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Retrospectiva histórica do Curso de Pedagogia: elementos de discussão

3 FORMAÇÃO DOCENTE: INTERFACE PARA A MELHORIA DO

3.1 A PROBLEMÁTICA DO ENSINO BÁSICO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

3.1.2 Retrospectiva histórica do Curso de Pedagogia: elementos de discussão

As precárias condições de trabalho nas escolas públicas e a situação social do professor, associadas a outros fatores, como a qualidade do ensino fundamental no Brasil (Oliveira, 2006) têm gerado, ao longo dos anos, um certo distanciamento entre aqueles que pleiteiam uma vaga nas universidades e os cursos de licenciatura. O “querer ser professor” da educação básica nos parecer não atrair tanto os futuros profissionais, principalmente quando o status social da profissão docente tem sido estabelecido em termos quase exclusivamente econômicos, fazendo com que a função passe a ser desconsiderada ou relativizada.

Esse distanciamento acaba sendo maior ainda no que diz respeito ao curso de Pedagogia, em especial por formar professores para atuarem nos anos iniciais do ensino fundamental, o que faz com que ele seja visto por alguns como de pouco prestígio frente aos demais cursos universitários e de pouca identificação frente ao campo profissional e ao mercado de trabalho no momento da escolha para a formação profissional.

Em nossa atuação como professora deste curso, é comum ouvirmos, nos corredores das universidades, comentários sobre a sua desvalorização. Quer seja na opinião de alguns de seus alunos, quer seja na de alguns alunos de outras licenciaturas, ou da sociedade em geral, a “Pedagogia”, como é assim conhecido, por não oferecer outras perspectivas de formação para além da atuação de professor para os anos iniciais do ensino fundamental, parece ser o primo pobre das licenciaturas, uma vez que os alunos que ingressam nas demais licenciaturas geralmente o fazem, conforme afirmação de Mello (2000 apud UNESCO, 2004, p. 35), “[...] na expectativa de serem biólogos, geógrafos, matemáticos, linguistas, historiadores ou literatos, dificilmente professores de biologia, de geografia, de línguas ou de literatura”.

Paralelamente a esse contexto, permeiam, entre estudiosos, discussões de que esse curso apresenta, desde a sua origem, proposta de uma dupla formação para os profissionais que o procuram. Tais discussões nos remetem a uma breve retrospectiva

histórica do Curso de Pedagogia, aqui realizada a partir da leitura de documentos oficiais como o Parecer Nº 5/2005/CNE/CP (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2005), bem como de estudos realizados por Brzezinski (2002); Libâneo (2007); Silva (2002), dentre outros.

Abordando sobre a identidade desse curso, Brzezinski (2002, p.54) afirma que a questão tem ocupado amplo espaço nos meios educacionais e acadêmico-profissionais, de modo que, para alguns, “falta-lhe-ia um objeto de estudo próprio, [...] para outros, a indefinição vem do campo profissional, e, para terceiros, a culpa é do currículo”. Para a autora, entender os processos que definem a identidade desse curso requer conhecer a sua história, a importância social que possa ter tido, que talvez foi perdida e que precisa realmente ser identificada.

Tendo como base a leitura do Parecer nº 5/2005 do Conselho Nacional de Educação CNE/CP para nós fica evidente que o curso de Pedagogia, inicialmente regulamentado pelo Decreto-Lei n° 1.190, em 1939, apresenta, já no seu início, proposta de uma dupla formação: conforme definido por este Parecer, formava bacharéis denominados “técnicos em educação”, e licenciados, permitindo atuar como professor, aos que, tendo concluído o bacharelado, cursassem mais um ano de estudos, dedicados à Didática e à Prática de Ensino. Tal dualidade, “dissociava o campo da ciência pedagogia do conteúdo da didática, abordando-os em cursos distintos e tratando-os separadamente” (Parecer Nº 5/2005 - CNE/CP), gerando uma indefinição ao curso por dois motivos: através da estrutura curricular, pela falta de clareza entre as disciplinas do bacharelado, as quais deveriam informar sobre a teoria educacional, e as da licenciatura, que deveriam tratar dos aspectos didáticos.

Esse sistema de formação dicotômica permaneceu durante vinte e três anos, até 1962. Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024/61, o Curso de Pedagogia sofre alterações através de Parecer nº 251/62, que fixou o Currículo Mínimo Nacional e a duração do curso prevista para quatro anos (para o Bacharelado e a Licenciatura), preservando, no entanto, a dicotomia bacharelado- licenciatura, omitindo-se em relação ao campo de atuação tanto do técnico como do especialista em educação. Dessa forma, não foram resolvidos os problemas fundamentais do currículo e da identidade do pedagogo, advindos desde a sua origem.

Ainda de acordo com o Parecer nº 5/2005, em 1968, a Lei nº 5.540/68 reformula o ensino superior, como resultado da imediata reorientação da política educacional que foi planejada e posta em prática pelos militares com o golpe de Estado em 1964. Essa Lei extingue as Faculdades de Filosofia Ciências e Letras, lugar do Curso de Pedagogia desde

1939, o qual, reorganizado pelo Parecer nº 252/69, incorporado à Resolução nº 02/69, passa a ser acolhido pelos Institutos de Conteúdos Específicos e da Faculdade de Educação.

Discutindo sobre o assunto, Libâneo (2007, p.46) afirma que

O Parecer CFE 252/69 abole a distinção entre bacharelado e licenciatura, mas mantém a formação de especialistas nas várias habilitações, no mesmo espírito do Parecer CFE 251/62. Com suporte na idéias de ´formar o especialista no professor`, a legislação em vigor estabelece que o formado no curso de Pedagogia recebe o título de licenciado. (grifo do autor).

Essa proposta mantinha uma lógica curricular de formação dos especialistas, que perdurou até os anos 90 do século XX, a qual não continha disciplinas que os conduzissem à reflexão e à apropriação dos conteúdos e métodos próprios do ensino básico elementar, espaço para o qual estavam legalmente aptos a atuar, com exceção da Didática, que passou a figurar na parte comum do currículo mínimo.

Em meados dos anos 80, com a abertura política no Brasil, surgiram novas perspectivas para o curso de Pedagogia, em especial a partir do Movimento Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação de Profissionais da Educação. Como fruto desse movimento, dá-se, no início da década de 90, a criação da Comissão Nacional dos Cursos de Formação do Educador (CONARCFE), órgão executivo do movimento que continuaria com o processo de reformulação dos cursos, cujos objetivos principais eram os de: organizar comissões estaduais representativas para mobilizar as IES, bem como mobilizar os educadores para acompanhar o processo de reformulação curricular nas IES.

De acordo com Brzezinski (2002), a Associação Nacional de Formação de Profissionais de Educação (ANFOPE) surge então, por ocasião do V Encontro Nacional, defendendo, dentre outras propostas, uma política de formação do pedagogo que incluía uma formação inicial de qualidade com suporte na base comum nacional e uma formação continuada e em condições de trabalho dignas, de modo que “a docência passa a ser considerada a base da formação do educador e a marca de sua identidade, embora não sem controvérsias” (BRZEZINSKI, 2002, p. 58).

Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de nº 9.394/1996, o curso de Pedagogia passou a ser tema bastante discutido no final do século XX, quanto aos rumos de processos formativos de professores para os anos iniciais do ensino fundamental, devido ao texto dado pela legislação, nos artigos 62, 63 e 64, que tratam da formação dos profissionais da educação, conforme citados neste capítulo.

Contribuindo com essa discussão, Silva (2002, p. 76) afirma que os conteúdos desses artigos causaram grande impacto e, consequentemente, especulações quanto às

possibilidades da gradativa extinção do curso de Pedagogia no Brasil, uma vez que “uma análise, mesmo que rápida, dos dispositivos indicados permitiu que se fizesse a previsão de que, com o tempo, o curso perderia suas duas mais antigas funções:” o da preparação pedagógica do magistério em nível médio (uma vez que esse nível de ensino na modalidade Normal entraria em processo de desaparecimento) e aquela que se refere à formação dos especialistas da educação (pelo menos nos locais onde se pudesse adotar o nível de pós- graduação com esse fim).

Para esta autora,

essas especulações deram origem à certeza de que, a médio e a longos prazos, a sobrevivência do curso de Pedagogia nas diferentes realidades brasileiras dependeria de como fosse encaminhada outras de suas funções: a de preparação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental. (SILVA, 2002, p. 76).

A autora afirma ainda que a certeza de que a preservação da função de preparar professores para as primeiras séries do ensino fundamental dependeria de como os legisladores quisessem se comportar perante aqueles artigos da Lei estava pautada numa desconfiança fundada na possibilidade de que eles, da maneira como se apresentavam, pudessem constituir objeto de uma interpretação forjada que expropriasse do curso essa função (SILVA, 2002, p. 77).

Essa contextualização nos permite perceber que as discussões em torno das Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia surgem, então, nesse e a partir desse contexto de desconfiança, trazendo consigo a definição do campo de atuação do pedagogo como uma atividade da docência, compreendida para além da atividade pedagógica de ensino em sala de aula, possibilitando o exercício profissional do pedagogo,

[...] na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas [escolares e não escolares] nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2006).

Dessa forma, na primeira década do século XXI, os desafios ainda continuam postos na busca de uma identidade própria para o curso de Pedagogia, frente aos impasses teórico-práticos, uma vez que não tem conseguido definir claramente qual profissional para quais campos de atuação pretende formar, bem como organizar os seus currículos de modo a superar a fragmentação histórica da ciência pedagógica e do trabalho didático, objetos da ação do pedagogo.

Porém, em meio a tantas incertezas, é preciso pensar a formação docente (inicial e continuada) como momentos de um processo contínuo de construção de uma prática docente qualificada e, ainda, como um meio necessário à busca de caminhos para a resolução de algumas das problemáticas do ensino básico no atual contexto. Pois compreendemos que existem estreitas relações entre o conhecimento que se produz na universidade, durante o processo da formação de professores, e os conhecimentos produzidos pelas crianças e jovens nas salas de aula na educação básica.

3.1.3 Programa Especial: uma alternativa para o desenvolvimento profissional de