criado em 1872. No entanto, a ideia que certas porções de terra deveriam ser reservadas e protegidas devido às suas belezas naturais e raridades biológicas remonta aos Assírios, uma civilização do Médio Oriente, que estabeleceram reservas naturais no primeiro milénio a.C. (COLCHESTER, 1994). Na Europa Medieval, áreas florestais protegidas pelo Rei já haviam sido criadas e designadas como parques. Nos séculos XVIII e XIX, o estabelecimento de reservas de caça e florestais arrogadas ao Estado, cujo acesso pela população local era proibido ou limitado, se tornaram técnicas rotineiras de manejo do território na Europa e foram largamente aplicadas nas antigas colônias (COLCHESTER, 2004). Apesar dessas experiências anteriores, o conceito moderno de parque só viria a surgir com Yellowstone, onde nasce um significado conjunto de proteção e acesso público. Assim, é nos E.U.A. que surge o conceito de parque nacional pela intervenção do estado que pretendia proteger áreas naturais da exploração egoísta de poucos e assegurar o seu usufruto pelas gerações vindouras (MORSELLO, 2008). A essa visão de parques para uso público através, essencialmente, de lazer e turismo, foi gradualmente adicionada uma visão ambientalista. Dessa forma, os parques nacionais ganharam importância para a preservação da natureza e da sua biodiversidade, surgindo uma nova “preocupação ecológica” (RUNTE, 1997).

De acordo com Brito (2000), essa evolução do conceito de área protegida foi ocasionada pelo aumento do conhecimento científico, mais precisamente das ciências naturais. Na generalidade dos casos, o crescente desenvolvimento econômico resultou no aumento da qualidade de vida das populações, mas a um preço elevado para a natureza que viu muitos de seus ecossistemas serem destruídos. O mesmo autor refere

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que a criação de áreas protegidas desempenha, a partir desse momento, o papel de “antítese do desenvolvimento”.

Desde a criação de Yellowstone em 1872, até 1998, o International Union for Conservation of Nature (IUCN) reconhecia 9.869 áreas protegidas, correspondendo a 931.787.396 ha (6,29% da superfície terrestre). De acordo com os dados estatísticos mais recentes do WDPA, em 2010, o número de UC's subiu para uns impressionantes 157.897, que correspondia a 24.370.039,73 km2, cerca de 12,7% da superfície terrestre (excluindo a Antártida). Em termos de área terrestre, as áreas protegidas são agora um dos tipos de uso da terra mais importante do planeta (CHAPE et al., 2008).

7.2.2. Unidades de conservação e seus impactos socio-econômicos

A estratégia política de conservação da natureza através da criação de parques emergiu num contexto de solidificação capitalista, rápida urbanização e delimitação de fronteiras nos E.U.A. (ABAKERLI, 2001). UC's eram concebidas para preservar a natureza da exploração abusiva do Ser Humano, para o benefício das futuras gerações. No entanto, para isso a exclusão dos residentes era frequentemente considerada essencial. A negação dos direitos das populações residentes e até, a expulsão de suas casas, resultou em conflitos a longo termo e, frequentemente, em morte (COLCHESTER, 2004). Por exemplo, a implementação do Parque de Yellowstone pelo estado, excluiu completamente a população indígena que vivia no território e do qual dependia de seus recursos naturais para sua sobrevivência, resultando na resistência e, posteriormente, à morte de centenas de índios (KELLER; TUREK, 1998). Em adição, a primeira UC Norte Americana, criada sob o pretexto de "preservação de grandes áreas remanescentes da paisagem natural para recreação pública de forma a prevenir outras formas de exploração econômica mais prejudiciais à natureza" era, de acordo com a análise de Sellars (1997), de facto, desde o início, uma forma de servir interesses corporativos baseados no turismo. Corporações privadas com conexões estreitas com o Governo Federal influenciaram profundamente o tipo de uso e economia prevalecente no território e estimularam a criação de parques públicos, assim como, o desenvolvimento do turismo (ABAKERLI, 2001). No século seguinte, o modelo Norte Americano de conservação da natureza difundiu-se mundialmente.

Assim, as primeiras UC's foram criadas sobre a concepção de natureza como prístina, e totalmente aparte das terras transformadas pelo Ser Humano. Trata-se de uma

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concepção da natureza dicotomizada do homem, uma natureza intocável, cujo único modo de preservação é retirando o elemento humano da equação. Essa visão rapidamente trouxe inevitáveis impactos sociais e econômicos para as populações vivendo no parque ou nas proximidades. As populações sofrem impactos diretos sobre seus meios de subsistência: não estão autorizados a caçar, coletar lenha ou utilizar qualquer recurso do parque, que eram, em muitos casos, essenciais para a sua sobrevivência, provocando uma panóplia de riscos de empobrecimento, incluindo desemprego, insegurança alimentar e outros perigos à qualidade de vida das populações. Um exemplo de conflito entre populações tradicionais e projetos de manejo globais é o caso dos pescadores artesanais do Morro das Andorinhas. Trata-se de uma pequena comunidade dedicada apenas a atividades pesqueiras e a agricultura de subsistência desde o século XIX. Em 1992, é criado o Parque Estadual da Tiririca em Niterói (Rio de Janeiro) o qual se encontra o Morro das Andorinhas e a sua pequena comunidade de pescadores. Assim, uma vez que a categoria parque não permite a ocupação humana, a pequena comunidade de pescadores está em risco de ser removida, pois é vista como uma ameaça à estética e, consequentemente à conservação da Natureza (SIMON, 2003). Em adição, os residentes do complexo de luxo situado entre a floresta e a praia, confundem a comunidade secular com uma favela recente, acreditando, por isso, que sua segurança está em perigo, pressionando a realocação da comunidade. Este é um exemplo que ensina precaução adequando à criação e manutenção de áreas protegidas, pois as relações complexas entre a população, o território e a natureza devem ser levadas em consideração. O território deve ser visto como um espaço de experiências vividas pelas pessoas e as áreas protegidas não são necessariamente "antíteses do desenvolvimento" (COLCHESTER, 2004; ADAMS; HUTTON, 2007).

Nos anos 70, os impactos sociais das UC's começaram a ser largamente reconhecido à medida que o pensamento conservacionista e os direitos humanos evoluíram para a aceitação que a preservação pode ser alcançada em colaboração com as populações (ADAMS; HUTTON, 2007; COLCHESTER, 2004). Nos anos 80, esta "face humana" da conservação, começou a mudar todo o paradigma cercando a preservação e a considerar a inclusão social ao invés de sua exclusão (ADAMS; HULME, 2001; HULME; MURPHREE, 1999). Um caso que ilustra a importância contemporânea dos debates cercando a relação entre o bem-estar das populações e a conservação da biodiversidade, é o do Parque Nacional de Nechasar, no sul da Etiópia:

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em 2004, 500 pessoas foram forçadas a deixar suas terras por ordem do governo deixando o parque "limpo" antes de o entregar a uma organização privada alemã - a Fundação Africana de Parques (APF, do inglês African Parks Foundation) que seria responsável pelo seu manejo (ADAMS; HUTTON, 2007; PEARCE, 2005). Diversas Organizações não governamentais (ONG) internacionais de direitos humanos condenaram o curso de ação do governo da Etiópia. Em 2006, o supremo tribunal do Botswana decretou a evicção dos Bosquímanos da reserva pelo governo "ilegal e inconstitucional".

Muitos projetos de conservação estão agora incluindo a população local em seus planos de manejo, conciliando a preservação da natureza com o bem-estar da população. Um exemplo de UC que contribuiu para o desenvolvimento regional foi o da Reserva Mamirauá, onde foram ensinadas e aplicadas diversas técnicas de pesca sustentável, substituindo a pesca predatória. Este procedimento resultou na conservação do ciclo natural do Piracuru (Arapaima gigas), um dos maiores peixes de águas doces do mundo e, simultaneamente, num aumento significativo da renda dos pescadores vivendo dentro da reserva (VIANA et al., 2007).

Um estudo e monitoramento minucioso dos recursos ambientais das UC's é importante mas não é suficiente. É necessário e até fundamental, investigar fatos e ideias fundadoras, conflitos entre territorialidades e as iniciativas voltadas para o manejo dos recursos naturais (COELHO et al., 2009). É importante a criação de regras ou normas de proteção ambiental com o conhecimento e participação ativa dos indivíduos e/ou grupos sociais existentes no espaço, funcionando como um processo civilizador. As múltiplas territorialidades em consenso para o melhor gerenciamento possível do espaço, um espaço de preservação ambiental e cultural.

7.3. As unidades de conservação brasileiras: uma análise social e econômica do