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Reverso: a juventude e a busca de novos mundos

Capítulo II Resumo de uma grande obra: verso e reverso,

2.2 Reverso: a juventude e a busca de novos mundos

A passagem da meninice à juventude, sendo considerada como processo pessoal na trajetória do poeta, pode ser demarcada mais claramente aos dezesseis anos, apesar da dificuldade em afirmarmos a idade exata em que tais processos se desfecham. É fato conhecido nas biografias existentes que, nesse período o jovem Patativa, convenceu a mãe a vender uma ovelha para que pudesse comprar sua primeira viola.118 Coincidentemente ou não, a partir de então, abandona as caçadas aos passarinhos passando a improvisar seu próprio canto como eles; vindo depois, ironicamente, a receber o codinome de uma de suas próprias caças, a Patativa.

Iniciam-se as apresentações públicas, sempre a pedido de vizinhos e amigos da região, nos sítios das redondezas, nas festas de casamento e aniversários; e como comenta um de seus pesquisadores, “não em volta das fogueiras, como nas vigílias medievais, mas nos alpendres das casas, nos terreiros, nas noites de luar.”119

Na autobiografia de 1956, já citada, escrita para a primeira edição de Inspiração Nordestina a pedido de José Arraes de Alencar, o próprio Patativa relata de modo simples sua trajetória sofrida e comum a tantos de sua região; enfatizando seu pouco tempo de estudo formal.

Com a idade de doze anos, freqüentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses, porém sem interromper muito o trabalho de agricultor. Saí da escola lendo o segundo livro de Felisberto de Carvalho e daquele tempo para cá não freqüentei mais escola nenhuma, porém sempre lidando com as letras, quando dispunha de tempo para este fim.120

117 CARVALHO, Gilmar de. Patativa do Assaré. p.14-15. 118 Idem, p.19.

119 Ibidem.

Nesse mesmo texto, o poeta narra sua viagem ao Pará com apenas 20 anos de idade, na qual conheceu José Carvalho autor de O matuto cearense e o caboclo do

Pará, que contém um capítulo referente à Patativa.

Finalizando essa pequena autobiografia, o poeta se define dizendo “Não tenho tendência política, sou apenas revoltado contra as injustiças, que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da política falsa, que continua muito fora do programa da verdadeira democracia.” 121

Essa viagem realizada aos vinte anos é percebida por alguns pesquisadores como um rito de passagem na vida de Antonio Gonçalves da Silva, sendo em decorrência dela que o poeta recebe o pseudônimo que marcaria sua vida e sua obra, em referência à pequena ave canora do sertão nordestino, através de um artigo de José Carvalho122 no Correio do Ceará, escrito pouco depois de contato com o poeta.

Em sua jornada, Patativa passa por volta de seis meses viajando, entre Belém, a fronteira do Pará com Maranhão e o Amapá, dos quais nos últimos dois meses começa a demonstrar certo estranhamento com aquela vida a transcorrer sobre águas, em casas de palafitas e canoas; e então decide voltar.123

Nessa viagem do poeta, alguns aspectos permitem relacioná-la a um rito de iniciação: a pouca idade de Patativa, o fato de ser esta a primeira saída das proximidades da família e também porque o trajeto atravessou parte do Brasil numa área que liga duas regiões contrastantes, sob o ponto de vista geográfico e populacional; impregnada de simbolismo de uma passagem para a idade adulta, de um afastamento do lar e do fato de ser uma viagem “de trabalho”, visando a divulgação de seu talento.124

Na viagem de volta, Patativa trouxe uma carta de apresentação para a Dra. Henriqueta Galeno, filha do poeta Juvenal Galeno125, autor de Lendas e Canções Populares, e pôde, fascinado, visitar esse famosíssimo poeta popular que se baseara em

121

Ibidem, p. 12.

122 Escreveu no livro “O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará”, Oficinas Gráficas Jornal de Belém,

1930. Aí refere-se à Patativa como sertanejo puro, sempre acompanhado de sua viola e que teve pouca instrução escolar. Esse livro representou a primeira menção pública sobre Patativa, transcreveu alguns de seus improvisos e pode ser considerado uma referência histórica; foi republicado em 1973, mas raramente é encontrado, segundo o pesquisador CARVALHO, Gilmar de. Patativa do Assaré, p.82.

123 ANDRADE, Cláudio Henrique Sales. Patativa do Assaré: as razões da emoção (capítulos de uma

poética sertaneja), p.38-40.

124 Ibidem, p.41.

125 Juvenal Galeno, considerado grande monumento da poesia popular, era primo de Capistrano de Abreu,

por parte de pai, e de Clóvis Bevilácqua e Rodolfo Teófilo, por parte de mãe; baseava-se nos cantos de vaqueiros e jangadeiros para elaborar sua poesia de dicção popular, segundo o pesquisador CARVALHO, Gilmar de. Patativa do Assaré, p.22-23.

cantos de vaqueiros e jangadeiros e usava a dicção popular como opção estética; a mesma dicção popular adotada pelo próprio Patativa, porém como fruto de sua vivência e experiência pessoal.

Ao retornar de sua viagem ao Pará, o poeta voltou a Serra, ao trabalho no campo e ao roteiro de improvisações e pequenas apresentações públicas; é interessante acrescentar que nesse período, fez-se necessário incorporar ao epíteto de pássaro a sua procedência geográfica, devido a grande profusão de patativas poetas e cantores surgidos naquela região, sendo assim que Antonio tornou-se Patativa do Assaré.126

Depois de algum tempo do retorno de sua viagem ao Pará, Patativa pede uma jovem serrana em casamento, Belarmina Cidrão, conhecida de infância de sua família; e realizadas as conversas costumeiras entre as mães dos noivos, casaram-se em janeiro de 1936. Dessa união nasceram quatorze filhos, dos quais só nove chegaram à idade adulta, e apenas sete estão vivos.127 Dona Belinha foi a companheira amorosa do poeta e,

infelizmente, faleceu em 1994 deixando-o solitário e emocionado sempre que o tema é levantado.128