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RESPONSABILIDADES COMUNS, PORÉM DIFERENCIADAS

CAPÍTULO IV: O PRINCÍPIO DA SOBERANIA NA CONVENÇÃO SOBRE

2. OS PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE E A

2.1 RESPONSABILIDADES COMUNS, PORÉM DIFERENCIADAS

Equilibrar o direito soberano e a responsabilidade dos Estados com a proteção do meio ambiente para a atual e futuras gerações, é a tarefa primordial do DIMA.384 Neste sentido, os programas ambientais multilaterais devem definir as responsabilidades estatais, respeitar o direito soberano e garantir que a interdependência viabilize benefícios eqüitativos às partes.385

O Princípio da Responsabilidade do Estado, bastante conhecido pelos estudiosos do Direito Internacional, ganha uma nova característica quando introduzido no âmbito do Direito Internacional do Meio Ambiente. No final dos anos oitenta, por insistência dos países em desenvolvimento, foram estabelecidos critérios diferenciados para os países desenvolvidos e em desenvolvimento equacionarem os problemas ambientais globais.

A Declaração do Rio foi além do estabelecido pela Declaração de Estocolmo, ao determinar que os Estados devem cooperar para garantir a qualidade do

383 KISS, Alexandre. Introduction au Droit International de l´Environnement.Op. cit. p. 80-104. 384 Antes a independência dos Estados era balizada somente pelo limite territorial e neste espaço o Estado

poderia desenvolver as atividades que desejasse sem considerar as conseqüências para os Estados vizinhos. Contemporaneamente, se considerou que as conseqüências das catástrofes ambientais ultrapassam os territórios dos Estados atingindo não só os Estados vizinhos, mas também aqueles distantes e por isso a soberania deveria ser limitada, principio 2 da Declaração do Rio. Sobre a responsabilidade internacional do Estado.

385 Por exemplo, o Decreto n. 2241 de 1997. Promulga o Acordo sobre cooperação em Matéria

Ambiental, celebrado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República oriental do Uruguai, em Montevidéu, em 28 de dezembro de 1992.

meio ambiente, mas devido ao diferente grau de dano ambiental praticado por cada Estado e da sua capacidade econômica, as responsabilidades devem ser distintas, no tocante à conservação, proteção e reabilitação do ecossistema mundial. Os países desenvolvidos reconhecessem sua responsabilidade histórica e a pressão que suas sociedades exercem sobre o meio ambiente.

O Princípio 7 da Declaração do Rio386 expõe que os Estados têm responsabilidades comuns, porem diferenciadas e devem cooperar para minimizar os danos ambientais, considerando as diferentes atividades que exerceram para degradar o meio ambiente global. O texto do princípio, na integra, expõe:

Os Estados devem cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as distintas contribuições para a degradação ambiental global, os Estados têm responsabilidades comuns, porem diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que têm na busca internacional do desenvolvimento sustentável, em vista das pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e das tecnologias e recursos financeiros que controlam. (grifo nosso)

O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas inclui dois elementos importantes. O primeiro é a responsabilidade comum dos Estados para conservar os recursos naturais e promover o desenvolvimento sustentável. O segundo relaciona-se a necessidade de se considerar as discrepâncias em relação à capacidade dos Estados para reduzir as ameaças e solucionar os problemas ambientais.387

386 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento: Relatório da Delegação Brasileira. Brasília: Fundação Alexandre

Gusmão, 1993. p. 140

387 SWANSON, Timothy; JOHNSTON, Sam. Global Environmental Problems and International

O Embaixador Everton Vieira Vargas388 explica que o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, em relação à proteção do meio ambiente e uso sustentável dos recursos naturais, deve procurar transformar os métodos de consumo e produção industrial dos países desenvolvidos e, concomitantemente, melhorar a situação dos países em desenvolvimento.

Kiss e Shelton389 atestam que tal princípio encontra-se firmado na maioria das convenções internacionais, tais como: Convenção da Basiléia (1989), Protocolo de Montreal (1987, emendado em 1992), Convenção sobre Diversidade Biológica (1992) e Convenção sobre Mudanças Climáticas (1992).

A Convenção sobre Diversidade Biológica adota-o no princípio 5, ao afirmar que: os Estados -Partes devem, na medida do possível, cooperar com os demais em áreas sob sua jurisdição e, além delas, para conservar e promover a utilização sustentável da biodiversidade.

Portanto, é importante assinalar que a conservação da diversidade biológica está condicionada às diferentes capacidades dos Estados, na aplicação do princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas.390 Em sua dimensão econômica, aludida responsabilidade supõe que Estados desenvolvidos devem assumir maiores obrigações que o resto da comunidade internacional.391

Da analise dos artigos 3, 6, 8 e 10 da Convenção da Biodiversidade, depreende-se que a soberania nacional precisa ser exercida, levando-se em consideração

388 VARGAS, Everton Vieira. O meio ambiente como tema de política externa. Revista de Economia e

Relações Internacionais. Vol. 2, n. 4, 2004. P.118-135. P. 124.

389 KISS, Alexandre. SHELTON, Dinah. Évolution et principales tendances du droit international de

l´environnement. Genève: Institut des Nations Unies pour la formation et la recherche, 1999. p.27

390 Este princípio não está expressamente identificado na CDB, mas foi enunciado na Declaração do Rio e

na Convenção - Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (artigo 3.1).

as responsabilidades definidas. Durante reunião na COP 1, em Nairobi, Sánchez392

destacou em seu discurso que: a Convenção sobre Diversidade Biológica reconheceu os direitos soberanos dos Estados e sua responsabilidade na conservação e uso sustentável dos recursos naturais.

Na perspectiva de Wold393, quatro componentes fundamentais integram o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciada do Estado, quais sejam:

o reconhecimento de que as atividades econômicas, praticadas pelos países desenvolvidos, acarretam maiores danos ao meio ambiente que as atividades desenvolvidas pelos países em desenvolvimento;

o reconhecimento de que os países desenvolvidos possuem maiores recursos econômicos, tecnológicos e científicos, em relação aos demais países, para solucionar os problemas;

reconhece a flexibilidade das disposições dos Tratados de Acordo com a capacidade técnica de implementação e a disponibilidade de recursos financeiros dos Estados;

o reconhecimento de que determinados países têm maior responsabilidade na implementação de atividades mitigadoras dos danos ambientais, que outros.

A gradação entre as responsabilidades dos Estados contraria o princípio da igualdade soberana destes? Por todos os argumentos apresentados, o

392 Texto original: “El Convenio sobre la Diversidad Biológica era el resultado de negociaciones difíciles

y de gran alcance sobre el destino de los recursos biológicos. Reconocía los derechos soberanos de las naciones pero, al mismo tiempo, planteaba las responsabilidades que tales derechos entrañaban con respecto a la conservación y el uso sustentable de dichos recursos naturales.” (CONFERENCIA DE LAS PARTES EN EL CONVENIO SOBRE LA DIVERSIDAD BIOLOGICA. Informe del Comite Intergubernamental del Convenio sobre la Diversidad Biologica. UNEP/CBD/COP/1/16. 7 de Noviembre de 1994.)

princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas consagra as desigualdades econômicas, tecnológicas e científicas entre os Estados, mas assegura que todos são responsáveis pela conservação do meio ambiente.

Falando-se em responsabilidade, Badie acrescenta que

o Estado antes de ser soberano, é responsável, e essa responsabilidade não designa apenas seu espaço de soberania, mas toda a comunidade humana, igual e fortemente interdependente diante dos perigos ecológicos”.394

Com fulcro na afirmação acima, uma pergunta se faz indispensável: a CBD, realmente, coloca a responsabilidade dos Estados antes da independência? Cristalinamente se constata que as Partes, apesar de declararem a soberania do Estado, não permitiram a exploração ilimitada de seus recursos, impondo uma barreira invisível, por meio da qual não é permitido ultrapassar as conseqüências da exploração sustentável da biodiversidade realizada.

Contudo, o texto da Convenção não impõe sanções ao descumprimento dos seus preceitos e, durante as negociações, o ponto focal era garantir a soberania e com ela o desenvolvimento econômico dos PED, mediante a exploração da sua biodiversidade. Além do que, se por meio de um tratado, como é o caso da CDB, os Estados cedem parte do seu poder soberano ao submeter-se ao regime internacional, certo é que o fazem soberanamente.

A complexidade em conciliar a soberania e a responsabilidade dos Estados, levou a Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania dos Estados a elaborar um informe, baseado no consenso político mundial, acerca da responsabilidade de proteger as Nações. A versão final do documento baseou-se na idéia de que

394 BADIE, Bertrand. Da soberania à competência do Estado. In: SMOUTS, Marie- Claude. As novas

los Estados soberanos tienen la responsabilidad de proteger a sus propios ciudadanos de las catástrofes que pueden evitarse de los asesinatos masivos, las violaciones sistemáticas y la inanición– pero que si no quieren o no pueden hacerlo, esa responsabilidad debe ser asumida por la comunidad de Estados.395

A independência externa constitui um pilar fundamental na concepção dos Estados e da viabilidade do Direito Internacional, pois proporciona a igualdade jurídica entre os Estados, minimizando as outras disparidades. Nesse mesmo sentido, se posicionou o Relatório La Responsabilidade de Proteger, ao destacar que “em um mundo perigoso que se caracteriza por grandes desigualdades de poder e de recursos, a soberania é, na maioria das vezes, aparentemente a única defesa de muitos Estados”.396

A partir dessa premissa, cabe lembrar que a evolução do DIP tem restringido consideravelmente a liberdade de ação das nações, não só no âmbito dos direitos humanos, mas também perante o DIMA. Durante a consulta mundial da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania, sobre o tema, nenhum participante defendeu a soberania ilimitada dos Estados, e até os mais fieis defensores da soberania, corroboram em considerá-la limitada. 397

Ao final, constatou-se que a soberania como responsabilidade passou a ser um requisito mínimo para que os Estados sejam considerados bons cidadãos da comunidade internacional398. Em suma, se reconhece que a soberania dos Estados restringe-se diante de duas responsabilidades principais: o dever externo de respeitar a

395 COMISIÓN INTERNACIONAL SOBRE INTERVENCIÓN Y SOBERANÍA DE LOS ESTADOS

(ICISS - ONU). La responsabilidade de proteger. 2001. Disponible em: <http://www.relacionesinternacionales.info/RRII/N3/documento3.pdf>. Acesso em: 18 de agosto de 2005.

396 Texto original: “en un mundo peligroso que se caracteriza por abrumadoras desigualdades de poder y

recursos, la soberanía es la mejor, y a veces aparentemente la única, defensa de muchos Estados”. (Ibid)

397 Ibid. 398 Ibid.

soberania dos outros Estados e o dever interno de garantir os diretos básicos e a dignidade da sua população.