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A utilização do conceito de comunidades epistémicas tem sido restrita desde a sua introdução às RI (Cross, 2012; Cross, 2013; Morin, 2014). A literatura sobre o conceito tem sido parca, espaçada no tempo e com casos particularistas, sem que se desenvolvam generalizações (Cross, 2012). Tem-se focado particularmente em assuntos de regulação internacional associada ao ambiente e ao controlo de armamento nuclear (Cross, 2012).

Em função disso, gerou-se a ideia de que as comunidades epistémicas são compostas apenas por cientistas, e que a utilidade do conceito para compreender as RI é restrita (Cross, 2012). Antoniades (2003) interpreta o texto original de Haas com especial enfâse no carácter positivista do termo epistémico, e considera a aplicação do conceito exclusiva a áreas do conhecimento cientifico. A pesquisa realizada com este conceito veio restringir o escopo empírico do mesmo, focando-se de forma limitada sobre redes de cientistas e casos de estudo únicos, em vez de prosseguir por uma via comparativa (Cross, 2012). Nesta dissertação testa- se precisamente um caso de estudo que alarga o escopo empírico do conceito.

Podemos distinguir duas vagas de literatura sobre as comunidades epistémicas (Cross, 2012). A primeira é relativa à edição especial da revista International Organization (1992). Em casos de estudo muito diversos, analisou-se a capacidade de influência que as comunidades epistémicas podem criar nos decisores políticos. Drake e Nicolaïdis (Cross, 2012) argumentam que uma comunidade epistémica especializada em serviços conseguiu, perante uma visão protecionista dos estados, introduzir o tema da liberalização na área dos serviços como parte do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), convencendo os governos mundiais de que iria ser benéfico à escala global (Cross, 2012). Ikenberry por seu lado, estudou o influente papel que uma comunidade epistémica anglo-americana teve durante as negociações de Bretton Woods e a sua capacidade de popularizar medidas Keynesianas (Cross, 2012). Adler (1992) sugere que uma comunidade epistémica doméstica americana

teve a capacidade de persuadir a comunidade internacional em criar um regime de controlo de mísseis balísticos nucleares. Outros casos de estudo enriquecem a literatura com temas tão variados como a regulação bancária por Kapstein ou a proteção da camada de ozono por Haas (Cross, 2012).

Uma segunda vaga surge no seguimento da edição mencionada acima. Zito (2001) investiga o papel de uma comunidade epistémica ambientalista na criação da política da UE no combate às chuvas ácidas. Argumenta que a estrutura institucional da UE é um ambiente favorável à influência de comunidades epistémicas por existirem vários “pontos de acesso” e a inovação ser valorizada (Zito, 2001). Verdun (1999) coloca a hipótese de o Comité Delors, identificado como uma comunidade epistémica, ter sido usado como um instrumento legitimador da integração ocorrida através da União Económica e Monetária. Argumenta que os vários governos europeus procuraram um grupo de especialistas que os auxiliassem a delinear os próximos passos da integração de forma a dar mais ímpeto ao projeto europeu. Sem o relatório, redigido pelo Comité Delors com autonomia e independência, haveria razões para desconfiar dos objetivos e motivações de uns governos nacionais face a outros (Verdun, 1999)

Dunlop (2009) também vem demonstrar o alcance e a capacidade para a multidisciplinaridade que esta abordagem oferece. Na sua análise sobre a campanha da utilização de hormonas de crescimento no gado bovino, compara o processo de difusão de conhecimento, entre as comunidades epistémicas e as autoridades políticas, nos EUA e na UE. No primeiro caso, abriu-se caminho para o uso de hormonas de crescimento, enquanto que no segundo tal não ocorreu, apesar da objetividade da produção do conhecimento científico (Dunlop, 2009). A utilidade da sua inovação permite realizar análises comparativas entre diferentes áreas de governação para compreender como o processo de difusão de

conhecimento ocorre e explicar a variação que existe na influência exercida por comunidades epistémicas no output político (Dunlop, 2009).

Dunlop (2010) também faz uso do conceito de comunidade epistémica para aprofundar o estudo do Problema “Principal-Agente”. Um decisor político enfrenta sempre o dilema da eficiência e da credibilidade na delegação de funções a um painel de especialistas, neste caso identificado como uma comunidade epistémica (Dunlop, 2010). Pode usar o conhecimento transmitido por uma comunidade epistémica para legitimar uma determinada política, ou para definir os seus interesses e os do estado numa situação de incerteza particular. Dunlop introduz uma distinção entre comunidades epistémicas evolutivas e governamentais. As primeiras geram-se naturalmente pela socialização de profissionais de uma determinada área do conhecimento, enquanto as segundas são criadas pelo poder político, como o Comité Delors de Verdun (1999), e semelhante à conceção de comunidade epistémica híbrida introduzida por Elzinga (Meyer & Molyneux-Hodgson, 2010). Assume-se que as comunidades epistémicas evolutivas (Agente) providenciem mais credibilidade aos decisores políticos (Principal), e que as governamentais providenciem mais eficiência na formulação de políticas (Dunlop, 2010). Utilizando o caso empírico das hormonas de crescimento para o gado bovino na UE, são apresentadas duas comunidades epistémicas às quais foi delegado o estudo do impacto para a saúde humana da sua utilização (C. Dunlop, 2010). A comunidade epistémica governamental criada pela CE, supostamente menos credível, viu o seu conhecimento transferido para a formulação de políticas públicas. Dunlop (2010) descreve que tal ocorreu, porque havia um alinhamento prévio da sociedade europeia com uma visão negativa sobre o uso de hormonas de crescimento. Esta dimensão social adicional demonstrou ser importante na relação Principal-Agente, levando a UE a escolher a informação providenciada pela comunidade epistémica a quem tinha delegado essa função, com um menor grau de autonomia, logo de credibilidade (Dunlop, 2010). O uso de comunidades epistémicas governamentais demonstrou ser uma proposta importante para

compreender o processo de governação da UE no sentido em que estas podem ser eficientes no alinhamento com o poder político, e assumir um papel credível na formulação de políticas (Dunlop, 2010). Esta distinção é relevante no âmbito deste trabalho, pois a ser considerada uma comunidade epistémica, o grupo de trabalho GoP on the Preparatory Action for CSDP- related research seria uma comunidade de tipo governamental com poder delegado pela CE (Comissão Europeia, 2013).