• Nenhum resultado encontrado

Retenhamos os argumentos ribbeckianos: a) “um ditirambo”; precisamente porque Nietzsche estava longe de poder/querer demonstrar ou explicar grande parte das suas

intuições (como refere, aliás, no “Versuch eine Selbstkritik” §3), interessava-lhe o efeito do

181 Rivista Europea, II (Abril de 1872), cit. em Querelle autour de la naissance de la tragédie, cit., p. 73, n.

1; sublinhado nosso.

182 Curt Paul Janz argumenta esta falta de originalidade com, por um lado, a presença manifesta da metafísica

schopenhaueriana, por outro Rohde tinha mostrado a Nietzsche um livro de Jules Michelet, La Bible de

l’humanité (1864), onde o historiador francês propõe já uma oposição dionisíaco/apolíneo. Além disso, convoca

Martin Vogel (Apollinisch und Dionysische, Regensburg: Bosse, 1996, p. 125 e ss) e a sua tese de que a grande inspiração nietzscheana viria de um quadro que existia em Tribschen, na casa Wagner, de Bonaventura Gemelli (1798-1868): Dionysos (Backchus) unter den Musen, e que Nietzsche usou como prova contra Wilamowitz numa carta a Rohde de 16 de Julho de 1872. (Cf. Friedrich Nietzsche Biographie I, cit., p. 430-431) Por sua vez, Angéle Kremer Marietti refere que “Cette opposition entre Apollon e Dionysos a d’abord été posée par Plutarque (46-120 ap. J.-C.), parfaitement connu de Nietzsche; elle a été reprise para Michelet dans La Bible de l’humanité (1864).” (“La Démesure Chez Nietzsche: Hybris ou Sublime”, Revue international de philosophie pénale et de

criminologie de l’acte 5-6 (1994). Consultado a 2 de Maio de 2013 em http://www.dogma.lu/txt/AKM-

Demesure.htm)

Sobre as influências (directas ou indirectas) da GT, cf. de Lacoue-Labarthe “La Dissimulation – Nietzsche, la question de l’art et la ‘littérature’”, in Nietzsche Aujourd’hui?, vol. 2, (“Passion”) cit., p. 9 e ss. Michel Haar,

Nietzsche et la métaphysique, Paris: Gallimard, 1993/1996, p. 72-78 (embora Haar esteja mais preocupado em

mostrar indícios que afastam a GT de Die Welt als Wille und Vorstellung). Charles Andler é mais analítico em

Nietzsche, sa vie et sa pensée, vol. I, Paris: Gallimard, 1958, p. 394-428. De M.S. Silk e J.P. Stern, Nietzsche on Tragedy (cit.), aconselhamos sobretudo os capítulos 3 – “Biographical background II: the genesis of The Birdh

of Tragedy” – e 9 – “Nietzsche and earlier German theories of tragedy”. Para um acompanhamento mais biográfico, retomamos de Paul Janz, Friedrich Nietzsche Biographie I, Zweiter Teil, IX (“Das Jahr der Geburt der Tragödie (1871)”). Mais tarde, em GD, “Was ich den Alten verdanke” §4, aponta a influência decisiva de Burckhardt.

Em geral, Nietzsche é muito reservado acerca das suas influências biobibliográficas. Além de duas longas citações de Schopenhauer (livro I de Die Welt als Wille und Vorstellung ) na GT (§5 sobre a essência do Lied e no §16 sobre a relação entre o conceito e a música), raras são as referências directas ao acervo bibliográfico que alimentou os seus textos, mesmo na presença de citações camufladas ou de paráfrases muito próximas do original (ainda que, e.g., na GM refira mais de 100 nomes de autores, entre artistas, cientistas e personagens ficcionais). Curt Paul Janz realça, no entanto, a sua extraordinária capacidade de adaptação, tomou de empréstimo muitas ideias alheias, mas representou-as e desenvolveu-as sempre com tal pessoalidade que aumentou exponencialmente o alcance do original. Não sendo, pois, justo acusá-lo de praticar a “arte do plágio”. (Cf. Friedrich Nietzsche Biographie I, cit., p. 432) Há, todavia, várias listas dos livros que compunham a sua biblioteca (ou bibliotecas de nómada). O primeiro catálogo foi elaborado por Rudolf Steiner em 1896, recenseando mais de 1000 obras; depois Max Oehler fará outro em 1942, ambos controlados pelos Nietzsche- Archiv. A referência actual é de Giuliano Campioni, Paolo D’Iorio, Maria Fornari, Francesco Fronterotta e Andrea Orsucci Nietzsche persönliche Bibliothek, Berlin/New York: Walter de Gruyter, 2003.

183 Carta de 29 de Abril de 1872 a W. Dilthey; cit. em Querelle autour de la naissance de la tragédie, cit., p.

que escrevia, a pragmática mais do que a teoria;

184

b) “filosofia estética no espírito de

Schopenhauer-Wagner”, como vimos, uma filosofia da arte onde a música tem, à semelhança

do §52 do Livro III de Die Welt als Wille und Vorstellung

185

e do Beethoven de Wagner

(1870)

186

, a exclusividade metafísica;

187

c) De acordo com a história da recepção da GT, pelo

sucesso, embora tardio, junto dos académicos e do grande público, julgamos que se cumpriu a

promessa de “acordar a filologia”, obrigando-a a ser bem mais autocrítica e a procurar novas

vias de acesso ao passado. Nietzsche define-se na GT mais como “filósofo-artista”

188

do que

como filólogo. Mas, seguindo Jean-Noël Wuarnet, um criador que encenou uma nova peça a

partir de personagens que já existiam, recompondo heranças, repetindo e transformando,

parodiando e heroificando. Ele não é nem “uma voz de comando, nem um começo.”

189

184 Logo em 1876 pensava que só os espíritos submissos preferem uma qualquer explicação a nenhuma. As

grandes culturas deixam muitas coisas por explicar. (Cf. NF 19[107])

185 Depois de abandonar a perspectiva leibniziana, Schopenhauer mostra que a música está à parte das outras

artes, ela não exprime “ideias”, mas paralela a elas é a própria expressão da “vontade”. Schopenhauer chega mesmo a dizer no célebre §52 que a música continuaria a existir mesmo sem o universo: “so ist die Musik, da sie die Ideen übergeht, auch von der er- scheinenden Welt ganz unabhängig, ignoriert sie schlechthin, könnte gewissermaßen, auch wenn die Welt gar nicht wäre”.

186 Também escrito sob a influência de Schopenhauer, repetindo nomeadamente a tese que atribuía à música

o privilégio metafísico de exprimir directamente a vontade, Wagner afirma que o final da Nona Sinfonia conduz os espectadores a uma comunhão divina (Nietzsche criará um neologismo para exemplificar este inebriamento: “Musikorgiasmus”, GT §21). Nietzsche conhecia Beethoven, não surpreendem, por isso, algumas semelhanças entre ele e a GT, além da metafísica da música schopenhaueriana. Ambos se referem a Schiller e à sua concepção de poesia naïf desenvolvida pelos gregos na Antiguidade. Nos dois, liga-se a epopeia às artes plásticas e o drama à música. São cúmplices na aversão pela ópera, caricatura da tragédia ática (porque a música está sujeita ao texto). Acreditam no renascimento da música dionisíaca na cultura alemã, cujo primeiro passo foi dado pelos corais protestantes luterianos (elogia Lutero no §23 da GT; mais tarde vilipendiado, e.g., GM III, §22;

FW §358, em JGB §247, escreve, pelo contrário, que a sua Bíblia foi o melhor livro escrito em alemão; os NF de

1884, 25[173] e 25[162], bem como o de 1885, 35[84], preparam essa ideia). Criticam também a superficialidade da cultura jornalística. Refira-se ainda que desde Die Kunst und die Revolution (1849), Wagner declara a tragédia ática, onde Apolo era inspirado por Dioniso, como a forma de arte mais perfeita.

187 No entanto, é importante lermos com atenção o §6 da GT para afastarmos um isomorfismo primário entre

música e vontade. Nietzsche refere aí que se a música fosse vontade “ela seria totalmente banida da arte”, por isso surge “enquanto vontade”: “S i e e r s c h e i n t a l s W i l l e ”. Talvez haja aqui um paralelismo com o “als

ob” kantiano. Hans Vaihinger trabalha esse dispositivo em Die Philosophie des Als Ob. System der theoretischen, praktischen und religiösen Fiktionen der Menschheit auf Grund eines idealistischen Positivismus. Mit einem Anhang über Kant und Nietzsche, Berlin: 1911. Temos conhecimento deste tema a partir de Leonel

Ribeiro dos Santos, “Hans Vaihinger: o Kantismo como um Ficcionalismo?, in Kant: Posteridade e Actualidade.

Colóquio Internacional, Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2006, p. 515-536. Para Ribeiro

dos Santos, “Na sua leitura da filosofia de Kant, Vaihinger interpreta a recorrente fórmula ‘als ob’ como sendo a expressão linguística de uma modalidade específica de juízo, a qual, segundo ele, também não fora ainda reconhecida e ainda menos expressamente tratada pelos lógicos, e a que chama o juízo ficcional (das fiktive

Urteil). Mas, para além disso, considera toda a filosofia de Kant como a mais ampla e expressiva amostra do

universal uso filosófico da ‘consideração como se’ (ALs-OB-Betrachtung) e a mais eloquente confirmação da sua importância.” (Idem, p. 522) O “als ob” aparece várias vezes na obra de Kant, sobretudo na Crítica da Razão

Pura, B700.

188 “Philosophen-Künstlers”, no NF 1872-73, 19[39]. Da mesma época, NF 19[73], o filósofo do futuro

deverá “ser o tribunal supremo de uma civilização artística”; de 1872, 23[8], a filosofia oscila entre a ciência e a arte. Porém, em 1884 distingue “filósofo” de “artista”, o primeiro é uma “espécie superior”, mas mais propenso a falhar. O segundo, inferior, mas mais belo e complexo. Cf. NF 26[238].

189 “Auteur sans autorité, le philosophe-artiste n’est pas un commandement ni un commencement. En outre,

sa création ne s’effectue pas ex nihilo. Le philosophe-artiste n’est pas ‘original’. Destructeur autant que créateur, il transforme et s’approprie, il refait et parodie un donné toujours déjà là, celui de mythologies, de civilisations dont il est à la fois le bouffon, le phare et l’héritier. Présent dès l’aube de la pensée, le philosophe-artiste ne

A GT é, então, o primeiro centauro nietzscheano. A montagem que levou a cabo das