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2. A CRISE DE IDENTIDADE DO PARTIDO DEMOCRATA

2.1 AS CONVENÇÕES DE 1968 E 1972: A REVOLUÇÃO INTERNA DO PARTIDO

2.1.3 A insurgência de 1972

2.1.3.1 Uma radiografia do resultado

O resultado das urnas mandou uma mensagem inequívoca: 47.167.319 de americanos (60,7% dos eleitores) concordavam que Richard Nixon era a melhor escolha para ser presidente dos EUA; apenas 29.168.509 (37,5% dos eleitores) pensavam isto de George McGovern. No colégio eleitoral, a derrota parecia ainda mais devastadora, a conta era ainda

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A estratégia de campanha de McGovern de um retorno aos temas econômicos de interesse da classe trabalhadora está expressa num memorando de Ted Van Dyk à direção da campanha reproduzido em White, op. cit., p. 217.

mais cruel: tendo levado apenas Massachusetts e Washington, D.C., McGovern terminou com 17 votos, contra os 521 de Nixon.

A rejeição a McGovern era expressa. A famosa pesquisa de boca de urna da rede de televisão CBS61 apontou um padrão que era conhecido de todos os pesquisadores: a deserção de McGovern por boa parte dos eleitores que se identificavam como Democratas: 37% deles votaram em Richard Nixon.

Esta rejeição precisa ser compreendida à luz não apenas da incompatibilidade das “novas” bandeiras dos McGovernites, mas também se levando em consideração um esforço ativo da candidatura republicana de conquistar eleitores tradicionais do Partido Democrata. Nixon pode ter muitos defeitos, mas sua perspicácia política é proverbial. Ele foi capaz de perceber a falta de representatividade do Partido Democrata em relação a certos elementos do operariado americano (blue-collars), com ideias mais conservadoras a respeito de temas sociais e econômicos, e principalmente em relação à política externa, que costuma ser um carro-chefe das campanhas republicanas. A escolha de McGovern como candidato e a transmissão ao vivo da confusão da Convenção Democrata em Miami Beach deram a Nixon, ainda em julho, a certeza de que seria eleito. Bastaria fazer a campanha no tom correto. Quando o comitê de plataforma do Partido Republicano discutia a inclusão de frases hostis ao movimento sindical, Nixon usou sua mão de ferro e emplacou o seguinte trecho na plataforma: “os sindicatos da nação por promover o bem-estar não apenas dos seus membros, mas também de todo nosso sistema de livre empresa”.62 Como resultado, 55% dos blue-collar voters escolheram Nixon, contra apenas 41% em 1968. As famílias de sindicalizados votaram em Nixon na proporção de 51% (em 1972) contra 34% (em 1968).

Talvez o quadro possa ser temperado se colocado em perspectiva histórica: John Kennedy atraiu 66% dos sindicalizados que votaram em 1960; Johnson, 80%; já Humphrey, mesmo com um bom histórico em relação a medidas de proteção ao trabalhador, levou apenas 51% dos votos.63 Talvez o problema não fosse tanto (ou não apenas) com McGovern, mas com a dificuldade do Partido Democrata de responder aos apelos populistas de Nixon do law and order e a posição de McGovern a respeito do forced busing.64 A votação de McGovern,

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Estes resultados estão em White, p. 343-349.

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Idem, Ibidem, p. 240. No original: “the nation’s labor unions for advancing the well-being not only of their members but also of our entire free enterprise system”.

63 Idem, Ibidem, p. 190. 64

O forced busing, um dos temas mais polêmicos de várias eleições nos anos 60 e 70, era o envio de crianças de uma determinada vizinhança para estudar em escolas de vizinhanças próximas, com o intuito de produzir a integração racial nas escolas.

entretanto, foi maior nos lugares onde a força sindical dominante o apoiava, como em Michigan (por influência do UAW).

Outro grupo tradicionalmente democrata que Nixon conseguiu capturar foi os chamados white ethnics: descendentes de imigrantes italianos, poloneses, irlandeses. Já vimos como esses grupos não se sentiam representados na reforma do Partido Democrata. O ressentimento e o medo do dia a dia de convivência com vizinhanças negras, na disputa por espaços e empregos, eram o componente mais importante na rejeição às políticas ativas de integração racial como o forced busing. Como resultado, a Divisão de Pesquisas do Partido Republicano acusou o seguinte movimento na comparação 1968-1972: entre ítalo-americanos, Nixon foi de 22% para 51%; entre poloneses-americanos, de 12% para 30%; entre hispano- americanos, de 18% para 31%.

Cabe lembrar ainda, em relação aos white ethnics, que eles são compostos, em sua maior parte, de católicos. E a identidade religiosa também foi levada em consideração na escolha dos americanos. Segundo o CBS News Election Survey, Católicos, 53% contra 36% quatro anos antes. Em 1968, Nixon teve apenas um terço dos votos de Rhode Island, o estado mais católico da União. Em 1972, venceu. Providence County, em 1968, deu 70% dos votos a Humphrey; em 1972, Nixon venceu. O padrão se repete através dos condados mais católicos dos EUA. Em 1972, emerge definitivamente uma identidade moral e religiosa que se torna mais importante na ponderação do voto que as antigas fidelidades do Pacto do New Deal dos católicos (em especial os white ethnics) com os democratas.

Já uma pesquisa da NBC indica 37% dos judeus votando em Nixon em 1972, contra 18% em 1968. Apesar de eleitores tradicionais do Partido Democrata, eles tendem a preferir os candidatos mais linha-dura em matéria de política externa, especialmente no que toca à questão do Oriente Médio. McGovern era acusado de não se preocupar o suficiente com a segurança de Israel, inclusive tendo se pronunciado contra a venda de caças Phantom ao Estado judeu, enquanto era parlamentar. O candidato democrata preferido dos judeus, em particular os de Nova York, era “Scoop” Jackson. Como vimos, apesar de sua inflexão ao centro, o Partido Democrata estava progressivamente incorporando a bandeira antiguerra como algo constitutivo de sua cultura política (ainda que se possam discutir as intervenções militares dos governos Carter e, posteriomente, Clinton; cultura política e prática governamental são duas coisas diferentes), e o ambiente estava ficando difícil para linhas- duras como Jackson. Isto alienou parte dos eleitores judeus que se preocupava mais com política externa do que com temas sociais americanos. Carter também sofreria bastante com

acusações de leniência em relação às ameaças a Israel, e pagaria o preço eleitoral correspondente.

Das “minorias” favorecidas por McGovern na reforma do partido, apenas os negros permaneceram fiéis a ele: 13% do voto dos afro-americanos em 1968 contra 14% em 1972. Mulheres votaram em Nixon num placar de 62% a 38%. Os estrategistas da campanha de McGovern esperavam melhores resultados entre as mulheres; aparentemente, subestimaram o fato de que muitas mulheres não se identificavam, à época, com as bandeiras do movimento feminista, em particular com a legalização do aborto.

Havia apenas duas notas de consolo ao Partido Democrata: o admirável desempenho de McGovern em áreas universitárias e o fato de que o voto em Nixon não se refletiu nos votos para os cargos legislativos: com altos índices de votação cruzada para o Executivo e o Legislativo, os candidatos republicanos ao Senado que obtiveram resultados acima de Nixon em seus estados, em geral, eram republicanos considerados liberais. Os Republicanos conseguiram tomar apenas 12 cadeiras dos Democratas, e no Senado os Democratas levaram mais dois lugares.

O excelente desempenho dos candidatos democratas ao legislativo em comparação com o desastre da eleição presidencial não pode ser entendido sem levar em consideração o apoio da máquina e do dinheiro do AFL-CIO aos candidatos considerados favoráveis ao movimento sindical. No nível local, o Partido Democrata recebeu o apoio que lhe foi negado na eleição presidencial.

Por fim, um último dado da CBS News Election Survey, um tanto quanto surpreendente: 75% dos votos do Sul para Wallace em 1968 foram para Nixon em 1972; já nos estados do Norte, esta proporção é quase de 50%-50%. Isto indica que, apesar de a estratégia de Nixon de se dirigir aos operários temerosos da integração racial ter boa adesão, por outro lado, há uma série de eleitores de Wallace que votam com base em outras questões que não a raça, p. ex. o forced busing. Wallace tinha um apelo anti-establishment que McGovern foi capaz de capturar, e Carter também (de maneira ainda mais eficiente, já que Carter não era vítima do preconceito anti-intelectual, anti-elite que parte dos eleitores de Wallace devotava a McGovern); pelo visto, o fato de ambos pertencerem ao mesmo partido talvez significasse alguma coisa. De modo que as teses que dão conta de uma diminuição da importância dos partidos devem ser relativizadas, ainda que de forma alguma descartadas. Além disso, os eleitores de Wallace são um mistério em sua heterogeneidade, a ser adequadamente interpretado.