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2. A VISÃO ECONÔMICA DOS CONTRATOS PÚBLICOS DE LONGO PRAZO

2.3. Escolhas públicas eficientes: a avaliação dos custos de transação e resultados

2.3.2. Resultados

Como ensina Fernando Araújo, o agente econômico age com fundamento em expectativas acerca do futuro, não com base em remorsos acerca do passado — porque as suas decisões só são relevantes para o futuro339. A Administração, contudo, parece muitas vezes atuar sem se preocupar com o que está por vir, com o que poderá resultar das suas decisões. Diante de um acontecimento fático, busca-se a sua conformação com o que está previsto na lei e, ocorrendo essa compatibilidade, aplica-se o direito, sem muitas ponderações sobre a realidade, muito menos quanto ao futuro340.

Pense-se na hipótese de um descumprimento contratual. A Administração buscará as previsões contratuais e legais a respeito e se esse arcabouço confere a opção de sancionar, por exemplo, essa será a medida adotada, sem que se promova um exercício muito aprofundado sobre os custos ou impactos gerados pela escolha. Tome-se o mesmo exemplo, mas, agora, de forma contextualizada, levando-se em conta os custos e consequências da opção estatal. Pode

338 SZTAJN, Rachel, ZYLBERSZTAJN, Decio. AZEVEDO, Paulo Furquim. Economia dos contratos. In:

Direito e economia: analise econômica do direito e das organizações. São Paulo: Elsevier, 6ª reimpressão. p.

102-136, 2005.

339 ARAÚJO, Fernando. Introdução à economia. v. I. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 60.

340 Sobre essa dissociação entre direito e realidade assim se pronunciou Flávio Galdino: “De acordo com o modo

de pensar tradicional, quando algo acontece na vida real, procuramos descobrir se esse fato se encaixa em alguma moldura jurídica, normativa, normalmente pré-formulada. Sem qualquer problema, nos perguntamos se uma norma, tal qual um raio, incide sobre a situação fática. Nesse momento, é como se os mundos se

tocassem”. Segundo o autor, contudo, o direito deve considerar mais a realidade, de modo a ponderar custos e consequências das medidas, porque, afinal direitos não nascem em árvores. GALDINO, Flávio. Introdução à

ser que se esteja em um momento de profunda crise econômica, que o parceiro privado esteja em processo de degradação financeira e que eventual sanção levará a sua derrocada. Caso este parceiro não tenha concorrido para a situação de incumprimento, não seria mais eficiente buscar formas alternativas consensuais para solucionar a questão?

É por isso que, além da avaliação quanto aos custos, entende-se que a eficiência da escolha estatal depende, também, da ponderação quanto aos resultados que poderão advir da medida. De fato, como alertam Robert Cooter e Thomas Ullen, sob uma perspectiva econômica, faz-se necessário pensar sobre os efeitos decorrentes da medida escolhida341. O exame das

consequências ultrapassa a mera intuição, podendo ser posteriormente verificada e comprovada, trazendo segurança e estabilidade para a atuação estatal.

Em setores como os de infraestrutura, por exemplo, a escolha pública feita em um determinado contrato pode vir a ter resultados sistêmicos relevantes. Por isso, não se considera suficiente que a motivação fique restrita à avocação de valores abstratos, é preciso apontar também os resultados concretos. Se optar pela prorrogação antecipada, por exemplo, deverá demonstrar que essa medida permite investimentos imediatos, que irão aquecer a economia do setor e atender à demanda da população. É preciso ir além do: “atende ao interesse público”. Destacam-se neste sentido as palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto342:

Na dogmática clássica, a característica jurídica de eficiência dos atos do Poder Público não continha em si qualquer apreciação quanto ao resultado concreto da ação, mas, apenas, a de sua aptidão para produzi-lo em abstrato. É evidente que tal característica, tão importante quanto as de existência e de validade, que logicamente a precedem, é insuficiente para a adequada descrição desses atos no atual contexto de um Direito ampliado por uma juridicidade de três dimensões: legalidade, legitimidade e licitude. Realmente, ao se considerar a importância de se aferir o resultado da ação estatal, notadamente na administração pública, torna-se imprescindível aditar a característica finalística da eficiência.

Ainda que a consideração quanto aos resultados leve à diminuição da indeterminação das decisões estatais, algumas objeções podem ser levantadas quanto à sua utilização. Cláudio

341 COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Law and economics. 6th ed. Rev. ed. of. Berkeley Law Books. Book 2.

p. 7. Disponível em: http://scholarship.law.berkeley.edu/books/2. Acesso em: 20 AGO. 2018.. Para os autores, considerer resultados e eficiencia, nao viola a distributividade, uma vez que resultados eficientes levam à alocação distributive ideal. No mesmo sentido, assim se pronunciaram Louis Kaplow e Steven Shavell, “We believe that responsible government decision makers will be able to make better policy decisions if those who analyze legal policy devote themselves to identifying the effects of legal rules on individuals’ well-being — that is, if they employ welfare economics rather than base their analysis on notions of fairness”. KAPLOW, Louis; SHAVELL, Steven. Fairness versus welfare. Cambridge: Harvard University Press, 2002. p. 472.

342 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.

Pereira de Souza Neto, por exemplo, ao analisar o consequencialismo no âmbito das decisões judiciais, alerta para a possibilidade de que sejam discutidas as premissas fáticas consideradas e que, assim, sejam levantadas dúvidas sobre a certeza dos resultados e sobre a confiabilidade das consequências encontradas343.

De fato, a Administração não terá certeza absoluta sobre todas as consequências ponderadas. Mas isso não retira a eficiência de se considerar resultados. O Poder Público irá operar com probabilidade, fundado em conhecimentos técnicos e na experiência. Será realizada uma projeção sobre os possíveis cenários decorrentes da decisão adotada, que, por sua vez, decorrerá de um processo racional de causa e efeito344. Portanto, não se trata de intuição, mas de análise concreta de resultados.

Sobre essa questão, José Vicente Santos de Mendonça, fez interessante ponderação sobre o que chamou de consequencialismo consequente345:

A retórica das consequências é melhor do que a retórica dos princípios, pois, como apela a estados da realidade, pode ser falseada. Pode-se discutir, num exercício empírico orientado a consequências que incorpore, por exemplo, dado a respeito de pesquisas, sobre a credibilidade da instituição que a realizou, o tamanho da amostra, vieses, o valor da regressão estatística. Uma coisa é discutir, à luz da decisão de licenciar o empreendimento, a "dimensão objetiva do direito fundamental à dignidade da pessoa humana enquanto dever de proteção"; outra é discutir se o estado de coisas A ("os peixes vão morrer na lagoa") é preferível ao estado B ("a hidroelétrica não será construída e provavelmente faltará energia"). Consequências podem ser muita coisa, mas são menos coisas do que, por exemplo, a vis expansiva dos direitos fundamentais ou a dignidade da pessoa humana. A retórica das consequências é menos efetiva do que a retórica dos princípios. Bom para todos. E o subtexto da crítica de Conrado é, afinal, um elogio ao consequencialismo consequente; aquele que é feito com método, dúvida sistemática, rigor inclemente. Não sei se algum dia isso conseguirá ser feito, seja pelo STF, seja por qualquer outro julgador. Mas são as dores do parto. Mudar a gramática é, em parte, mudar o jogo. Um Direito menos toscamente bacharelesco pode ser um Direito ainda toscamente empírico - mas é um Direito que aponta para um mundo melhor. Por fim, parece que, de fato, o giro empírico-pragmático está acontecendo.

Essa defesa pela análise dos resultados, aliás, deixou recentemente o mundo dos debates jurídicos, e passou a ser exigida na prática. Como já apontado anteriormente — na seção 2.1.2

343 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Verticalização, Cláusula de Barreira e Pluralismo Político: Uma Crítica

Conseqüencialista à decisão do STF na ADIN 3658. In: Interesse Público. Porto Alegre: a. 8, n. 37, p. 93-94, maio/jun. 2006.

344 JUSTEN FILHO, Marçal. Art. 20 da LINDB - Dever de transparência, concretude e proporcionalidade nas

decisões públicas. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Edição Especial - Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - LINDB (Lei nº 13.655/2018). p. 29. 2018.

345 MENDONÇA, José Vicente Santos de. Em defesa do consequenciachismo. Disponível em:

http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/jose-vicente-santos-mendonca/em-defesa-do- consequenciachismo. Acesso em: 10 out. 2018.

— as alterações promovidas pela Lei nº 13.655/2018 à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINBD tornaram realidade a busca pelos resultados em substituição ao subjetivismo e superficialidade das decisões estatais.

Os artigos 20 e 21 do referido ato normativo são exemplos dessa nova perspectiva que desponta para a Administração. Ao exigirem o dever de se medir e avaliar as consequências práticas das decisões públicas, os dispositivos impõem ao administrador a adoção de postura interpretativa que considera como elemento significativo as consequências da sua opção346.

A avaliação dos custos e a busca pelos resultados pode, assim, operar mudanças profundas do ponto de vista da estrutura das relações contratuais. Essa alteração de paradigma será completa, quanto mais se desenvolverem mecanismos de aproximação e colaboração entre o contratante público e o privado, de modo a gerar confiança e estabilidade como enforcemement da relação. Como fez a Lei nº 13.448/2017 com o reconhecimento dos instrumentos que serão estudados no capítulo seguinte.