• Nenhum resultado encontrado

5.1 QUANDO A COMUNICAÇÃO É EFETIVA

5.1.1 Reunião do dia 16 de fevereiro de 2017

Esta reunião se refere ao caso de um paciente de 40 anos que sofria de panhipoptuitarismo, e que, devido à estatura e características infantis da sua constituição física, estava internado na UTIP após sofrer uma parada cardio-respiratória na unidade de internação. A equipe decidiu propor Cuidados Paliativos para ele em função de ser um paciente portador de doença com prognóstico reservado que sofreu uma parada cardio- respiratória, cuja reanimação foi muito complicada pela dificuldade de entubação em função das alterações anatômicas. O cuidador principal era a mãe, já idosa, auxiliada por uma tia e pelas irmãs do paciente, todas adultas. O vínculo afetivo da família com o paciente era bastante forte. A família demonstrava ter condições, tanto financeiras quanto cognitivas, de oportunizar um cuidado adequado e afetuoso para ele em casa. A reunião foi realizada com a presença da mãe, da tia e das irmãs. Não foi uma conversa fácil, segundo relato da familiar entrevistada, pelos sentimentos gerados. Em um dado momento, a mãe pediu para sair da reunião, dizendo que não queria mais ouvir sobre aquele assunto. Quando fiz o convite à mãe do paciente para participar da pesquisa através da entrevista, ela negou, porém, me autorizou a fazer o convite à sua filha, que estivera presente na reunião junto com ela. Essa entrevista foi realizada com a irmã do paciente.

Quando questionei para os três atores deste cenário - Familiar, Profissional Médico e Trabalhador de Enfermagem - o que sabiam sobre o estado de saúde e situação clínica do paciente, houve discrepância no entendimento dos três. O Profissional Médico ressaltou o

prognóstico reservado e a irreversibilidade do caso. O Trabalhador de Enfermagem entendeu que houve uma piora do quadro, sem que houvesse tratamento terapêutico eficiente para reverter a situação e, por isso, ele foi colocado em Cuidados Paliativos. Porém, o ponto de vista do Familiar é diferente:

Ele teve uma parada cardio-respiratória quando estava internado na ala Sul, foi entubado, com muita dificuldade, e a gente sabe (...) que é difícil uma entubação no K. Então ele foi entubado, veio pra UTI, foi reanimado e agora ele está bem no nosso ponto de vista clínico (...) o quadro dele evoluiu muito pra melhor, ele desentubou, tá respirando sem oxigênio já hoje (…) Então pra nós, o quadro dele evoluiu 80% vamos dizer assim. Satisfatoriamente pra melhor, com certeza. (Familiar, 16 fev. 2017)

O Familiar enxerga a melhora do paciente porque ele está voltando ao seu normal, isto é, ao estado de saúde que ele já apresentava antes do evento que o trouxe à UTIP. Esse prognóstico reservado, referido pelo Profissional Médico e compreendido pelo Trabalhador de Enfermagem, está instituído há muito tempo, e a família convive com ele assim há anos, sempre numa perspectiva de tratamento curativo. Possivelmente, até o momento desta conversa na UTIP, ninguém tivesse tocado no assunto da possibilidade de uma abordagem paliativa com a família.

Em relação à decisão tomada a partir da conversa na reunião, para o Profissional Médico, ficou bem claro que as medidas paliativas foram bem instituídas:

Daqui para frente será realizado cuidados em saúde sem que sejam realizados novos exames/intervenções diagnósticas e não será realizado reanimação cardiorrespiratória caso haja uma nova PCR. (Profissional Médico, 16 fev. 2017)

E o mesmo ocorre com o Trabalhador de Enfermagem, que igualmente relata que a reanimação não será realizada se houver nova parada cardiorrespiratória e que os cuidados serão realizados dentro das medidas paliativas, priorizando o conforto. Ou seja, o processo de compartilhamento das decisões tomadas junto com a família foi bem adequado, chegando ao Trabalhador de Enfermagem, que não estava presente na reunião.

Quanto ao familiar, não está explícito em sua fala a medida de não-reanimação se houver nova PCR, mas me parece evidente, no seu discurso, que ela compreendeu a proposta de Cuidados Paliativos e concordou com os benefícios que ela traria ao paciente:

O que ficou decidido é que o K. não vai ser mais exposto, da maneira que ele foi até agora, porque todo o dia se coletava sangue, todo dia se fazia Raio X, todo dia tinha uma equipe tanto da Endócrino quanto da Genética ou de outras equipes vindo fazer exames pra tentar descobrir novas coisas e, como a medicina - eles mesmo dizem - tá se aperfeiçoando, existem novos exames e vamos fazer, vamos tentar… O que eu entendi que foi decidido é que isso não vai mais acontecer porque o caso do K. é irreversível, e isso causa um certo trauma, um certo desconforto, uma certa dor pra ele. Então o que a equipe decidiu, e que eu acho que foi bem decidido, é isso: que não vai ser mais causado esse tipo de sofrimento para ele. Vai seguir o tratamento como tem que ser, vai continuar sendo acompanhado, mas que esse tipo de coisa não vai mais se fazer, porque não tem o porquê mais disso. Já se sabe que ele está numa fase terminal e que tirar sangue todos os dias, fazer Raio X todos os dias não vai melhorar em nada o quadro dele do jeito que está. (Familiar, 16 fev. 2017)

Sobre os sentimentos gerados durante a reunião, o Profissional Médico conseguiu compreender a reação da família, que chorou bastante. Mas segundo a sua percepção, as irmãs e a tia do paciente entenderam bem.

Assim, nesse caso, apesar de ter havido discrepância na visão da situação clínica do paciente pelos três atores, o Familiar compreendeu bem o contexto da proposta e o que ficou decidido, o Trabalhador de Enfermagem recebeu as informações a respeito das decisões tomadas na reunião, e o Profissional Médico conseguiu entender a reação da família no

processo de comunicação. Este caso atingiu pontuação 3 pelo instrumento de análise, sendo classificado como um caso de comunicação efetiva.