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2 RESPONSABILIDADE NA RELAÇÃO DE CONSUMO: DISTINÇÕES DAS GARANTIAS DOS PRODUTOS E SERVIÇOS

2.2 Responsabilidade civil na relação de consumo

Como apresentado anteriormente ao longo do século passado houve uma explosão do mercado de consumo, levou a um aumento nos conflitos de direito nas relações consumeristas. Tendo a responsabilidade civil que sanar estes conflitos, as leis vigentes não davam conta das relações de consumo estabelecidas, sendo necessário novas leis de cunho protetivo ao consumidor.

Até a promulgação do CDC, a responsabilidade civil das relações de consumo era disciplinada pelo Código Civil de 1916, o qual não conseguia contemplar a justiça das relações. Todavia se teve a guinada a partir do CDC, que supriu algumas carências como flexibilização da comprovação de culpa, a solidariedade dos fornecedores.

Para se entender como seria a relação de consumo com a perspectiva da responsabilidade civil tradicional se usa o exemplo de Cavalieri Filho (2014, p. 541), uma senhora, ao abrir um refrigerante em sua casa para seus filhos, sofre um violento impacto, pois a tampa explodiu com violência, batendo em um de seus olhos com força, deixou cega. No que concerne a responsabilidade civil tradicional essa senhora estaria desampara, pois o comerciante facilmente se exoneraria da responsabilidade facilmente, alegaria que recebeu o produto do fabricante de tal forma como vendeu, ou seja, lacrado. Já o fabricante alegaria não ter vínculo contratual com a vítima, pois nada vendeu a ela e teria responsabilidade pelo produto somente quando este estivesse sobre sua guarda, ou seja, na fábrica, jamais quando nela não estiver mais. Ficando essa senhora que dentro do seu lar teve um acidente de consumo, a luz da responsabilidade tradicional sem amparo.

Esse tipo de situação era comum, pois, a responsabilização do fornecedor era facilmente afastada. A responsabilidade do comerciante também era facilmente afastada, pois este não teria fabricado o produto, como recebeu o repassou. Passou- se um longo caminho até se chegar à responsabilidade do fornecedor pela colocação do produto no mercado de consumo. Primeiro se deslocou da conduta do autor do

dano para o fato causador do dano, posteriormente veio um dever de guarda do fornecedor sobre os produtos perigosos que lança no mercado, e por fim, a isenção da atividade de risco e o dever de segurança sobre o produto que põem em circulação (CAVALIERI FHILHO, 2014, p. 543).

O fornecedor ao lançar seus produtos e serviços no mercado de consumo, pleiteia ter lucro, ou seja, vender o máximo com o menor custo possível. Contudo, deve ser respeitados alguns princípios como da segurança, lealdade e assumir o risco do empreendimento. Nas palavras de Cavalieri Filho (2014, p. 544) a teoria do risco se fundamenta na premissa de que:

Todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vicios ou defeitos dos bens ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como os critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos.

A responsabilidade civil nas relações de consumo visa sanar o inadimplemento dos deveres do fornecedor, baseado em alguns princípios disciplinados pelo CDC, como a reparação integral, a vedação de cláusula de não indenizar, o princípio da prevenção, o princípio da informação, o princípio da segurança.

O princípio da reparação integral está estampado no artigo 6º, inciso VI, do CDC, o qual dispõe a cerca da “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. Em consonância com o princípio da reparação integral se tem a cláusula que veda o afastamento do dever de indenizar prevista no artigo 25, caput, CDC “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”. Ademais, em caso de estipulação contratual de cláusula de exoneração, o CDC em seu artigo 51, inciso I, elenca como nula essa cláusula:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis (BRASIL, 2019).

O princípio da prevenção, que está posto no mesmo inciso do princípio da reparação integral, busca de evitar a ocorrência de novos danos, prevenir que os mesmos aconteçam. O movimento que mais ocorre, que demostra a plena aplicação deste princípio é o recall. Nesse sentido, o fornecedor após introduzir o produto no mercado de consumo, tendo conhecimento de alguma falha, chama o consumidor para a correção desta.

O princípio da informação segue o princípio da prevenção, no qual a informação busca a prevenção. seguindo o artigo 6º, inciso III, do CDC “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. Nesse sentido, Cavalieri Filho (2014, p. 546) afirma que,

No campo da responsabilidade civil do fornecedor, o dever de informar desempenha papel relevantíssimo. Por falta de informação adequada, o fornecedor pode responder pelo chamado risco inerente, assim entendido o risco intrinsecamente atado à própria natureza do serviço e ao seu modo de prestação, como, por exemplo, o risco de produtos tóxicos, tratamento médico com efeitos colaterais (quimioterapia), cirurgia de alto risco etc.

O princípio da segurança é o preponderante, pois ele assenta o sistema da responsabilidade civil nas relações de consumo. Ele busca que os produtos e serviços sejam o mais seguro possível. O consumidor ao comprar um produto ou adquirir um serviço, espera que o seu desfrute não lhe cause nenhum acidente de consumo. O risco se contrapõe com o dever de segurança (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 546). Uma vez que, o risco, por si só, não gera o dever de indenizar, mas quando esse violar o dever de segurança, surge o dever jurídico correspondente, enquadrado juridicamente, o qual enseja o dever da responsabilidade pelo fato do produto ou

serviço.

2.2.1 Responsabilidade pelo fato

A responsabilidade civil pelo fato decorre de um defeito do produto ou serviço, que seja objeto da relação de consumo, esse defeito acarreta um acidente de consumo, causando-lhe dano material ou moral. A tipificação de tal conduta está no artigo 12, caput, do CDC:

O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos (BRASIL, 2019, grifo nosso).

Cavalieri Filho (2014, p. 548) distingue fato de vício se utilizando do seguinte exemplo:

Se A, dirigindo seu automóvel zero quilometro, fica repentinamente sem freio, mas consegue parar sem maiores problemas, teremos aí o

vício do produto; mas se A não consegue parar, e acaba colidindo com

outro veículo, sofrendo ferimentos físicos, além de danos nos dois veículos, aí já será fato do produto. Se alguém instala uma nova televisão em sua casa mas esta não produz boa imagem, há vício do produto; mas, se o aparelho explodir e incendiar a casa, teremos um fato do produto (grifo do autor).

A responsabilização pelo fato se pauta no princípio de segurança, derivado da falha de concepção – criação, projeto ou fórmula – falha de produção. No qual por falha de concepção, ou seja, de criação, projeto ou fórmula. Falha de produção, na fabricação, construção ou montagem. Ou na comercialização o, por falta de informação, publicidade ou apresentação. Conduzam a um acidente de consumo, causando dano material ou moral, ou ambos. Extrapola o mau funcionamento do produto, causa repercussão externa ao produto (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 549).

Portanto, a responsabilização pelo fato decore por um acidente de consumo, no qual o consumidor adquire um produto ou serviço, mas esse por um defeito de segurança vem causar um acidente. Vale ressaltar podem ser vítimas do acidente de

consumo mesmo aqueles não integram a relação de consumo, basta o nexo de causalidade entre o defeito e o dano, são os consumidores equiparados.

Prescreve em cinco anos a busca da reparação do dano sofrido em decorrência de acidente de consumo, o início da contagem se dá a partir do conhecimento do dano e sua autoria, no entendimento do artigo 27 do CDC.

2.2.2 Responsabilidade pelo vício

A responsabilidade pelo vício do produto ou serviço, nasce por vícios de qualidade ou quantidade, que tornem o produto ou serviço impróprio ou inadequado para o consumo a que são destinados ou que lhe diminuam o valor. Cabe ressaltar que o vício faz parte de produto ou serviço defeituoso, todavia, o defeito não faz parte do produto ou serviço viciado.

A responsabilidade por vício do produto, de quantidade ou qualidade, pode ser classificado como de fácil constatação, que pode ser constatada logo após a tradição do produto, sendo estes não duráveis o consumidor tem o prazo decadencial de até 30 dias para reclamar o direito, sendo de duráveis o prazo decadencial é de 90 dias.

Entende-se por quantidade a falta de algo, ou seja, você adquiriu 1000 ml de algum produto e recebeu somente 800 ml. Já pela qualidade se entende que possa tornar impróprio, inadequados para o consumo ou que lhe diminua o valor.

Os vícios de que tratam o CDC são diferentes do vicios redibitórios de que trata o Codigo Civil. O CDC trata de vicios aparentes e ocultos não medindo sua gravidade, por outro lado, o Código Civil trata os vícios redibitórios, os vicios ocultos como devendo ser graves.

Diante de um vício na relação de consumo, a responsabilidade é solidaria entre os fornecedores, podendo o consumidor acionar qualquer um deles. Essa solidariedade só não se consuma em produtos in natura, os quais não passam por processo de industrialização. Neste caso, responderá somente o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente o produtor.

Na responsabilidade pelo vício do produto, o fornecedor tem o dever de ressarcir o consumidor, no prazo máximo de trinta dias, em caso de não o fazer, o consumidor pode alternativamente escolher, as alternativas do artigo 18, § 1º, do CDC:

Art. 18 [...]

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço (BRASIL, 2019).

A responsabilidade por vício do serviço é disciplinado pelo artigo 20 do CDC, o qual também pode ser por quantidade ou qualidade. Todavia, o artigo citado só se colocou o vício de qualidade, mas entendesse que pode se haver o vício de quantidade no serviço também, refletindo a disparidade de entrega do contratado. Os incisos I, II e III, do artigo 20 do CDC, colocam as exigências que o consumidor pode fazer em caso de vício no serviço:

Art. 20 [...]

I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço (BRASIL, 2019).

A partir da constatação do vício do produto ou serviço, brota a pretensão do direito a resolução do negócio jurídico, por isso o prazo é decadencial. No vício de fácil constatação, sendo de produtos não duráveis o prazo para a pretensão do direito será de 30 dias, já para produtos duráveis, o prazo será de 90 dias, com fundamento no artigo 26, inciso I e II, do CDC, respectivamente.

No que tange ao vício oculto, a fruição do prazo só se inicia com a constatação do vício. Cavalieri Filho (2014, p. 586) ensina que o vício oculto “é aquele que não pode ser percebido desde logo, que só vem a se manifestar depois de um certo tempo de uso do produto ou da fruição do serviço, mas dentro do período de vida útil”.

Os prazos decadenciais para a busca da pretensão do direito são os mesmos para vício aparente e para vícios ocultos, o que difere é o início da fruição do prazo, sendo vício de fácil constatação a fruição se dá de imediato, sendo vício oculto a partir da sua constatação. O artigo 26, § 2º, incisos I e III, do CDC, ainda coloca duas formas de interrupção da decadência:

Art. 26 [...]

§ 2° Obstam a decadência:

I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca; III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento (BRASIL, 2019).

A decadência em regra não se suspende, todavia, se tratado na perspectiva de proteção do CDC, o legislador fez com que desse diploma aceitasse a suspensão.

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