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Revisão das Lacunas das Abordagens Teóricas

PARTE I – Revisão da Literatura e Modelo de Análise

Capítulo 4 – Questões de Investigação e Modelo de Análise

4.2. Revisão das Lacunas das Abordagens Teóricas

Um dos objectivos da reforma da Administração Pública em Portugal encetada em 1985 é a prestação de melhores serviços públicos, dando prioridade à relação entre o cidadão e a Administração e à qualidade do serviço prestado. Esta evolução procurou enquadrar- se nas tendências da New Public Management, à semelhança das opções tomadas por vários países desenvolvidos. Mais recentemente, tem-se verificado uma tentativa de revitalizar os serviços públicos, procurando inovar a sua distribuição ao cidadão e às empresas através do conceito de one-stop-shopping. Em Portugal esta estratégia resultou na criação de diversas formas de distribuição presencial dos serviços públicos, com destaque para as Lojas do Cidadão e dos Centros de Formalidades para as Empresas.

Com efeito, a aposta na qualidade do serviço e na orientação para o cliente, bem como num sector público mais responsável e com melhor desempenho, são objectivos definidos à luz da NPM. Esta nova forma de gestão pública pretende também dar maior ênfase à descentralização, hierarquias mais flexíveis, ligação acrescida com o sector privado, bem como maior capacidade de decisão dos clientes e dos funcionários públicos. De acordo com Araújo (2001), esta evolução passa nomeadamente por uma maior autonomia de cada unidade, clara definição dos objectivos e medidas de desempenho, estilo de gestão privada, ênfase no controlo dos resultados e não tanto dos processos e maiores preocupações com a eficiência. Em suma, o objectivo é evoluir

para uma gestão pública que vai de encontro às necessidades dos utentes e não das estruturas burocráticas Porém, é importante perceber se esta nova forma de distribuição dos serviços públicos – one-stop-shopping – é, de facto, um expoente da NPM ou somente uma etapa mais avançada da burocracia da Administração Pública portuguesa – “old wine in new bottles” (Araújo, 2001, p. 931).

Neste âmbito, e com base na revisão da literatura efectuada no Capítulo 2 (Qualidade dos Serviços) e no Capítulo 3 (Avaliação em Serviços Públicos) foram identificadas algumas lacunas que se pretende agora rever. Em primeiro lugar, verificou-se a preponderância dos modelos utilizados na investigação dos serviços do sector privado no contexto público. Ora, diversos autores reconhecem as especificidades dos serviços públicos (cf. Pollitt, 1993; Rago, 1994; Gaster, 1995; Halachmi, 1995; Mintzberg, 1996; Rocha, 2001; Kelman, 2005), pelo que parece ser útil considerar algumas dessas características no desenvolvimento de modelos especificamente adequados à arena pública.

Desde logo, para além dos destinatários directos dos serviços públicos (os utentes), existem outros grupos de interesse que devem ser considerados (cf. Provan e Milward, 2001). Ou seja, na prática as organizações públicas relacionam-se com um vasto conjunto de grupos sociais, que muitas vezes têm interesses conflituantes: cidadãos, clientes, utentes e contribuintes (termos que Alford (2002) explica não serem equivalentes), governo, poder local, entidades reguladoras, empresas privadas e os próprios funcionários públicos. Assim, encontraram-se alguns estudos que analisam as questões da qualidade, satisfação e desempenho dos serviços públicos tomando em consideração os diferentes grupos de interesse do serviço público (cf. Doyle, 1994; Atkinson et al., 1997; Provan e Milward, 2001; Neely et al., 2002; Bourne et al., 2003; Ferlie et al., 2004). Ainda assim, verificou-se que a perspectiva relacional está pouco desenvolvida na maioria dos estudos sobre avaliação dos serviços públicos, que abordam o serviço público essencialmente como uma relação que se estabelece unicamente entre a entidade pública e o utente, procurando apenas medir as percepções e expectativas deste, sem analisar como se desenvolve essa relação.

Em segundo lugar, existem carências ao nível da investigação da avaliação dos serviços públicos pelos utentes. Com efeito, muito embora se verifique um crescente interesse na utilização de sondagens junto dos utentes dos serviços públicos, como forma de complementar os resultados das medidas internas da qualidade do serviço (Smith, 1993; Kelly e Swindell, 2002), esta evolução não tem sido acompanhada pelo desenvolvimento de modelos adequados à avaliação da satisfação do cidadão (Van Ryzin, 2004). Assim, torna-se necessário criar paradigmas que melhor permitam conhecer especificamente o processo de avaliação dos serviços públicos pelos cidadãos, nomeadamente no que concerne a sua distribuição, permitindo, deste modo, trabalhar os dados obtidos com as sondagens e, ainda, possibilitando aos gestores públicos compreender a resposta dos cidadãos ao seu desempenho. Então, a avaliação e compreensão das percepções dos cidadãos/clientes através de modelos adequados ao contexto público é essencial à melhoria do desempenho do sector público (Smith, 1993; Roch e Poister, 2006).

Por outro lado, apesar de se ter desenvolvido recentemente alguma investigação sobre o papel das expectativas na avaliação em contexto público, é ainda pouco conhecida a relação entre a desconfirmação das expectativas e a satisfação com os serviços públicos (Roch e Poister, 2006). Acresce que, segundo estes autores, na maior parte dos estudos sobre serviços públicos, a relação entre a desconfirmação das expectativas e a satisfação baseia-se em medidas demasiado simples e claramente insuficientes.

A revisão da literatura tornou ainda claro que o papel das emoções não tem sido suficientemente explorado nos modelos de avaliação dos serviços públicos, em particular no que diz respeito esforço emocional do utente no seu relacionamento com as instituições públicas (Vigoda-Gadot, 2000). Similarmente, não se encontraram evidências do reconhecimento da existência da zona de tolerância sugerida por Berry e Parasuraman (1991) e significativamente difundida na investigação dos serviços privados.

Adicionalmente, apesar da literatura ser bastante clara quanto à distinção entre satisfação e insatisfação, sendo diversos os autores que não as entendem como meros

opostos considerando antes que algumas determinantes são primeiramente uma fonte de satisfação, enquanto outras tendem a ser primeiramente causa de insatisfação (cf. Swan e Combs, 1976; Maddox, 1981; Cadotte e Turgeon, 1988; Hausknecht, 1988; Johnston, 1995a; Vanhoof e Swinnen, 1996; Dawes e Rowley, 1999), exceptuando alguns casos pontuais (cf. Edvardsson, 1998) percebeu-se que aquela divergência não é levada em consideração na maior parte dos estudos sobre avaliação dos serviços públicos pelos utentes.

Finalmente, foram escassos os estudos encontrados que consideravam não somente a avaliação do serviço público pelo utente, como também por outros grupos de interesse. No entanto, como Bovaird (2001) explica, o valor do serviço público deve ser avaliado de acordo com diferentes pontos de vista, consoante os grupos de interesse envolvidos. Dever-se-á, então, considerar a avaliação do utente, mas também a dos seus utilizadores indirectos, assim como o valor para a sociedade em termos gerais. Estes destinatários dos serviços públicos são, de facto, muito diversificados, tendo em muitos casos interesses conflituantes, pelo que o desempenho das entidades públicas é, na prática, avaliado por múltiplas partes (Boyne, 2003) de forma subjectiva (Roemer-Mahler, 2006), não se devendo, então, limitar a uma única medida.