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4. A DESCOBERTA DE UM UNIVERSO ESCOLAR: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS

4.1. ANÁLISE DOCUMENTAL: A DIMENSÃO ATITUDINAL PRESCRITA NO PPP DA

4.2.1. As Reuniões Pedagógicas

As reuniões pedagógicas da IMS ocorrem semanalmente nas quintas-feiras, logo após o intervalo – quando os alunos são liberados com uma hora de antecedência em relação ao horário normal –, nas quais, o corpo docente, diretivo e administrativo da escola, integram-se e interagem entre si, configurando-se no que Sarabia (2000) chama de “processo de socialização”.

Ao participar algumas vezes dessas reuniões, foi possível apurar basicamente três propósitos principais, a saber: formação; planejamento coletivo; e compartilhamento de experiências. O primeiro consiste, especialmente, na capacitação dos diferentes profissionais sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras)37, coordenado por uma professora especialista na área da surdez e/ou por uma tradutora/intérprete – ambas da escola –, com a finalidade de auxiliar e/ou aprimorar a interação dos respectivos profissionais com os alunos que possuem deficiência auditiva38. Ora, embora essas reuniões não figurem explicitamente no projeto

pedagógico da IMS, pode-se verificar uma coerência deste propósito com o que está prescrito neste documento, conforme identifica-se no trecho abaixo:

[...] a educação inclusiva tem sido um grande desafio para a escola atual, nessa perspectiva criar oportunidades de estabelecer vínculos afetivos entre alunos surdos e ouvintes pode ser considerado de suma importância para uma real inclusão (PPP-IMS, 2010, p. 139).

O segundo propósito, por sua vez, é coordenado ora pela diretora, ora por uma pedagoga, ora por uma coordenadora de turno, promovendo o planejamento de ações coletivas a serem desenvolvidas a posteriori (eventos e/ou intervenções mais pontuais na e da escola). Aqui, observa-se não apenas uma abertura para o diálogo, mas, até mesmo, um incentivo constante para que todos possam opinar a respeito de determinada pauta e dar as suas respectivas sugestões.

Já o terceiro e último propósito identificado, parece ser uma extensão do anterior, configurando-se como um espaço para o compartilhamento de diferentes situações (boas ou

37 Conforme a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, entende-se como Libras a forma de comunicação e expressão,

em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Ver mais em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/lei10436.pdf>.

38 Não fui informado precisamente a respeito da quantidade de alunos com tal deficiência, mas, em minhas

ruins) vivenciadas por cada profissional, fomentando um diálogo voltado para possíveis contribuições dos presentes. Neste propósito, porém, não é possível notar uma coordenação vigente, partindo de cada profissional a iniciativa de fazê-la. Geralmente, ocorre nos minutos finais da reunião. Sobre este momento, destacamos o seguinte enunciado:

[...] os professores aproveitam para socializar as questões que ocorrem em suas aulas. Eu, por exemplo, aproveito para passar as coisas que eu vejo naquelas reuniões lá fora [reuniões e assembleias do sindicato]. Cada um aproveita para contar o que está fazendo e contar com o apoio da direção. (Professor A)

Nesta perspectiva, conforme pontua Sarabia (2000, p. 140):

[...] os processos de socialização não afetam da mesma maneira a todos os idivíduos. Os sujeitos são submetidos a uma série de combinações diferentes de pressões socializadoras – internas e externas, conscientes e inconscientes, agradáveis e desagradáveis – diante das quais reagirão de maneira diferente. Assim, pode-se articular que estas situações socializadoras de interação e negociação travadas entre os diferentes membros da escola contribuem para o fortalecimento de atitudes autônomas, solidárias e mais ou menos congruentes entre eles. Ora, conforme sustenta Sousa (2001, p. 144-145):

Todas as pessoas que trabalham na escola (educadores, professores, directores, vigilantes, motoristas, porteiros…), deverão possuir um carácter e uma formação que os torne referenciais de valores positivos, em todas e quaisquer circunstancias no quotidiano […] os projetos de vivência de valores organizados a nível de escola deverão incluir os funcionários da mesma, integrando-os de modo que a sua contribuição seja valiosa.

Destarte, quanto maior for a harmonia de interesses, objetivos, valores e atitudes entre os referidos sujeitos na dinâmica da escola, tanto mais eficiente poderá ser orquestrar esse tipo de educação. Da mesma forma, quanto maior for a coerência entre aquilo que se pretende ensinar na escola com aquilo que, de fato, se vivencia neste ambiente, maior será a possibilidade de tornar exequível tal propósito.

Não obstante, apesar dos notáveis ganhos atitudinais atrelados a tais reuniões, cabe-nos, por outro lado, pontuar e problematizar alguns contratempos circunstanciais que acabavam interferindo, em maior ou menor grau, na consecução dos propósitos supracitados. Dentre eles, destacam-se o fator tempo e a falta de objetividade no tratamento das questões em pauta.

No que concerne ao tempo destinado para tais propósitos, observamos, não raras vezes, que este parecia ser insuficiente para abordar todas as pautas apresentadas no início das reuniões, estendendo-se até ao meio-dia, quiça ultrapassando-o. Quando isso ocorria, visivelmente havia um prejuízo no que diz respeito à tomada de decisão coletiva, uma vez que alguns professores não tinham condições de permanecer na reunião, pois precisavam se retirar antes do seu término respaldados pela compreensível justificativa de que ainda ministrariam aulas em outra escola no turno da tarde. Aliás, esta questão foi pontuada na entrevista com uma das coordenadoras de turno, tal como pode-se constatar a seguir:

É um tempo muito curto, muitos professores precisam almoçar e se dirigir a outro local de trabalho, mas, é um momento para debater as questões da escola, conflitos e socialização de coisas positivas, e colocar algumas coisas de ajustes coletivos. (Coordenadora de turno)

Dentro desse contexto, soma-se, ainda, a falta de objetividade que eventualmente pairava nas discussões, em decorrência de aspectos, muitas vezes, já resolvidos, ou então, aspectos que simplesmente não tinham uma resolução imediata. Esta percepção foi corroborada em uma entrevista com um dos professores da escola, conforme demonstrado a seguir:

As reuniões pedagógicas, por exemplo, precisam ser melhoradas porque não são muito objetivas. Às vezes, são pautadas muito mais na parte burocrática e administrativa e menos pedagógica, voltada para resolver os problemas com os alunos. (Professor de Geografia)

De fato, após perguntarmos sobre como os entrevistados viam as referidas reuniões, obtivemos não apenas enaltecimentos dos pontos positivos, mas, também, algumas ponderações e advertências que, inclusive, trouxeram luz para essa questão da falta de objetividade mencionada acima. Ao tecer comentários sobre tais momentos, uma das pedagogas da escola, por exemplo, nos explicou como eles funcionavam até pouco tempo atrás e o que havia mudado:

Nós tínhamos sempre essa reunião [prévia] entre nós [gestão, direção, coordenação] e somente depois dessa organização prévia nós fazíamos a reunião com o grupo de professores. Eu tenho colocado isso para a diretora porque as reuniões, às vezes, ficam muito improdutivas. A gente sempre fez dessa forma: Gente, o que vocês pensam sobre isso? Como a gente pode proceder, encaminhar? Ou seja, já algo pensado anteriormente. Mas, essa coisa de ouvir é muito importante. Às vezes, a diretora não compartilha algumas questões com o corpo administrativo. Às vezes, nem estamos sabendo da pauta de discussão. Então, isso prejudica um pouco o encaminhamento das questões. A democracia

é importante, mas, é preciso, antes, de articulações adequadas e organizadas e depois a socialização para o grupão. (Pedagoga)

Ora, pode-se constatar que, embora reconheça a proeminência dos princípios democráticos inerente às reuniões pedagógicas, a referida profissional se apropria de um discurso voltado, ao mesmo tempo, para o respeito a uma certa hierarquia de papeis, a qual, no seu entender, pode coexistir satisfatoriamente com os primeiros. Assim, verifica-se que tal posicionamento se aproxima daquilo que está prescrito no PPP da escola, conforme descrito no excerto abaixo:

A democracia é, antes de tudo, um processo de participação de muitos ou da maioria, nas decisões de interesses comuns; da vontade e das condições reais e históricas dos povos e dos interesses que dirigem os grupos: é uma conquista constante. Baseamo-nos nos princípios da democracia, pois contamos com a participação de todos nas decisões fundamentais, o que, no entanto, não exclui a existência da autoridade e das normas (PPP-IMS, 2010, p. 8).

De fato, tal como sustenta Veiga (2008) uma organização democrática que priorize a participação como elemento inerente à consecução dos fins, no intuito de desenvolver práticas coletivas e individuais baseadas em decisões tomadas e assumidas pelo coletivo escolar, exige, da equipe diretiva, características como: liderança e vontade firme para coordenar, dirigir e comandar o processo decisório e seus desdobramentos de execução, a fim de garantir o encaminhamento das decisões respaldadas técnica, pedagógica e teoricamente, as quais devem, consequentemente, ser cumpridas por todos aqueles que contribuíram com as respectivas deliberações.

A partir do conjunto de elementos atitudinais pontuados até aqui, aliados a determinados desafios e limitações identificados nas observações e, inclusive, mencionados por diferentes sujeitos acerca daquilo que é pensado e praticado, entendemos ter chegado a um saldo positivo a respeito dos referidos momentos, os quais, aliás, chegam a ser reivindicado por alguns deles, conforme demonstrado no seguinte relato:

Esse momento deveria ser uma normatização, uma coisa concedida para todas as escolas, de acordo com as necessidades de cada uma. Mas, nós precisamos ficar brigando por esse momento, por esse espaço, junto à secretaria de educação porque ele institucionalmente não existe. Deveria ser algo concedido!.(Coordenadora de turno)

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