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RESSILABIFICAÇÃO, DESLOCAMENTO DE ACENTO E READEQUAÇÃO RÍTMICA EM MANXINERU

CAPÍTULO I 1 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA

FONE ALTURA DO FORMANTE 1 (F1) ALTURA DO FORMANTE 2 (F2) DURAÇÃO

5.4 RESSILABIFICAÇÃO, DESLOCAMENTO DE ACENTO E READEQUAÇÃO RÍTMICA EM MANXINERU

Diferentemente do postulado por Matteson (1965) e Sebastián (2006) para o Piro e por Silva (2013) para o Manxineru, sustentamos a hipótese, como já mencionada anteriormente, de que há mudança na qualidade do segmento vocálico, pois ela já existe na palavra, ao contrário do que foi postulado por esses outros autores, umas vez que eles afirmam que há inserção de vogais nas sílabas, configurando-se em caso de epêntese.

Assim, a nossa hipótese é de que fatores morfofonológicos e morfossintáticos, assim como a manutenção do padrão de acento provocam fenômenos como: apagamento, ensurdecimento, redução, enfraquecimento, alongamento compensatório, vocalização e harmonização dos segmentos vocálicos. Em alguns casos, esses fenômenos provocam a ressilabificação e deslocamento de acento nas palavras do Manxineru.

A junção morfofonológica provoca, entre outros fenômenos, a ocorrência de vogais muito reduzidas, como uma vogal bem curta, ou como uma aspiração, em algumas ocorrências, principalmente em contexto que as vogais estejam entre e/ou seguida de consoantes obstruintes surdas, conforme veremos mais detalhadamente no Capítulo VIII. Por enquanto, daremos exemplos dentro dos moldes da Fonologia Métrica (HAYES, 1995, 1981).

Descrevemos em seguida, algumas palavras que evidenciam o processo de ressilabificação, adequação rítmica e deslocamento de acento na língua Manxineru à luz de Hayes (1981, 1995). Processos esse que são muito comuns nessa língua, principalmente pela sua tipologia polissintética e aglutinante (cf. AIKHENVALD, 1999b; CAMPBELL; GRANDONA, 2012).

Nesse sentido, verificamos que:

(i) os fonemas /j/ e /w/ se ressilabificam, se ralizando como núcleo silábico da sílaba seguinte, respectivamente, como [i] (295), ou da sílaba precedente [u] (296); (ii) os fonemas /j, h, m, n, ç, ʃ/ passam da posição de onset para a posição de coda

silábica da sílaba anterior (287-290, 292, 293 e 297);

(iii) o fonema nasal /n/ se alonga e se torna núcleo de sílaba (294); (iv) consoante oclusiva /t/ se funde à sílaba seguinte (291);

(v) o fonema /w/ passa da posição de onset simples para onset complexo superficial (298).

Exemplos:

(286) /ha.po.ka/ ‘chegar’, ‘ele chegou’ + /-na/ PL → *[ɾa.pu.kə̃nɐ] ‘eles chegaram’ → [ɾa.pu.kə̃.nɐ] ‘eles chegaram’

Assim temos:

a. ( x ) b.* ( x ) c. ( x ) (●) (x ●) (●) (x ●) (●) (x ●) < >

σ σ σ σ σ σ σ σ σ µ µ µ µ µ µµ µ µ µ µ /ha. po. ka/ [ɾa. pu. kə̃na] [ɾa. pu. kə̃. na]

(287) /ni-/ ‘1S’, + /-ni.ka/ ‘ comer’ + /ja/ LOC → [niːkja ] ‘eu comi lá’

Assim temos:

a. (x ) → b. (x ) (x ●) (x ● )

σ σ σ σ µ µ µµ µµ /ni. ka/ [niː. kjɐ]

(288) /ka.na.ma.ta.ʃa/ ‘magro’ + /ka.ka/ intesificador ‘muito’ → [ka.nə̃m.taʃ.ka.kɐ] ‘muito magro’, ‘magérrimo’

a. ( x ) b. ( x ) (●) (x ●) (x ●) (●) (x ●) (x ●)

σ σ σ σ σ σ σ σ σ σ µ µ µ µ µ µ µµ µµ µ µ /ka. na. ma. ta. ʃa/ [ka. nə̃m. taʃ. ka. kɐ]

(289) /hi-/ 3S.M + /-makahi-/ tema do verbo ‘continuar’ → [hõm.ka.hĩ] ‘ele continua’

Assim temos:

a. ( x ) b. ( x )

(●) (x ●) (●) (x ● )

σ σ σ σ σ σ µ µ µ µµ µ µ /ma. ka. hi/ [hõm. ka. hĩ]

(290) /ha.ha.mɨ.na/ ‘árvore’ + /çe.pi-/ tema para ‘orelha’ → [hə̃h.mɨ̃.na.çɛ.pi] ‘orelha- de-pau’ Assim temos: a. ( x ) b. ( x ) (x ●) (x ●) (x) (x ● ) (x ●) σ σ σ σ σ σ σ σ σ µ µ µ µ µµ µ µ µ µ

/ha. ha. mɨ. na/ [hə̃h. mɨ̃. na. çɛ. pi]

O exemplo (286) serve para demonstrarmos, não necessariamente um processo de ressilabificação, mas sim que a realização de vogais reduzidas poderia nos levar a interpretação e/ou configuração descrita em (286b), como postulado em outros trabalhos, por exemplo, Matteson (1965), Hanson (2010) e Silva (2013), que consideram essas realizações invisíveis para a formação da sílaba. Entretanto, à luz da teoria métrica que adotamos, pensamos

que é melhor interpretar essas realizações como descrito em (286c) (cf. também afirma LIN, 1997).

O exemplo (287) mostra que o acréscimo do morfema locativo {ja} à base verbal, acarreta a queda da vogal /a/ da última sílaba da palavra base, formando, assim, uma sílaba complexa (kja.). Além disso, há o alongamento da vogal da primeira sílaba, que aumenta o seu peso como forma de se manter o acento nesta sílaba.

No exemplo (288), ocorreram duas ressilabicações, pois há o apagamento da vogal da sílaba (ma.). O que faz o /m/ deixar de ser onset da sílaba da palavra base para ser coda da sílaba anterior, provocando a realização de uma sílaba de padrão superficial (CVC). O mesmo processo ocorre com a cosoante /ʃ/ da sílaba (ʃa.). A palavra derivada, por regra morfológica e rítmica, cria um pé degenerado (cf. HAYES, 1995, 1981). O mesmo processo ocorre no exemplo (289) com a consoante /m/, porém o que provoca essa mudança é o acréscimo do prefixo pessoal monossilábico {hi-} e não o acréscimo de um sufixo dissilábico, como em (289). O exemplos (290) mostra que a junção de dois temas provoca a queda da vogal /a/, da primeira palavra, acarretando a ressilabificação do /h/, que passa de onset da segunda sílaba para coda da primeira sílaba, formando, assim, um pé métrico degenerado. Como se trata de palavras com acento próprio, na composição, o acento principal se mantém na penúltima sílaba da segunda palavra, pois o sistema prosódico do Manxineru não permitiria acento em sílaba antes da penúltima sílaba, pois mesmo que a última sílaba fosse invisível para Métrica, o acento não ficaria na penúltima sílaba.

(291) /to-/ ‘3S.F’ + /ʃi.ma/ ‘peixe’ + /-ne/ PL → *[t.ʃĩ.mɘ.ne] → [tʃĩ.mɘ̃.ne] ‘peixe dela’

Assim temos:

a. *( x ) b. (x ) < > (x ●) (x ●) (x ●)

σ σ σ σ σ σ σ µ µ µ µ µ µ µ

(292) /pa.na.tʃi/ ‘casa’ + /ja/ Locativo que indinca ‘direção a’ → [pə̃n.tʃjɐ] ‘em direção a casa’ Assim temos: a. (x ) b. ( x ) (x ●) < > (x ●) σ σ σ σ σ µ µ µ µµ µµ

/pa. na. tʃi/ [pɘ̃n. tʃjɐ]

O exemplo (291) mostra que, ao acrescenta dois afixos (prefixo e sufixos) simultaneamente, acarreta, no caso específico, a queda da vogal da sílaba inicial do prefixo possessivo (genitivo), o que promove a fusão da obstruinte /t/ com a soante /ʃ/ da sílaba seguinte, formando assim um som africado, em posição de onset da sílaba, promovendo ainda um um pé métrico com sílaba extrassilábica, pois o acento permanece na sílaba inicial. A posição nesta sílaba também é possível pela redução do tempo da vogal da penúltima sílaba, que normalmente tem a preferência para receber o acento principal.

No exemplo (292), podemos verificar que duas sílabas são ressilabificadas. Há o apagamento da vogal [a] da segunda sílaba (na.), que é ressilabificada, tornado o /m/ como coda da sílaba anterior. O apagamento do [i] da terceira sílaba (tʃi.) provoca a ressilabificação de duas sílabas simples (tʃi. e ja.) que se tornam uma única sílaba complexa e/ou pesada (tʃja.).

(293) a. /hi-/ NEG + /-hi-/ 3S.M + /kow.tʃwa.ʃe.ta/ ‘pescar’ → [hĩh.kow.tʃwa.ʃɛː.tɐ] ‘ele não pescou/pegou’

Assim temos:

a. ( x ) b. ( x ) (x) (x ●) (x) (x ●) (x ●)

σ σ σ σ σ σ σ σ µµ µµ µ µµ µµ µµ µµ µ

/kow. tʃwa. ʃe/ [hĩh. kow. tʃwa. ʃɛ:. tɐ]

O exemplo (293), ao derivar uma nova palavra com o acréscimo de dois morfemas, a língua cria mecanismos de ressilabificação, provocados principalmente pelas junções afixais e pela manutenção de ritmo e de acento, assim, o /h/ da segunda sílaba, no caso específico de (293), é ressifabificada, ao se elidir à vogal /i/ do morfema de 3S.M {hi-}, o que acarreta a perda de mora e também a dependência silábica, passando /h/ a ser coda da primeira sílaba por regra rítmica. Outro ponto importe é que, na palavra derivada, há a manutenção do acento principal na penúltima sílaba, porém, para evitar o choque de acento, pois a palavra base tem três sílabas pesadas em posição pretônica, o que acarreta o recurso de AC (LIN, 1997; HAYES, 1995) da vogal /e/ da penúltima sílaba, que era inicialmente uma sílaba leve e, monomoraica (µ), passa a ser também uma sílaba pesada e bimoraica (µµ) (e/ou ramificada) para que se possa receber o acento principal pela regra de ritmo. Esse é um recurso produtivo na língua Manxineru. Os exemplos de (293) mostra também que nem sempre a sílaba que sobra na formação do pé degenerado é fraca, mas, em alguns casos, são sílabas pesadas e fortes.

(294) /no-/ 1S + /kaʃiɾitwa/ ‘arco’ + /-ne/ PL + /-te/ POSS → [ˌnː.ka.ˌʃi.ɾi.ˌtu.ɐ̃.ˈne.te] ‘meus arcos’ Assim temos: a. ( x ) (x ●) (x ●) (x ●) (x ●) σ σ σ σ σ σ σ σ µ µ µ µ µ µ µµ µ [n̩ ː. ka. ʃi. ɾi. tu. ɐ̃. neː. te]

Podemos verificar em (294) que a vogal /o/, da primeira pessoa possessivo do singular, é eliminada na juntura da fronteira morfológica, o que promove a passagem do /n/, que de coda, para a posição nuclear ([n̩ ː.]) da nova sílaba.. Também, com o acréssimo de dois sufixos à palavra base, ocorre a ressilabificação do /a/, que formava na sílaba precedente o padrão (CV), que passa agora a compor um outra sílaba sozinha de padrão (V). Há ainda não só a vocalização da consoante /w/, que se realiza como /u/, mas agora na posição nuclear da sílaba, como também o deslocamento do acento para a penúltima sílaba da palavra derivada, provocando ainda o alongamento da vogal ([eː]) dessa sílaba, o que evidencia que as sílabas em posição de acento tendem a serem mais longas que em outras posições. Ou seja, o sistema tende a manter o acento nessa sílaba, e para isso ele aumenta a mora nessa posição para marcar esse padrão (cf. LIN, 1997).

(295) /-mjo-/ tema para ‘mão’ + /no-/ 1S.POSS → [nõ.mju] ‘minha mão’ + /-tʃi/ → [mi.oʃ.tʃi] Assim temos: a. (x ) b. ( x ) (x ●) (●) (x ●) σ σ σ σ σ µµ µµ µ µ µ [nõː. mju] [mi. oʃ. tʃi]

No exemplo (295), ao se juntar morfemas à base, ocorre a ressabilificação, evidenciado em (295b), em que o ditongo é desfeito, assim a sílaba que era ramificada (cf. CLEMENTS; HUME, 1995), ou seja, padrão CVC passa a se realizar como CV, na primeira sílaba e o segmento [o] forma uma nova sílaba juntamente com a inserção da consoante [ʃ] para evitar que ocorra uma sílaba (V), que foneticamente tem realização muito restrita e que inexiste fonologicamente. Assim, essa consoante assume a posição de coda da sílaba (VC), formando, ainda, na derivação, um encontro consonantal hetorossilábico. Além disso, a ressilabificação promove uma estrutura silábica em (VC), que é raro na língua, como podemos verificar na penúltima sílaba de (295b). Também podemos verificar que o /j/ da sílaba (mjo) do exemplo (295a) passa de posição de coda para a posição nuclear da palavra

ressilabificada, se realizando foneticamente como [i]. Verificamos ainda, no exemplo (295a), que há o alongamento do [oː] da primeira sílaba para manter o acento em sílaba pesada, uma vez que a última sílaba també é pesada, assim é possível manter o acento canônica do Manxineru.

(296) /kaj.we/ ‘cachorro’ + /ho.ʃa.ha/ ‘floresta’ → [ka.ju.hõ.ʃa.hə̃] ‘lobo’

Assim temos:

a. (x ) b. ( x ) < > (x ●) (x ●) (x ●)

σ σ σ σ σ σ σ µµ µ µ µ µ µ µ /kaj. we/ [ka. ju. hõ ʃa hə̃]

O exemplo (296) mostra que, com a junção de duas palavras livres, ocorre a mudança de /j/, em posição de coda, para posição de onset da sílaba seguinte. Além disso, a consoante /w/, em posição de onset, que compõe a estrutura da última sílaba da primeira palavra, no processo de ressilabificação, passa a compor, agora em posição de núcleo, a sílaba imediatamente à esquerda. Esse processo provoca ainda uma sílaba invisível para a contagem métrica.

(297) /ɾa-/ ~ /ha-/ 3S.M + /-ʃi-/ tema para ‘coração’ → [ɾa.ʃi] ‘coração dele’. Porém na formação /-ʃi-/ + /-tʃi/ ABS + /-ne/ PL → [hɘ̃ʃ.tʃĩ.ne]

Assim temos:

a. (x ) b. ( x ) (x ●) (●) (x ●)

σ σ σ σ σ µ µ µµ µ µ /ɾa. ʃi/ [hɘ̃ʃ. tʃĩ. ne]

O exemplo (297a) evidencia que o acréscimo do prefixo não altera a sílaba do tema na derivação, porém, ao se acrescentar os sufixos {-tʃi} e {-ne} (297b), há o processo de ressilabificação da sibilante /ʃ/, que se une à sílaba imediatamente anterior, formando com ela uma sílaba pesada, mas agora em posição de coda e não de onset. Além disso há o deslocamento do acento para a penúltima sílaba da palavra, para manter o padrão acentual canônico da língua.

(298) /ɾe.ta/ ‘ele vê’ + /-wɨ/ 1PL.O → [ɾɛː.twɨ] ‘ele nos vê’

Assim temos: a. (x ) b. (x ) (x ●) (x ●) σ σ σ σ µ µ µ µµ /ɾe. ta/ [ɾɛː twɨ]

No exemplo (298), à base /ɾe.ta/, é acrescido o sufixo com função de objeto direto de primeira pessoa do plural {-wɨ}, provocando, dessa forma, a ressilabificação de (ta.), em decorrência do apagamento da vogal, resultando em uma sílaba com onset ramificado (cf. CLEMENTS; HUME, 1995), formando um padrão superficial CCV.

5.5 A TEORIA DE HAYES (1981, 1995) E O PROBLEMA PARA A ANÁLISE DA