• Nenhum resultado encontrado

Assim como a integração europeia, a cooperação militar europeia tem revelado ser um desafio para a classe política e académica. Desde os estudos de segurança às teorias da integração, são várias as contribuições teóricas sobre a ideia de uma defesa europeia, contudo: “Não se encontra Doutrina suficientemente fundamentada para avalizar a dispensa das forças armadas em qualquer estado, pequeno ou grande, nas aras da paz perpétua, do estado universal ou de qualquer projeto multilateral coordenado por grandes potências regionais. A Doutrina persiste em afirmar que a capacidade militar é o ponto forte em que se apoia a política externa e as foças armadas o instrumento especial de defesa dos interesses nacionais.” (Bessa, 2001)

Num olhar evolutivo sobre o processo de integração da UE podemos distinguir 3 correntes teoréticas diferentes (Ferreira, 2016): o institucionalismo racionalista, o institucionalismo histórico e o institucionalismo sociológico.

As abordagens sociológicas à integração europeia estudam o processo de decisão e de mudança política enfatizando o papel das normas culturais e das práticas discursivas e não discursivas na constituição dos interesses dos atores institucionais e na determinação dos seus padrões de socialização e de aprendizagem social (Schmidt & Radaelli, 2004). Consideram que os interesses e as preferências dos atores são construções intersubjetivas que definem um espaço normativo de decisões políticas viáveis num determinado contexto organizacional e estabelecidos através de socialização e interação coletivas (Schmidt & Radaelli, 2004).

O institucionalismo histórico concentra a sua análise no estudo dos efeitos cumulativos que as instituições internacionais, por via da sua autonomia e complexidade orgânica vão paulatinamente desenvolvendo e que se consubstanciam em efeitos de ramificação entre sectores, padrões institucionais de interação entre órgãos institucionais e

entre estes e os EM (o neo-funcionalismo ou as teorias sobre a governação multinível e sobre redes políticas são abordagens subsidiárias do institucionalismo histórico) (Ferreira, 2016).

Segundo Schmitter (2004), o neo-funcionalismo possui uma ontologia evolutiva já que assume que os interesses dos atores mudam consideravelmente durante e devido ao processo de integração. Só em casos excecionais uma organização ramifica as suas funções extravasando a sua cápsula e assumindo o estatuto de organização política – neste caso policy entrepreneur. O desenvolvimento de um processo de ramificação depende da constatação por parte de grupos de interesse domésticos e transnacionais dos benefícios materiais da integração (Rosamond, 2000:50-73). Quando essa condição é satisfeita tanto os grupos privados como os atores tecnocráticos tornam-se recetivos às possibilidades que a integração regional representa e tendem a desenvolver estratégias para beneficiar do processo (Rosamond, 2000). Ora, a CE e a indústria de defesa constataram que há benefícios mútuos na formulação da política aqui destacada. Esta dissertação analisa como a CE, por via da sua autonomia e complexidade orgânica vai paulatinamente desenvolvendo efeitos cumulativos na ramificação dos seus poderes.

A primeira geração de institucionalistas históricos foi mais eficaz em explicar a continuidade do que a origem de mudanças institucionais ou endógenas como demonstra a teoria original neo-funcionalista que considera o spillover o motor da integração (Pollack, 2008). Por esta razão, tanto o institucionalismo histórico como o racional deram atenção crescente, ao desafio de teorizar sobre as origens da continuidade e mudança na vida política. No institucionalismo histórico uma segunda geração nascente focou-se no argumento central de que as instituições e políticas existentes podem produzir um feedback positivo que suporta as atuais instituições, como também um negativo que cria pressões para uma mudança institucional e política (Pollack, 2008). Neste sentido, instituições e políticas existentes podem ter efeitos perversos que minam gradualmente o seu próprio apoio social ou político (Streeck

and Thelen 2005; Hall and Thelen 2006). Neste caso, é através de um processo de feedback negativo com a intervenção epistémica do ISS e do GoP que a CE procura legitimar uma comunitarização da PCSD.

O estudo das políticas executivas da UE não é exclusivo às teorias da escolha racional (Tallberg, 2007). No entanto, o institucionalismo racional e a análise Principal-Agente têm emergido na passada década como a abordagem dominante no estudo da CE e do crescente número de agências da EU (Pollack, 2008). Questionam-se sobre como e em que condições um grupo de principais (estados-membros) podem delegar poderes a agentes (supranacionais) como a CE, o BCE e o Tribunal de Justiça. As análises racionalistas têm demonstrado coletivamente que os governos da UE delegam poderes aos agentes executivos de forma a reduzir os custos de transação na formulação de políticas, em particular através da monitorização do cumprimento dos estados-membros, do colmatar de tratados quadros (“contratos incompletos”), e da rápida e eficiente adoção de regulações, evitando um processo legislativo moroso (Moravcsik, 1998; Pollack, 2003; Franchino 2002, 2004, 2007).

Na abordagem proposta nesta dissertação, irá estudar-se ao invés, a delegação de poderes por parte da CE a um Grupo de Personalidades. Desta forma coloca-se a CE como Principal, valorizando o seu papel inovador na integração europeia.

Apesar das contribuições substanciais, as abordagens racionalistas desconsideram o argumento central dos neo-funcionalistas, o conceito da integração europeia como um processo evolutivo, frequentemente em resultado de consequências involuntárias e decisões tomadas no início do processo, tornando-se difíceis de controlar ou reverter (Pollack, 2008). Daí que muitos autores se tenham virado para o institucionalismo histórico de forma a compreender os aspetos temporais da integração, incluindo os fenómenos de path- dependency, lock-in e feedback (Pollack, 2008). Num artigo pioneiro, Scharpf (1988) argumenta que as regras institucionais (intergovernamentalismo; unanimidade) de certos

sistemas de tomada de decisão, como o federalismo Alemão ou a UE, levam ao que intitulou de “armadilha da decisão conjunta” em que uma dada política ou instituição tende a tornar-se imóvel, rígida e inflexível, mesmo em face de um ambiente político mutável. Scharpf (2012) reconhece que o método comunitário poderá garantir negociações de maior sucesso do que o estritamente intergovernamental, se a CE reduzir os custos de transação política e garantir neutralidade. Se considerarmos a PCSD e a AED como uma política e uma instituição que se tornaram reféns da “armadilha de decisão conjunta” é possível que o financiamento supranacional à pesquisa para a defesa europeia leve a uma adaptação das instituições e da própria PCSD.

Apesar dos seus pontos fortes, um olhar atento revela que ambas são essencialmente meso-teorias, preocupadas maioritariamente com os efeitos das instituições como variáveis intervenientes na política da UE, daí que nenhuma destas abordagens constitua uma teoria adequada da integração europeia, cujas causas permanecem tipicamente exógenas à teoria (Pollack, 2008). No entanto, a compatibilidade entre as teorias de escolha racional e do institucionalismo histórico com outras teorias racionais da política oferece a hipótese de interligar análises de nível meso sobre as instituições da UE com teorias generalistas que possam explicar o processo de integração mais aprofundadamente.

Nesta dissertação, o foco da análise ocorre precisamente na agência da CE e na sua capacidade autónoma de criar agendas, como revela esta AP proposta. Podemos considerar que ocorreu um efeito de lock-in ou de “armadilha de decisão conjunta” no aspeto funcional da PCSD pelos constrangimentos do método intergovernamental (Scharpf, 2006). A CE desenvolveu uma estratégia para abrir caminho para a comunitarização da segurança e defesa. A meu ver a crise económica e as crescentes ameaças à segurança europeia foram os fatores exógenos e os gatilhos que permitiram uma mudança política das elites europeias abrindo a

possibilidade para mudanças institucionais num cenário previamente rígido e inflexível que tem caracterizado a PCSD.

Na literatura sobre a integração europeia a PCSD, anteriormente vista como o parente pobre da integração económica (Øhrgaard, 1997), tem ganho cada vez mais relevo, e é já considerada como uma peça central do projeto europeu (Bickerton, Irondelle, & Menon, 2011). As teorias da integração como a neo-funcionalista, focam-se nas áreas da low politics pois são passíveis de sofrerem efeitos de spill-over, ao contrário da segurança e defesa. Consequentemente o estudo da PCSD tem sido dominado por teorias das RI (Bickerton et al., 2011). O realismo estrutural tenta explicar a cooperação europeia na PCSD através de mudanças estruturais, nomeadamente, pelo papel hegemónico dos EUA e a transformação do sistema internacional. Contudo, o realismo estrutural apresenta várias propostas contraditórias com base nas mesmas variáveis operativas (Bickerton et al., 2011; Cross, 2013), assumindo que qualquer acordo cooperativo ou de integração é baseado no menor denominador comum. O realismo clássico, de olhar mais contextual, vê as instituições como canais fracos para mediar interesses divergentes (Cross, 2013). Ambos providenciam, portanto, uma explicação fraca para o sucesso da PCSD ao assumirem ser impossível uma política de segurança e defesa verdadeiramente integrada. (Cross, 2013). O Prof. Dr. Sousa Lara (Lara, 2002:104) olha para a integração regional enquanto demonstração de uma capacidade de adaptação por parte do estado:

"(...) O Estado soberano, sentindo-se impotente para realizar satisfatoriamente os fins clássicos que lhe são atribuídos contratualiza em grandes espaços formais e informais a sua resolução e que longe de se poder considerar esta atitude como suicida, se deve considerar como uma adaptação às novas condições conjunturais e, portanto, uma atitude realista em termos políticos."

O liberalismo intergovernamental, assume que os processos de negociação interestatal são os motores da integração. Os estados negoceiam e cooperam como forma de atingir os

seus interesses nacionais (Cross, 2013). As instituições são criadas para reduzir os custos de transação e para encorajar cooperação futura. Contudo não explica porque os estados partilham soberania em áreas tão sensíveis como a segurança e defesa, nem valoriza o papel dos atores, que dentro das instituições, trabalham a favor da integração. As teorias de regimes internacionais assumem que em contextos de incerteza, os estados adotam normas racionais, incluindo acordos de cooperação e criando instituições para garantir que estes perdurem (Cross, 2013). Prevê que um regime internacional se dirija para mais cooperação desde que não haja entraves colocados pelas instituições nacionais. O papel das instituições é reduzir os riscos da cooperação e aumentar o fluxo de informação, para garantir relações de soma positiva num ambiente de incerteza (Cross, 2013). Omite, contudo, o papel de agência e o contexto social, acabando por criar generalizações sobre os vários regimes. Howorth e Jolyon (2012) acrescentam que o domínio da segurança e defesa opera segundo o “intergovernamentalismo supranacional”, isto é, áreas de tomada de decisão formalmente intergovernamental são determinadas informalmente por processos supranacionais

Devido às limitações das abordagens tradicionais, vários autores focaram-se no que deveria ser o papel da UE no contexto securitário, questionando o seu carácter normativo e propondo uma perspetiva holística para as questões securitárias (Manners, 2006; Sjursen, 2006; Haukkala, 2007). Segundo Manners, a UE deve aplicar os princípios normativos que nortearam o processo de integração ao desafio da segurança, não caindo na tentação de dar prioridade a políticas securitárias de vista curta, em detrimento de políticas normativas que promovam o desenvolvimento e paz sustentável (Manners, 2006). É preciso notar que o poder normativo corre riscos quando se gera a perceção de que não há vontade em recorrer ao hard power. Logo a incapacidade de agir pode ser tão problemática quanto a capacidade de agir (Hyde-Price, 2006).

Os avanços dados na última década em relação à PCSD são maioritariamente iniciativas da CE para a harmonização do mercado de defesa europeu associadas a outras iniciativas, conjuntamente com a AED. Através do entrosamento entre uma abordagem construtivista limitada e o institucionalismo histórico, esta dissertação pretende analisar como a CE procura expandir a sua área de intervenção através de estratégias de legitimação de base epistémica.

Este trabalho, coloca a sua análise nos estudos de segurança e de integração política regional. Há contributos relevantes para estas áreas na literatura sobre comunidades epistémicas. Uma linha de investigação digna de menção reverte para o impacto da ideologia e do contexto nacional nas elites científicas (Mitchell, Herron, Jenkins-Smith, & Whitten, 2007), concluindo-se que a ideologia e certos valores como o patriotismo sobrepõem-se à formação de uma convergência transnacional, e logo, da formação de uma comunidade epistémica. Resumidamente, tanto o contexto como os valores pesam nas preferências das elites científicas (Mitchell et al., 2007). Esta dissertação irá debruçar-se sobre um grupo de personalidades, que tendo em conta o seu contexto nacional e valores defendidos, poderá apresentar visões diferentes para o futuro do mercado de defesa europeu e para a PCSD.

Cross (2012; 2013; 2015) aborda frequentemente a PCSD, utilizando a abordagem das comunidades epistémicas. Utilizando o critério da profissionalização e da coesão interna, identifica o Comité Militar da UE como uma comunidade epistémica, que provou ter uma capacidade de ação autónoma e de influência sobre os decisores políticos no sentido de alargar o âmbito das missões EUFOR Chade e NAVFOR Atalanta (Cross, 2013). Outra contribuição de Cross (2015) identifica as condições que levam uma rede de conhecimento a não formar uma comunidade epistémica. Considerando “não-casos”, pretende delinear os limites do conceito. Usando os casos da Agência Europeia de Defesa (AED) e Centro de

Análise de Intelligence da UE (IntCen) identifica dois critérios que inviabilizam a consideração destas instituições enquanto comunidades epistémicas, designadamente, a estrutura burocrática e a natureza da profissão. O primeiro tem que ver com a estrutura interna da instituição, concluindo que se esta for hierárquica e formal, como a AED, não se gera massa crítica a um nível horizontal para se formar uma comunidade epistémica (Cross, 2015). Tem um mandato bem definido à partida, funcionando como uma burocracia tradicional sem margem de autonomia. O segundo critério refere-se às qualidades internas da não- transparência e secretismo que certas profissões e organizações securitárias requerem. Como o caso da IntCen, a natureza dos seus profissionais e do seu mandato limitam a formação de comunidades epistémicas (Cross, 2015).

Faleg (2012) também se debruça sobre este conceito, argumentando que a conceptualização da SSR (Reforma do Sector da Segurança) ocorreu através do esforço de comunidades epistémicas nacionais e transnacionais. Moldaram o discurso político que se foi difundindo ao ponto de se institucionalizar na OCDE e na UE. Faleg argumenta que os decisores políticos retiraram muitas recomendações dos Chaillot Papers nº80 do ISS demonstrando a sua capacidade de influência (Faleg, 2012). A hipótese do ISS se tornar uma comunidade epistémica no trabalho aqui proposto sai reforçada, mais ainda quando a tarefa que assume foi delegada pela CE (Faleg,2012).

A abordagem das comunidades epistémicas surge como uma alternativa às restantes teorias das RI. Cross (2013) sugere que possui maior capacidade explicativa por levar em conta micro-processos chave, sendo ao mesmo tempo uma teoria generalizável, pois tem em conta a natureza do poder e influência de vários atores da UE, isto é, a sua especialidade profissional partilhada. Colocando a ênfase nesta questão, permite a identificação de normas e valores dentro da comunidade epistémica, o que, por sua vez, pode revelar o rumo que determinada área de intervenção política possa seguir (Cross, 2013).