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3. A CAMPANHA DE 1976

3.7 O RESULTADO

Jimmy Carter foi declarado vencedor pela maioria das agências e notícias e televisões apenas a partir das duas da manhã, depois de muita expectativa. Em alguns estados, a disputa foi voto a voto. Carter terminou com 297 delegados no Colégio Eleitoral, contra 241 de Ford. Se tivesse perdido Nova York, teria perdido a eleição. Ou então, se tivesse perdido a Pennsylvania, teria empatado. Em Ohio, que significava 25 delegados (e ambas as campanhas sabiam que Ohio seria um estado importante no resultado final), Carter venceu por uma diferença de 11.000 votos, 50,1% a 49,9% (considerando a porcentagem referente aos votos apenas dos dois principais partidos). No resultado final, Carter ficou com 50,1% dos votos,

222 Schram, op. cit., p. 349. No original: “I think when it comes to a matter of conscience . . . on what is right,

and given the kind of creative moral leadership that Jimmy Carter has been giving in this campaign . . . that Jimmy Carter, in mind of that kind of moral leadership should resign from the church if they do not accept black members”.

contra 48,0% de Ford. Carter levou 23 estados e mais o District of Columbia, e Ford levou 27. Se a votação apertada sugere uma disputa intensa, a porcentagem de comparecimento aponta na direção oposta: apenas 54,4% votaram, a proporção mais baixa desde 1948.

O mapa da eleição de 1976 foi bastante diferente dos anos anteriores: Carter, pela primeira vez em muitos anos, recolocou o sul na conta dos democratas. Desde 1944, quando Roosevelt conquistou todos os estados do sul, um presidente democrata não tinha um desempenho tão bom. Carter perdeu apenas o estado de Maryland para Ford (podemos incluir também Oklahoma). Com isto, rompeu uma tendência de migração dos votos do sul para dixiecrats (como Strom Thurmond, em 1948), George Wallace (como candidato independente, em 1968) e republicanos (como Goldwater e Nixon). Na verdade, isto só foi possível com a formação de uma nova coalizão no sul: brancos e negros pobres, especialmente de áreas rurais, votaram maciçamente em Carter. Considerando que era esta a meta do movimento populista da década de 1880, unir brancos e negros pobres em torno de um interesse comum, é no mínimo curioso que Carter tenha conseguido esta proeza, de acordo com os mapas eleitorais. Apenas nas áreas urbanas Carter perdeu substancialmente, e isto não foi o suficiente para lhe tomar mais de um estado no sul.

Muito se falou, após a eleição de Jimmy Carter, sobre o surgimento de uma nova coalizão democrata, em particular na política do sul. Falou-se ainda da capacidade do país de assimilar um presidente sulista, e, obviamente, da capacidade do sul de eleger um democrata interessado na integração racial. Parecia um quadro animador. No entanto, estas especulações pressupunham a fundação de um novo projeto político, com potencial de continuidade e sustentação eleitoral, coisa que, hoje, sabemos que não aconteceu. Glad nota ainda que, a despeito de ter vencido em 11 dos 13 estados do sul (se incluirmos Oklahoma), Carter recebeu apenas 53,7% dos votos, contra 65,6% de Truman em 1948 (mesmo concorrendo contra Thurmond).224

No Norte, surge um padrão parecido, ainda que com suas idiossincrasias: a derrota de Carter em várias cidades foi compensada pelo voto das zonas rurais, que foram para ele em peso. Mais o voto dos negros (a CBS Election Survey aponta 83% no total nacional para Carter; já a pesquisa do National Election Studies, academicamente a mais respeitada, dá uma porcentagem de 95% dos negros para Carter), foi o suficiente para diminuir a força de Ford nas cidades, especialmente entre pessoas de renda média e alta. A coalizão voto rural dos

224 Idem, Ibidem, p. 400.

brancos mais negros do campo e dos subúrbios foi suficiente para dar a Carter a vitória em estados cruciais, como Ohio e Pennsylvania.

Deve-se dizer ainda que Carter foi especialmente mal entre os católicos (54%, quando a média democrata é de 58%), enquanto sua pontuação com protestantes foi 7% maior que o costume (46% para uma média de 39%). Talvez isto tenha prejudicado seu desempenho em estados como Illinois, em que Carter perdeu a despeito do (ou talvez até em parte pelo) apoio de Mayor Daley e outras figuras do establishment. Nem mesmo o bom desempenho de Carter entre os eleitores sindicalizados (68%) foi capaz de garantir sua vitória em Illinois (aliás, tampouco garantiu sua vitória em Michigan). Outra hipótese, esta aventada pelo cientista político Gerald M. Pomper,225 dá conta do fato de que algumas grandes cidades do meio-oeste sofreram redução populacional (e eleitoral), enquanto os subúrbios e pequenas cidades cresceram. Enquanto esta tendência, de maneira geral, favoreceria Carter, por outro lado, diminui a importância e o alcance de máquinas como a de Daley em Chicago.

Na Pennsylvania, entretanto, Carter saiu-se muito bem com o apoio de Frank Rizzo, que durante as primárias havia apoiado Jackson (Rizzo recebeu o reconhecimento de Carter pelo telefone por ter “entregue” os votos que havia prometido). De modo que cada resultado, em cada estado, conta uma história diferente.

Carter, ao contrário do esperado, obteve bom resultado entre os judeus: 64%, de acordo com CBS Election Survey. Foi capaz ainda de assegurar os votos dos eleitores tradicionais do partido, que haviam sido afastados em 1972: 77% dos autodeclarados democratas, contra 58% de McGovern; 59% dos operários, contra 39% de McGovern. Mesmo com os católicos, um ponto fraco da sua candidatura, Carter conseguiu trazê-los de volta ao partido, se compararmos com McGovern: 55% a 40%.226 E, como já dissemos, Carter obteve ainda 68% dos votos dos eleitores sindicalizados, o melhor resultado desde Johnson (melhor inclusive que Humphrey, em 1968).227

No que se refere ao eleitorado feminino, parece que Carter conseguiu, até o fim da eleição, diminuir a desconfiança que havia em relação a ele: as porcentagens são praticamente idênticas para homens e mulheres, 52% para Carter e 48% a Ford. Talvez a estratégia do terceiro debate, aliado à gafe de Ford sobre a Europa Oriental, tenham quebrado um pouco a insegurança das mulheres em relação à capacidade de Carter.

225 Gerald Pomper, The Presidential Election, In: The Election of 1976: Facts and Interpretations. New York:

David McKay Company, 1977. p. 64-65.

226 Idem, Ibidem, p. 61-62. 227 Glad, op. cit., p. 401.

E houve ainda a candidatura McCarthy: em alguns estados vencidos pelos republicanos, a votação do ex-Senador por Minnesota foi maior do que a margem de Ford sobre Carter. McCarthy esteve nas cédulas de 28 estados. Se estivesse na cédula em Nova York (ele travou uma batalha jurídica para que isto acontecesse), talvez pudesse ter mudado a história da corrida presidencial. Como não conseguiu, apenas roubou alguns votos de Carter no Colégio Eleitoral, que acabaram indo para Ford.

Schram reverbera ainda a leitura que dirigentes de ambas as campanhas fizeram em relação às tendências das pesquisas: com Carter liderando com 30, 35 pontos de vantagem, nos meses de agosto e setembro, a eleição teria passado a ser um referendo sobre Carter. À medida que o intervalo entre ambos foi se fechando, nos últimos dias, os eleitores talvez tenham percebido que Ford realmente poderia ganhar, e aí então eles teriam se perguntado se realmente queriam mais quatro anos com ele na Casa Branca. De modo que a eleição teria se iniciado como um referendo sobre um desafiante, e terminado como um referendo sobre o presidente. Segundo uma pesquisa CBS/The New York Times, seis em cada dez pessoas que decidiram seus candidatos nos últimos dias optaram por Carter, o que parece reforçar esta tendência de oscilação.228 Já outra pesquisa, da rede de TV ABC e repercutida pela revista Newsweek,229 Carter conquistou 53% dos votos daqueles que decidiram na última semana, e 60% daqueles que decidiram no dia da eleição, reforçando a noção de que os últimos a decidir optaram por Carter. Este dado pode se aliar a um outro, para extrairmos uma outra conclusão: 52% do eleitorado identificava-se como “soft” ou “undecided”, em meados de outubro, de acordo com uma pesquisa Yankelovich, para a revista Time.230 Deste modo, muitos eleitores decidiram de última hora, sem muita convicção da escolha que fizeram. Nenhum dos dois candidatos era capaz de empolgar o conjunto dos eleitores, e o baixo comparecimento às urnas é um terceiro índice que aponta para esta direção.

Gostaríamos ainda de retomar a seguinte noção, também notada por Glad231: com alta votação entre negros e minorias étnicas de maneira geral, Carter deve sua vitória em parte à estrutura do partido e do DNC. A despeito do apoio um pouco reticente de alguns “medalhões” do partido, o esforço de cadastramento e de incentivo dos eleitores a votarem, que era a principal incumbência do partido numa eleição tão personalizada, centrada no comitê de campanha, pode ter sido decisiva em vários estados com votação apertada. Principalmente a partir do momento em que o intervalo começou a se fechar, apoiadores

228 Schram, op. cit., p. 366-367. 229

Newsweek, 15 nov. 1976, apud Pomper, op. cit., p. 72.

230 Glad, op. cit., p. 403-404. 231 Idem, Ibidem, p. 401.

tradicionais do partido foram às ruas para fazer campanha e garantir um grande comparecimento às urnas para Carter. Barbara Jordan, Coretta Scott King, Jesse Jackson, Richard Hatcher e outros ativistas de direitos civis organizaram as campanhas “Operation Big Vote” e “Wake Up, Black America”. O AFL-CIO mobilizou desde maio seu banco de dados de 12 milhões de membros, dando listas para sindicatos afiliados locais, para que eles fossem contatados e “alistados” no esforço de campanha. À medida que os resultados das pesquisas foram ficando apertados, o entusiasmo do AFL-CIO por Carter foi pragmaticamente aumentando. A famosa UAW, apoiadora mais entusiasmada de Carter no movimento sindical, fez campanha pesada em estados importantes do meio-oeste, como Ohio e Michigan.

O resultado, segundo Glad, foi que dos 3 milhões de novos eleitores, 2,4 milhões votaram em Carter. Dos eleitores negros de todo o país, 70% compareceram, contra 58% em 1972.

A despeito da participação das bases, não havia muito entusiasmo pelo novo presidente. Segundo Caddell, Carter emergeria das eleições com quatro problemas maiores em termos de percepção do eleitorado: inexperiência, a imagem de flip-flop on issues, a imagem de alguém que prometeu demais e não poderia atender às expectativas, e o “risco” que Carter representava como presidente, o que estava atrelado ao seu suposto desconhecimento por parte dos eleitores.

De modo que a força de Carter, como já vimos, seria também sua fragilidade durante as eleições, à medida que o tempo foi passando e as suas fragilidades foram sendo expostas. No dia da eleição, boa parte dos eleitores estava pelo menos indiferente (alguns desiludidos) com as opções que tinham à disposição. Mas, no final das contas, Carter havia atingido seu objetivo: na conta final, obtivera mais votos que Gerald Ford, e tornara-se o novo presidente dos EUA.