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2.1 INTERAÇÕES NÃO COVALENTES COMO FERRAMENTAS ÚTEIS NA FORMAÇÃO DE ESTRUTURAS AUTO-ORGANIZADAS

Indiscutivelmente, as interações não covalentes, conhecidas também como interações intermoleculares, têm um papel importante na formação e manutenção dos compostos de coordenação. Ainda que estas interações sejam comumente consideradas fracas, a Tabela 1, a qual apresenta alguns exemplos mais comuns deste tipo de interação, mostra que a força delas cobre uma faixa significativa de energia, iniciando em poucos kJ mol-1 (empilhamento ) até centenas de kJ mol-1 (interação íon-íon). Estas interações possibilitam a comunicação entre as entidades químicas formadoras do cristal e podem trabalhar de forma aditiva e cooperativa concedendo maior estabilidade ao arranjo molecular11.

Tabela 1. Interações não covalentes mais comuns em termos de força e direcionalidade

Interação

Energia da interação

(kJ mol-1) Direcionalidade

Íon-íon 200-300 Não direcional

Íon-dipolo 50-200 Fracamente direcional

Dipolo-dipolo 5-50 Fracamente direcional

Ligação de hidrogênio 4-120 Direcional

Empilhamento  0-50 Direcional

Fonte: Adaptado de Steed, J. et al. (2007) 12.

2.1.1 Íon-íon, Íon-dipolo e Dipolo-dipolo

As interações do tipo íon-íon, íon-dipolo e dipolo-dipolo são regidas pela atração eletrostática entre cargas opostas. Considerada o extremo em termos de força

de interação, a interação íon-íon é não direcional e tem sua força comparada à de uma ligação simples C-C (aproximadamente, 350 kJ mol-1)12. As interações íon-íon são importantes porque determinam a distância entre as partes interagentes e podem influenciar as orientações das subunidades num processo de automontagem13. Um exemplo de empacotamento molecular envolvendo este tipo de interação é a do cátion [CH3(CH2)3]4Ncom o ânion Cl formando [CH3(CH2)3]4NCl, Figura 1-a.

As interações do tipo íon-dipolo e dipolo-dipolo resultam da atração eletrostática entre um íon e uma molécula neutra polar ou duas moléculas polares, respectivamente. Estas interações são consideradas fracamente direcionais pois, nestes casos, há a necessidade de que as moléculas se alinhem de tal forma que a interação das cargas negativas, por exemplo, com as cargas positivas seja otimizada. A grande extensão de valores para ambos os tipos de interação, 50 a 200 kJ mol-1 para íon-dipolo e 5 a 50 kJ mol-1 para dipolo-dipolo, implica que a força da interação está relacionada com a espécie envolvida em relação à densidade de carga sobre o átomo ou grupo de átomos.

A interação íon-dipolo é aquela que ocorre, por exemplo, na interação de éteres coroa com cátions, e em casos específicos com ânions ou moléculas neutras de baixa massa molecular. A Figura 1-b mostra um exemplo da formação de [K(C20H24O6)]I3, no qual o éter coroa interage com o íon K através da atração eletrostática do somatório das cargas parciais negativas dos átomos de oxigênio presentes na estrutura, aprisionando-o dentro da estrutura cíclica14.

(a) (b)

Figura 1. Exemplos de entidades moleculares e/ou iônicas envolvidas em interações não covalentes. (a) interação íon-íon; (b) interação íon-dipolo.

Fonte: Figura (a), Steed J. et al. (2007) 12; figura (b), construída com o programa Mercury a partir do arquivo CIF de código CSD: ZITSUQ de Blake, A. et al. (1996) 14.

Na interação dipolo-dipolo ocorre o alinhamento de um dipolo com outro mais próximo formando um par passível de interagir com outro par formado no meio, como no caso de solventes polares apróticos (Figura 2-a). No entanto, na cristalização de complexos solvatados, devido à maior força da ligação de hidrogênio frente à interação dipolo-dipolo (Tabela 1), a formação da interação dipolo-dipolo entre as moléculas do solvente é desfavorecida, sendo preferível, na maioria dos casos, a ocorrência de ligações de hidrogênio (Figura 2-b) 15; 16.

(a) (b)

Figura 2. (a) Representação da interação dipolo-dipolo em moléculas de propanona; (b) representação

estrutural de [Os(tbbpy)2Cl2]·2(C2H6O), tbbpy sendo a 4,4’-di-terc-butil-2,2’-bipiridina. Dois átomos de hidrogênio pertencentes ao ligante tbbpy realizam ligações de hidrogênio (linha pontilhada em preto) com o átomo de oxigênio da molécula de propanona.

Fonte: Figura (a), adaptada de Steed, J. e Atwood, J. (2009) 11; figura (b), construída com o programa Mercury a partir do arquivo CIF de código CSD: ARIMEV de Habermehl, J. et al. (2016) 15.

2.1.2 Ligação de Hidrogênio

As ligações de hidrogênio têm notável importância frente às demais interações não covalentes. Elas são encontradas na natureza, como por exemplo, na água, e pode ser considerada como uma das interações básicas no controle e formação de organismos vivos. O grande destaque para a importância das ligações de hidrogênio nas estruturas biológicas ocorreu em 1951 com a descoberta das estruturas da -hélice e folha-por L. Pauling e R. Corey17; 18 e em 1953 com a descoberta da dupla hélice, estrutura formadora do ácido desoxirribonucleico por J. D. Watson e F. Crick20 baseado no trabalho da química Rosalind Franklin20. Sua

importância é tal que o conceito se estendeu para quase todas as áreas do conhecimento correlatas a química e a biologia21-23.

Na química sintética, diversas moléculas utilizadas nos processos de construção de estruturas estendidas, através de interações não covalentes, possuem átomos de hidrogênio hábeis a formar ligações de hidrogênio importantes no que diz respeito à força e ao número de ligações formadas. Como consequência, o conjunto das ligações de hidrogênio existentes no sistema pode controlar a disposição das moléculas tanto em solução quanto no estado sólido24-28.

O conceito da ligação de hidrogênio foi introduzido por Linus Pauling em 1939, em seu trabalho sobre a descrição na natureza da ligação química. Pauling descreveu esta interação como sendo uma ligação formada quando um átomo A é capaz de retirar densidade eletrônica de H numa ligação covalente A-H deixando o próton H com baixíssima densidade eletrônica. Assim, o átomo de hidrogênio em A-H seria capaz de formar uma ligação de hidrogênio com um átomo B, por atração eletrostática, caso B possuísse um par de elétrons livres ou nuvem eletrônica polarizável29.

Atualmente, a ligação de hidrogênio pode ser representada por D-H···R. Ela envolve um átomo de hidrogênio ligado covalentemente a um átomo ou grupo de átomos mais eletronegativo do que H como, por exemplo, o átomo de oxigênio, o qual age como o átomo doador, D. O átomo receptor, R, é eletronegativo e fornece a densidade eletrônica necessária à ligação, como mostra o Esquema 111; 30; 31. Nessa representação D e R referem-se às espécies doadoras e receptoras, respectivamente, do átomo H que fará a ligação de hidrogênio.