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Lista de abreviaturas e símbolos

R 2 Coefficient of determination

2. Estado da arte

2.1. Explorando a cultura de tecidos vegetais para estimular a produção de compostos fenólicos

2.1.1. Introdução à cultura de células e tecidos vegetais

2.1.1.1. Revisão histórica da cultura de células e tecidos vegetais

A história da cultura de células e tecidos vegetais tem sido extensivamente descrita ao longo dos anos, em livros especializados ou em artigos científicos, mas também em artigos bibliográficos dos seus intervenientes mais importantes como Haberlandt, Gautheret, White, Murashige, Skoog entre outros. Neste sentido, e numa perspetiva de uma visão atualizada sobre a cultura in vitro, apresenta-se na Figura 2 uma breve descrição histórica sobre este tópico, realçando os pontos mais marcantes do desenvolvimento da técnica. Em 1902, Gottlieb Haberlandt propôs a primeira explicação teórica para a cultura in vitro de tecidos baseada na totipotência das células vegetais, tendo tentado perceber a funcionalidade e relações estabelecidas entre as células num organismo multicelular. Este estudo foi realizado cultivando células isoladas numa solução nutritiva (Loyola-Vargas & Vázquez-Flota, 2006). Contudo, a primeira cultura de células vegetais só ocorreu em 1922 quando Kotte e Robbins cultivaram raízes e caules de plantas superiores com o intuito de ultrapassar os problemas de esterilização do meio (Kotte, 1922; Robbins, 1922).

A descoberta dos fitorreguladores, também conhecidos por hormonas vegetais, foi também uma etapa que revolucionou o desenvolvimento da cultura in vitro de plantas sendo possível, a partir desse momento e de uma certa maneira, controlar os processos fisiológicos envolvidos na germinação e formação de células especializadas, órgãos e tecidos (Roberts, 2012). O primeiro fitorregulador descoberto foi o ácido 3-indolacético (IAA), em 1926, por Went (Hussain et al., 2012). Em 1934-1935, foi desenvolvida a primeira cultura

in vitro “verdadeira” por Gautheret em associação com White e Nobecourt uma vez que

envolveu o estabelecimento de tecido meristemático de Acer pseudoplatanus em meio solidificado combinando solução de Knop, glucose, cisteína, IAA e vitaminas levando à diferenciação de tecidos e onde se obteve uma cultura infinita de calli (Gautheret, 1939). A partir desse momento, imensos estudos de investigação em diferentes plantas, órgãos e tecidos foram direcionados para o teste de diferentes combinações de soluções nutritivas. As décadas entre 1940 e 1960 são apontadas como das mais importantes para o desenvolvimento da grande maioria das técnicas para cultura in vitro ainda hoje usadas. Durante esse período houve também muito avanço no campo dos fitorreguladores, tendo-se descoberto a cinetina em 1955 como hormona da divisão celular o que levou os investigadores Skoog e Miller, em 1957, à descoberta do controlo hormonal para formação

de determinados órgãos em cultura ajustando simplesmente a concentração/rácio de auxinas e citoquinas no meio (Skoog & Miller, 1957).

Mas a descoberta mais importante foi conseguida por Murashige e Skoog, em 1962, aquando do desenvolvimento do muito conhecido meio MS (Murashige Skoog) para cultura de células de tabaco que consiste numa alta concentração de sais, mas baixa concentração de azoto, macro e micronutrientes, uma fonte de carbono (p. ex.: sacarose), vitaminas do complexo B e também fitorreguladores (Murashige & Skoog, 1962). O que estes investigadores alcançaram pelo desenvolvimento do meio MS foi a combinação de todos os requisitos nutricionais para um grande grupo de plantas, permitindo que este meio seja ainda hoje usado por muitos investigadores nos seus estudos sobre cultura in vitro de plantas (Loyola-Vargas & Vázquez-Flota, 2006).

Nos anos seguintes, muitos investigadores prosseguiram com a investigação do papel dos fitorregulares do desenvolvimento de plantas in vitro (Loyola-Vargas & Vázquez- Flota, 2006; Hussain et al., 2012), e a totipotência das células vegetais foi demonstrada tanto em partes cada vez mais pequenas e desdiferenciadas da planta, como em células individuais por Stewart, em 1966, e em protoplastos por Tabeke, em 1970 (Loyola-Vargas & Vázquez-Flota, 2006).

Em relação à utilização da cultura de tecidos vegetais para a produção de metabolitos secundários com grande interesse fitoquímico, a primeira tentativa ocorreu em 1950 pela Companhia Charles Pfizer com a intenção de produzir compostos fitofármacos para a indústria farmacêutica em grande escala, especialmente penicilina, recorrendo a um bolor extraído de melões crescidos in vitro (Lombardino, 2010). No entanto, a aplicabilidade industrial da cultura de células para a produção de metabolitos secundários foi somente considerável viável em 1978 na Alemanha e Japão (Loyola-Vargas & Vázquez-Flota, 2006). Apenas uma década depois, em 1987, a produção destes metabolitos recorrendo a técnicas

in vitro ultrapassou a produção em plantas crescidas em solo, com base em resultados de

mais de 30 sistemas de cultura de células diferentes, tendo sido considerado um processo economicamente viável para a produção dos mesmos (Savangikar, 2004; Loyola-Vargas & Vázquez-Flota, 2006). Os protocolos de imobilização e técnicas de “scale-up” permitiram o desenvolvimento de sistemas de produção de metabolitos in vitro que são funcionais a nível comercial, sendo usados para a produção de vacinas e proteínas (Kintzios, 2008). Uma das maiores histórias de sucesso é a produção de taxol e ácido rosmarínico para utilização comercial pelas suas propriedades quimioterapêuticas e atividade antioxidante, respetivamente (Kintzios, 2008). A expansão da cultura de células e tecidos vegetais continuou, tendo sido aplicada a um número crescente de espécies de plantas e em várias áreas de aplicação. No entanto, para os investigadores continuou a ser uma ferramenta muito importante para o estudo da morfogénese, metabolismo primário e outros processos fisiológicos (Collin, 2001; Smetanska, 2008).

Apesar do conceito de cultura de células vegetais ter aparecido no início do século XX, os primeiros artigos publicados sobre o tema só apareceram em meados da década de 20 (Figura 3) e até à década de 60 não houve qualquer progresso por parte da academia em termos de resultados publicáveis. No entanto, e como foi dito anteriormente, foi a partir da década de 60 que ocorreu o maior impulso na cultura de células e tecidos vegetais, com o desenvolvimento de novas técnicas e meios de cultura, mas também com a descoberta da importância fisiológica dos fitorreguladores. Como pode ser observado na Figura 3, desde o início da década de 60 houve um notável crescimento no número de artigos relativamente a esta matéria. Em termos de indústria, até aos meados da década de 80 o seu interesse não era significativo quando comparado com os resultados publicados pela academia. No

entanto, o número de patentes relacionados com a cultura de células ultrapassou atualmente o número de trabalhos publicados em investigação.

Figura 3. Número de artigos de investigação e revisão, e patentes publicadas no período compreendido entre 1920 e 2015

relativamente à cultura de células e tecidos vegetais (dados obtidos no web of science, Fevereiro de 2015; palavras-chave: “cell and tissue culture” e “plant”) (Dias et al., 2016).

O principal objetivo deste capítulo é realçar as vantagens da produção de compostos fenólicos (incluindo antocianinas) em cultura de células e tecidos vegetais, uma vez que de todos os compostos bioativos referidos no sub-capítulo 2.1.2, os compostos fenólicos são os que nos despertam maior interesse e para o qual o grupo de investigação está mais direcionado. Será feita uma apreciação sobre o valor acrescentado deste tipo de compostos e também das vias biossintéticas envolvidas na sua produção. Vários extratos e compostos produzidos por técnicas de cultura in vitro serão também enumerados, assim como as técnicas de elicitação mais usadas para a produção dos mesmos, realçando os também os próprios compostos fenólicos como elicitores.