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A resposta imune que se segue à infecção pelo T. cruzi é essencial para a resistência do hospedeiro, mas também é responsável em parte pelas diversas manifestações patológicas observadas na doença de Chagas. O parasito sensibiliza diferentes setores do sistema imune, produzindo resposta celular e humoral específicas (BRODSKYN & BARRAL-NETO, 2000). A identificação dos mecanismos relacionados à indução da resposta imune durante a infecção é essencial para a compreensão da história natural da doença de Chagas.

A ativação policlonal de linfócitos B no início da infecção induz a produção de imunoglobulinas pertencentes a várias classes. Na fase aguda da doença em humanos, grande parte da resposta humoral induzida está direcionada a glicosilfosfatidilinositol ancorados em mucinas (GPI mucinas) localizadas na superfície de tripomastigotas. Nessa fase, anticorpos IgM e IgG são amplamente detectados. A maior parte desses anticorpos reconhece epitopos de galactosyl 1-3galactose (Gal 1,3Gal), que estão presentes nas GPI mucinas.

ANTAS et al. (1999) classificaram a fase aguda da doença de Chagas como inicial, intermediária e tardia em crianças de 2 a 15 anos de idade, verificando os níveis de anticorpos anti-Gal 1,3Gal IgG (Gal), IgM e IgG específicos anti-T. cruzi por meio da

técnica de ELISA. A fase inicial da infecção aguda apresentou reatividade apenas para IgM, enquanto na fase intermediária três possibilidades foram encontradas: (i) IgM e Gal reativos e IgG não reativo; (ii) IgM e IgG reativos e Gal não reativo; e (iii) IgM, IgG e Gal reativos. Na fase tardia IgG e Gal foram reativos e IgM não reativo. A associação do anticorpo IgG anti-Gal com a sorologia específica possibilitou a detecção mais precisa da fase aguda da doença de Chagas, sugerindo a possibilidade do uso desse anticorpo na detecção de infecções recentes, pelo menos em áreas endêmicas.

UMEZAWA et al. (1996 a) utilizaram soros de pacientes com infecção chagásica nas fases aguda e crônica testando quatro frações antigênicas de T. cruzi para a detecção de anticorpos IgG, IgM e IgA. Análises feitas por ELISA e imunoblotting demonstraram que a proporção de IgG reagente com antígenos de superfície de tripomastigotas foi mais elevada em pacientes agudos, e o oposto foi verificado com os antígenos internos. Os soros de fase aguda apresentaram maior porcentagem de IgG reativa a epitopos de carboidratos Gal 1,3Gal expressos na superfície de tripomastigotas

assim como IgM, produzindo 100% de positividade quando antígenos de superfície, íntegros e secretados foram utilizados.

Nos seres humanos, quatro subclasses de imunoglobulina G (IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4) são produzidas, e tal produção parece ser induzida por diferentes citocinas (KAWANO et al., 1994). Alguns estudos indicam que a produção das subclasses IgG1 e IgG3 é auxiliada pela indução de citocinas anti-inflamatórias (IL-4, IL-5, IL-10 e TGF-ß), enquanto citocinas com perfil inflamatório (IL-12, INF- , TNF- ) induziriam a produção de IgG2 (BRIERE et al., 1994; REED & SCOTT, 1993). Experimentos in

vitro já demonstraram que IFN-γ inibe a produção de IgG1 e eleva a secreção de IgG2

por antagonizar a síntese de IgG1 mediada por IL-6 e auxiliar IL-6 na produção de IgG2 (KAWANO et al., 1994). Estes dados corroboram o trabalho de FINKELMAN et al. (1990), que descreveram que o IFN-γ pode suprimir IgG1 e estimular IgG2a, mas IL-4 parece não ser requerida para a produção de IgG1 in vivo.

Quantitativamente, as concentrações relativas de tais imunogobulinas nos soro são IgG1>IgG2>IgG3>IgG4. Essas quatro subclasses apresentam mais de 95,0% de homologia nas suas seqüências de aminoácidos das cadeias pesadas, sendo encontradas suas principais diferenças estruturais na região de dobradiça. A subclasse IgG2 pode apresentar como função a opsonização de parasitos, levando a sua destruição seja pelo mecanismo de lise mediada por Complemento ou pela fagocitose feita por macrófagos tendo, portanto, uma participação importante nos mecanismos de proteção humoral ao longo da infecção. As subclasses IgG1 e IgG3 parecem não ativar o Complemento, mas podem se ligar a receptores de células fagocitárias, sendo envolvidas na defesa dos hospedeiros mediada por célula.

A utilização de preparações antigênicas derivadas de formas epimastigotas de

T. cruzi para avaliar a reatividade de subclasses de IgG revelou títulos elevados de IgG1

e IgG3 em soros de pacientes na fase crônica de infecção classificados em diferentes formas clínicas (CERBAN et al., 1993; MORGAN et al., 1996).

CERBAN et al. (1993) não observaram diferença nos níveis de IgG1, IgG2 e IgG3 entre indivíduos portadores de diferentes formas clínicas da doença utilizando duas fontes antigênicas distintas. Foi observada em todos os diferentes grupos de pacientes, a predominância de níveis mais elevados de IgG1 e IgG3, seguidos de níveis mais baixos de IgG2 e IgG4 quando epimastigotas foram usados como antígenos. Para a fração antigênica citosólica de T. cruzi os níveis de IgG1 foram mais elevados em todos os diferentes grupos de pacientes.

Entretanto, MORGAN et al. (1996) utilizando formas epimastigotas como antígeno na técnica de ELISA, ao avaliarem 73 pacientes de uma área endêmica de Minas Gerais, que apresentavam as formas clínicas indeterminada, cardíaca, digestiva e mista, com idades variando entre 20 e 84 anos, obtiveram níveis mais elevados de anticorpos IgG2 nos soros dos pacientes portadores de formas clínicas cardíaca e cardio- digestiva quando comparados com indivíduos não infectados e com aqueles apresentando forma indeterminada da doença.

Expandindo o estudo anterior, MORGAN et al. (1998) avaliaram os mesmos pacientes infectados cronicamente com diferentes manifestações clínicas da doença de Chagas através de uma análise feita por western blot. Foi observado que a ligação de alguns antígenos particulares pelos isotipos de anticorpos era mais prevalente em alguns grupos de formas clínicas, quando comparado com outros. Os perfis de antígenos reconhecidos pelos anticorpos eram distintos, considerando IgG1, IgG2, IgG3, IgM e IgA. Um grande número de bandas distintas foi encontrado para o isotipo IgG1 nos grupos com diferentes manifestações clínicas. Entretanto poucas bandas foram detectadas para os outros anticorpos. Foi ainda verificada uma predominância de IgG3 nas formas indeterminada e digestiva, IgG2 na forma cardíaca e IgM na forma indeterminada.

A avaliação de pacientes na fase crônica da infecção por ZAUZA et al. (2001) evidenciou uma associação direta entre os níveis de IgG e a progressão de cardiopatia chagásica, indicando que a resposta imune humoral está diretamente relacionada à evolução dessa forma clínica da doença.

A análise da reatividade de subtipos de IgG anti-T. cruzi em cardiopatas chagásicos crônicos, indicou que os níveis de IgG1 e IgG2 foram consideravelmente mais elevados, seguidos de IgG3 e de níveis ainda mais baixos de IgG4. No grupo de pacientes avaliado foi possível verificar uma tendência de associação entre níveis de IgG2 mais elevados e presença de cardiomegalia severa (HERNANDEZ-BECERRIL et al., 2001).

CORDEIRO et al. (2001) avaliaram o perfil de subclasses de IgG presente na sorologia convencional (SC) e na pesquisa de anticorpos anti-tripomastigotas vivos (AATV) detectados por imunofluorescência indireta e citometria de fluxo respectivamente, em soros de pacientes com infecção chagásica crônica portadores das formas indeterminada (IND), cardíaca (CARD) e digestiva (DIG) da doença. As subclasses IgG1 e IgG2 foram os principais anticorpos encontrados na SC, enquanto

IgG1 e IgG3 foram predominantes na pesquisa de AATV. Os baixos níveis de IgG1 e IgG3 na pesquisa de AATV estavam associados aos pacientes com a forma CARD e os elevados níveis de IgG1 na pesquisa de AATV foram detectados principalmente, em pacientes apresentando a forma IND da doença. A reatividade de IgG2 anti- epimastigotas foi mais elevada em pacientes com a forma indeterminada e cardíaca.

MICHAILOWSKY et al. (2003) utilizaram antígenos de proteínas de flagelos de T. cruzi para avaliar a resposta imune humoral e celular em pacientes com doença de Chagas crônica apresentadores de diferentes formas clínicas, e verificaram que IgG1 e IgG3 foram as principais imunoglobulinas detectadas. Em relação à resposta celular, os resultados do estudo indicaram que os linfócitos T CD4+ são as principais fontes de IFN- quando estimulados por antígenos do parasito in vitro.

Em um trabalho recente realizado em nosso laboratório, foi verificado que diferentes níveis de IgG, IgG1, IgG2a e IgG2b em camundongos infectados com diferentes clones de T. cruzi, estavam associados ao genótipo do parasito presente e com a fase da infecção. De forma geral, a infecção com T. cruzi I induziu altos níveis de todas as subclasses em ambas as fases da infecção, em comparação a linhagem de T.

cruzi II (SANTOS, 2007).

O uso de antígenos flagelares (FRA) e citoplásmicos (CRA) de T. cruzi para a análise do perfil de subclasses de IgG em pacientes apresentando diferentes formas clínicas, indicou que IgG2 anti-FRA foi detectado em níveis mais elevados no grupo cardíaco. Esse resultado sugere o uso potencial dessa subclasse para prognóstico, monitoração da progressão da doença e avaliação do fator de risco de dano cardíaco (VERÇOSA et al., 2007).