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Revisitando as questões de investigação

Parte III – Estudo empírico

3. Revisitando as questões de investigação

Feita a leitura dos resultados à luz do quadro teórico que mobilizámos, julgamos pertinente revisitar as questões de investigação, procurando perceber se fomos capazes de corresponder ao objetivo e propósito desta investigação: compreender o que acontece na escola com os alunos que, não sendo considerados em situação de abandono escolar efetivo, permanecem matriculados no sistema educativo/formativo sem se envolverem no seu processo de aprendizagem, embora reúnam e manifestem, em diferentes graus, um desengajamento face à escola, como que incubando o abandono efetivo que, mais cedo ou mais tarde, tem muitas probabilidades de ocorrer e que designámos de abandono oculto.

Assim, procurámos desvelar a(s) realidade(s) por detrás das estatísticas, isto é, dos números que oficialmente traduzem uma melhoria na taxa de APEF, mas que não contemplam um sem número de alunos que, tendo características para terem já abandonado efetivamente, se mantêm na escola.

A primeira questão que considerámos pertinente colocar foi “Quem são estes alunos? Quais as suas trajetórias escolares?”.

O estudo que desenvolvemos permitiu-nos, a nosso ver, constatar empiricamente que existe abandono oculto e possibilitou-nos criar e comprovar que estes alunos têm um determinado perfil. Estes são alunos marcados em grande parte por condições de desvantagem socioeconómica, com necessidade de apoio da ASE, e cujas trajetórias educacionais se caracterizam por um fraco desempenho escolar, nomeadamente, um elevado número de retenções, por traços de absentismo seletivo ou efetivo, por problemas de comportamento e indisciplina e por características individuais de desengajamento escolar, tais como, dificuldades de aprendizagem, baixa autoestima, desmotivação/ desinteresse e desorganização / falta de hábito estudo. Características estas que são exponenciadas quando pertencentes a uma etnia minoritária, particularmente a etnia cigana.

A segunda questão que tentámos responder foi “Porque se vão alheando do seu processo de aprendizagem? Que motivos levam estes alunos a permanecerem no sistema educativo/formativo?”

Esta foi uma questão de difícil resposta pois, e esta é uma limitação do nosso estudo, teria sido importante ouvir, na primeira pessoa, o que estes alunos têm a dizer. Contudo, os resultados que obtivemos pela aplicação do DIAO, pelo SASAT e pela pesquisa documental que efetuámos permitem-nos gizar uma possível resposta. Com efeito, as respostas ao SASAT ajudam-nos a vislumbrar os motivos pelos quais se vão alheando do seu processo de aprendizagem. Efetivamente, como vimos, uma parte relevante dos alunos respondentes tinha uma perceção de que os seus pais tinham baixas expectativas quanto à sua educação. A esta perceção acresce que as aspirações e expectativas educacionais que os alunos respondentes revelaram, atingem um patamar médio-baixo, isto é, cerca de 50% dos alunos esperava no máximo concluir o 12.º ano. Por outro lado, uma parte dos alunos respondentes (cerca de 25%) revelou ainda baixo sentido de pertença à escola, baixo autoconceito académico, ou seja, não se consideram “bons alunos”, nem com capacidade para responder aos desafios que a escola lhes coloca e alguma “descrença” no apoio socioemocional que podem obter dos professores. Em último lugar, parte significativa da amostra (50%) manifestava algum desagrado quanto ao clima de aprendizagem em sala de aula, sendo que cerca de 25% considerava mesmo que o clima de sala de aula não promovia a aprendizagem dos alunos. Assim, e de acordo com Jasińska-Maciążek e Tomaszewska-Pękała (2017), a manifestação destas características tem influência no desengajamento escolar e ajudam-nos a perceber porque é que estes alunos se vão alheando do seu processo de aprendizagem.

Quanto à segunda parte da questão, a primeira impressão com que ficámos foi a de que a obrigatoriedade de se manterem na escola até aos 18 anos é o principal fator que os leva a permanecer. Assentámos esta nossa perceção no facto de, consultados os registos biográficos, constatarmos que os alunos em APEF são obrigados à matrícula, mas não à frequência, permanecendo matriculados ao longo do seu percurso escolar e mantendo-se em APEF ao longo de anos, deixando formalmente a escola apenas quando completam os 18

anos. O mesmo podemos inferir para os alunos com índices elevados de absentismo efetivo e seletivo, pois a sua permanência deve-se à pressão institucional da escola e das instituições para as quais estes alunos são sinalizados: Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), Equipa Multidisciplinares de Apoio aos Tribunais (EMAT) e Segurança Social, mormente devido ao receio das famílias em perderem o Rendimento Social de Inserção (RSI), um proveito essencial em famílias muito desfavorecidas.

Finalmente, a última questão de investigação: “De que modo permanecem no sistema educativo, isto é: qual o seu percurso educativo? E como é que estão, sem estarem?”. A esta questão fomos respondendo ao longo da nossa análise dos resultados obtidos através do DIAO. Assim, em cada nível de gravidade do DIAO, olhando para a situação escolar do aluno no ano letivo 2018/19 e para os resultados do SASAT, fomos referindo que dos alunos da amostra que permaneceram no sistema de ensino (82): 40 alunos repetem o mesmo plano de estudos, 20 experimentam um percurso escolar diferente e os restantes 22 alunos frequentam o ano de escolaridade subsequente. Deste modo, podemos considerar que a maioria dos alunos mantém a sua trajetória escolar e que a escola parece ou não ter bem presente a gravidade da sua situação ou não ter grande variedade de respostas personalizadas para lhes oferecer. Por outro lado, estes alunos permanecem na escola, mas manifestam uma atitude de desinteresse e descrença face ao que a escola lhes pode dar e possuem um conjunto de características que potenciam o desengajamento escolar. Assim, parece-nos estar perante um quadro favorecedor de desengajamento escolar e de abandono oculto e, em último caso, de posterior APEF.

Estes alunos permanecem compulsivamente na escola, por força de um “círculo de ferro” que se gera em seu redor e que os impede (e penaliza de muitos modos) de abandonar a escola. Fica claro que é muito mais este círculo de ferro normativo e sociopolítico que faz com que estes alunos permaneçam na escola do que como resultado de um esforço e de uma política institucional escolar. De facto, além de permanecerem ocultos, o que evidencia desde logo um problema da maior gravidade, a escola tende a encontrar soluções (personalizadas) que não promovem suficientemente a sua inclusão, antes potenciam a lenta exclusão

alunos para percursos escolares menos qualificados). Esta exclusão, ainda que praticada de modo implícito e assente em rotinas escolares instaladas, e por isso também ela oculta, constitui um ponto a merecer uma análise ainda mais aprofundada, tendo em vista a sua desocultação. Uma maior justiça escolar e social passa também pela compreensão deste fenómeno como prática institucional.