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3.4 Políticas de Estados sobre liberdade de navegação na Organização das Nações Unidas

3.4.4 Resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas

A análise sobre as políticas de Estados nas Nações Unidas se conclui pelas resoluções da Assembleia Geral, onde culminam os pontos de vistos dos Estados e, indiretamente, do Secretário-Geral e dos outros atores envolvidos por meio do Processo Aberto de Consultas Oficiosas. Assim como nas seções anteriores, a pesquisa sobre as resoluções da AGNU foca em alguns dos elementos do que se propões como rule of law, embora direitos humanos estejam, mais que nas outras análises, ausentes. As preocupações sobre a pesca, pirataria, legislação e outros temas abordados nas seções anteriores estão devidamente refletidos nas resoluções da Assembleia Geral, e não serão objeto de maior análise por já terem sido tratados.

Em termos de equilíbrio, muito se foca na questão de que o patrimônio marítimo é de uso comum da humanidade, principalmente nos preâmbulos de todas as resoluções aqui analisadas. Isso reforça o que já vinha sendo apresentado nas seções 3.4.1-3.4.3. A ênfase no limite ao poder arbitrário também é diretamente relevante para o pensamento sobre rule of law pois reforça a tese de que nenhum dos atores deve exercer o poder para prejudicar esse equilíbrio. O preâmbulo da Resolução 59/24, entre outros, foi feito em reconhecimento de temas mais amplos que o equilíbrio:

recognizing the pre-eminent contribution provided by the Convention to the strengthening of peace, security, cooperation and friendly relations among all nations in conformity with the principles of justice and equal rights and to the promotion of the economic and social advancement of all peoples of the world, in accordance with the purposes and principles of the United Nations as set forth in the Charter of the United Nations, …

Cabe ressaltar um elemento em particular dessa cláusula do preâmbulo. Referência é feita aos princípios de justiça e igualdade de direitos. Em tese, a Convenção estabelece uma série de direitos que podem ser usufruídos por todos os Estados – inclusive aqueles sem litoral. Pessoas jurídicas, em circunstâncias específicas, também estão contempladas, ao contrário da pessoa humana. Vale lembrar que se trata de um foro de Estados, para discussão de um instrumento jurídico internacional por eles criado e a eles aplicável.

Todas as resoluções abordam o tema de harmonização legislativa. Depreende-se, portanto, que o disposto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, com relação ao uso do direito para justificar quebras no direito internacional, ainda é considerado como relevante pelos Estados Membros. Não é possível, por meio das resoluções, quantificar a quantidade de violações, mas a inferência é feita pela referência constante. Questões interpretativas, como as que foram levantadas na seção 3.4.3, somadas aos chamados de

harmonização, também permitem aferir que o direito do mar possui questões em aberto – e a seção anterior mostrou que muitas dizem respeito à liberdade de navegação, como os estreitos internacionais.

A Resolução 64/71 apresenta diversas referências à necessidade de integração entre regimes correlatos – por exemplo, de segurança e defesa – mas não há referências específicas aos instrumentos sobre direitos humanos. Observa-se, assim, que preocupações como as levadas por México e Ucrânia (vide seção anterior) não se traduziram em recomendações ou decisões no âmbito da Assembleia Geral.

O fundo fiduciário, estabelecido na Resolução 55/7, constitui um passo importante na garantia de isonomia pelo acesso à justiça, uma vez que seu propósito é auxiliar Estados envolvidos em disputas. O acesso à justiça, entretanto, tampouco relaciona empresas que possam ter um envolvimento nos casos, muito menos indivíduos – que sequer acesso ao Tribunal têm.

Conclui-se, pela análise das resoluções da Assembleia Geral da ONU, que os principais temas relacionados à liberdade de navegação ainda são entendidos como uma questão eminentemente estatal, apesar de alguns Estados já incorporarem direitos humanos nos discursos da seção 3.4.3. A liberdade de navegação continua a ser um dos mais importantes elementos da política nos oceanos – mais importante que direitos humanos, pelo que mostram as resoluções. Rule of law, mesmo sendo um ideal inatingível, depende do respeito aos direitos humanos, assim como do equilíbrio, previsibilidade e ordem, isonomia e um direito internacional consolidado e harmônico. As resoluções da Assembleia Geral, assim, reforçam a visão estato-cêntrica das relações internacionais, que não coaduna com o direcionamento de rule of law.

4 RULE OF LAW E LIBERDADE DE NAVEGAÇÃO NO TRIBUNAL

INTERNACIONAL PARA O DIREITO DO MAR

[...] activities that are not specifically regulated by the Convention are not carried out in a legal vacuum; … they are governed by general principles or residual rules.

Caramitsos Tziras, 2012.

Este capítulo tem o objetivo de estudar a jurisprudência do Tribunal Internacional para o Direito do Mar e sua contribuição para o princípio de rule of law. Para tal, foram escolhidos os casos que lidam direta ou indiretamente com o tema de liberdade de navegação ou restrições ao usufruto desse direito, tal como abordados no capítulo anterior. Como ressaltado no primeiro capítulo dessa dissertação, a existência de um mecanismo de solução de controvérsias é um dos quesitos fundamentais para a conversão a rule of law. Nesse sentido, o caso aqui estudado, de restrições à liberdade de navegação, apresenta vantagem particular pelo fato de haver um tribunal exclusivamente dedicado às questões relacionadas à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982.

O fato de haver tribunal dedicado às questões marítimas, entretanto, não significa que o potencial de influenciar o caminho na direção de rule of law seja plenamente aproveitado. Como será abordado nesse capítulo, o ITLOS tem dificuldade de enxergar o direito internacional de forma dinâmica e holística, sendo seu fracionamento visível em seus julgamentos. Isso contrasta com o que se espera do Tribunal conforme o artigo 293, que não restringe a aplicação do direito ao direito do mar. Como será abordado nesse capítulo, o fracionamento do direito internacional se mostra como um dos principais empecilhos para que o Tribunal faça valer o ideal de rule of law, desdobrando-se, também, em questões relacionadas a direitos humanos (principalmente) e os demais componentes do conceito apresentado na seção 2.3.2 dessa dissertação.

Tabela 4 – Casos do ITLOS analisados

Número Nome do caso Demandante Demandado

1 M/V Saiga São Vicente e Granadinas Guiné 2 M/V Saiga São Vicente e Granadinas Guiné

5 Camouco Panamá França

6 Monte Confurco Seychelles França

9 Chaisiri Reefer 2 Panamá Iêmen

11 Volga Rússia Austrália

13 Juno Trader São Vicente e Granadinas Guiné-Bissau

14 Hoshinmaru Japão Rússia

15 Tomimaru Japão Rússia

18 M/V Louisa São Vicente e Granadinas Espanha

19 M/V Virginia G Panamá Guiné-Bissau

20 ARA Libertad Argentina Gana

22 Arctic Sunrise Países Baixos Rússia

Esse capítulo, portanto, se divide em três partes. Na primeira, uma breve discussão sobre as características dos casos e contextos em que se inserem será feita de modo a situar a análise que se segue. Logo, serão considerados o direito aplicado, à luz das discussões do terceiro capítulo (seções 3.2 e 3.3). A segunda parte, por ser a mais relevante e constar do principal achado da pesquisa das decisões, recebe maior ênfase, explorando o modo como se dá o fracionamento do direito internacional e o que isso significa para os direitos humanos – que tem peso significativo no conceito de rule of law nas relações internacionais. Por último, discutir-se-á como outros componentes de rule of law são ou não respaldados nas decisões do Tribunal.