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A Revista do Museu e Arquivo Público do Rio Grande do Sul: primeiros artigos

No subcapítulo anterior, discorri sobre as mudanças administrativas do museu, as atividades exercidas em cada departamento, a distribuição das salas, seus funcionários e como as discussões raciais se inseriam neste museu em transição. Na construção deste cenário não citei um elemento importante: a publicação das Revistas do Museu e Arquivo Público do Rio

Grande do Sul. Desde a direção de Francisco Rodolfo Simch ter uma revista do museu era um

desejo da diretoria, e ele foi concretizado na gestão de Alcides Maya.

As primeiras revistas do museu foram publicadas entre os anos de 1927 e 1930, mas, antes disso, o Arquivo Público já havia publicado outros 18 volumes do periódico, cujo título era Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Manolo Silveiro Cachafeiro (2018) expõe que esta revista esteve em circulação entre os anos de 1921 e 1925, ano em que ocorre

a transferência da Seção Histórica do Arquivo Público para o museu54. Assim, do número 1 ao 18 as publicações corresponderam às questões consideradas relevantes para o Arquivo Público do Estado, como correspondências entre militares, câmaras municipais e o poder central, relatos de expedições militares de campanhas realizadas no início do século XIX, documentos sobre as missões, mapas do Estado, inventários e distribuições de sesmarias. Nos anos de 1925 e 1926 a publicação foi pausada, devido à transferência das documentações históricas do arquivo para o Museu Júlio de Castilhos e a organização da Seção Histórica em seu novo espaço.

No segundo semestre de 1927, a publicação foi retomada com uma estruturação diferente, pois daquele ano em diante a revista contou também com artigos do Museu Júlio de Castilhos. Com essa nova edição, o título do periódico passou a ser Revista do Museu e

Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Com a revista retomada foram publicados

trimestralmente seis volumes, com os números 19, 20, 21, 22, 23 e 24 durante um período de três anos – 1927 a 1930 –. A partir do número 19, já sob o novo título, Revista do Museu e

Arquivo Público do Rio Grande do Sul, foram incorporados artigos do Departamento de

História Natural, do Departamento de História Nacional do Museu Júlio de Castilhos, além da continuação das transcrições de documentos do Arquivo Público. Nesse sentido, importa atentar para o prefácio da 19ª edição da revista que destacava o seguinte:

No período que encetamos com a edição do presente número, serão também versadas todas as matérias contidas no programa das novas seções do Departamento de História Nacional e no plano geral de estudos do novo Departamento de História Natural do Museu, em particular as relativas ao meio rio-grandense (geologia, mineralogia, botânica, paleontologia, antropologia e arqueologia). (MAYA; DUARTE, 1927, p. 04).

Neste excerto, o diretor Alcides Maya e o chefe da seção de história do Arquivo Público, Eduardo Duarte, explicavam que a revista editada teria suas publicações divididas entre os dois departamentos do museu, História Nacional e História Natural. É interessante notar que a estrutura projetada para o museu em 1925, também se refletia na revista do museu, ou seja, os trabalhos na instituição estariam divididos entre os departamentos, tanto no espaço físico, quanto no periódico. A revista era um meio de divulgar as diferentes pesquisas

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Para mais informações sobre o histórico das revistas do Arquivo Público e do Museu Júlio de Castilhos ver: CACHAFEIRO, Manolo Silveiro. As Publicações do Museu Júlio de Castilhos e do Arquivo Público do

Estado do Rio Grande do Sul (1903-1960). Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Museologia) MSL

–Museologia/UFRGS, 2018. Disponível em:

https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/181714/001073713.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 8 mar. 2019.

produzidas no Museu Júlio de Castilhos ou que estivessem relacionadas com documentos e objetos existentes na instituição.

Mesmo que as reclamações de Emílio Kemp apontassem para o desleixo do Departamento de História Natural, a revista não refletia tal discurso, pois a maioria dos artigos publicados era vinculada a este departamento. Nesse sentido, tem-se a hipótese que os artigos sobre história natural podem ser oriundos das pesquisas realizadas na administração de Simch, pois, naquela época, o museu voltava-se apenas para este campo do conhecimento e seu diretor produzia pesquisas e tinha o desejo de publicá-las em uma revista do museu. Na tabela 1 pode ser observada a quantidade de artigos publicados nas revistas:

Tabela 1 – Quantidade de Artigos publicados na Revista do Museu e Arquivo Público do Rio

Grande do Sul:

Número Ano Botâni

ca

Zoologia Geologia Antropologia Arqueologia História Documen tos Total 19 1927 03 02 01 01 05 20 1928 02 01 01 01 02 01 10 21 1928 02 01 01 01 02 07 22 1930 01 01 02 23 1930 01 01 24 1930 01 02 03 Total p/ área 06 05 02 02 03 08 02 28 Fonte: CACHAFEIRO, 2018, p. 43.

A tabela 1 mostra uma quantidade significativa de artigos publicados nos seis anos do periódico, relacionados ao Departamento de História Natural (Botânica, Zoologia, Geologia, Antropologia, Arqueologia). Esta quantidade equivale a 64,28% do total de publicações. Os artigos de arqueologia e antropologia somam 17,85% no total de publicações. A maioria dos artigos referentes aos povos indígenas que viveram no período que antecedeu à chegada dos europeus e também no pós-contato, estavam na parte dedicada ao Departamento de História Natural, o que mostra a continuidade dos agentes do museu em considerar os povos originários como objetos de estudo das ciências naturais.

Os artigos que analisarei estão presentes no número 21 da revista. Infelizmente, o número 20, publicado em 1928, não foi encontrado nos locais que pesquisei, mas sabe-se que

nele existiram os seguintes artigos: Etnográficos, autor Carlos Von Koseritz 55, extraído da

Gazeta de Porto Alegre; Primitivos Habitantes do Rio Grande do Sul, autor Hugo Otto

Luedecke56; Os Coroados da Província Brasileira do Rio Grande do Sul, de Reinhold Friedrich Hensel57. Entre as revistas foi a publicação com a maior quantidade de artigos relacionados com os povos originários, seus autores eram referências em assuntos etnológicas na época, principalmente, Von Koseritz, o que mostra o interesse do museu em publicar artigos sobre o assunto.

No número 21 da revista, datada de 1928, há o artigo Sobre os Sambaquis do Estado

do Rio Grande do Sul de autoria de Theodoro Bischoff58. Ainda, na revista número 21, chama a atenção o artigo Ruinas dos Sete Povos das Missões de Rosauro Tavares59, estando este texto localizado na seção do Departamento de História Nacional; nesse artigo os indígenas Guarani e Charrua são citados a partir de uma narrativa histórica. Na tabela 2, tem-se a quantidade de artigos publicados por autores:

Tabela 2 – Quantidade de artigos publicados por autores na Revista do Museu e Arquivo

Público do Rio Grande do Sul (1927-1930):

Autores Formação Nº de artigos Nº da Revista

AUGUSTO, Irmão Botânico 04 20,21,22 e 24

BISCHOFF, Theod Arqueólogo 01 21

DUTRA, João Botânico 01 21

GLIESH, Rudolf Zoólogo 02 19 e 20

HENSEL, Reinaldo Historiador 01 20

IHERING, Hermann V. Naturalista 02 19 e 21

KOSERITZ, Carlos Von Antropólogo 01 20

LUEDECKE, Hugo Otto Historiador 01 20

MARTIUS, G.F.Ph. Von Botânico 01 20

55

Carlos ou Karl von Koseritz (1830-1890) era um professor, folclorista, antropólogo, empresário, político jornalista e escritor teuto-brasileiro. Para mais informações sobre esse intelectual consultar: WEIZENMANN, Tiago. Karl von Koreritz e a imprensa em Porto Alegre no século XIX (1864-1890). Tese (Doutorado em História) PPG/PUC-RS, Porto Alegre, 2015.

56

Historiador. 57

Reinhold Friedrich Hensel foi um historiador e zoólogo alemão que ficou na província do Rio Grande do Sul de 1863 a 1866, era representante da Academia de Ciência de Berlim. O artigo publicado na revista é fruto da experiência do alemão, que passou uma semana entre os Coroados da Colônia Militar de Caseros. Esse mesmo artigo também foi publicado em Zeitschrift fur Ethnologie, em Berlin no ano de 1869 (BECKER, 1995).

58

Foi um naturalista e arqueólogo alemão. 59

Foi um historiador e na época da publicação do seu artigo na revista era funcionário do museu, exercia a função de Terceiro Oficial.

PAWELS, P. Geraldo J. Historiador 01 23 SIMCH, Francisco R. Mineralogista 01 21

Textos sem identificação 10 19, 20, 21, 22 e 24

Total 27

Fonte: CACHAFEIRO, 2018, p. 44.

Sobre as profissões dos autores dos artigos publicados nas revistas, Cachafeiro (2018) atenta:

No que tange à biografia e à atividade profissional dos autores dos artigos publicados na Revista do Museu e do Arquivo Público do RGS, constatou-se que parte dos mesmos ocupavam cargos públicos na Administração Estadual, Municipal e até mesmo Federal; eram professores, diretores de órgãos públicos, promotores; outros eram ligados ao sacerdócio -. Observa-se ainda que alguns dos autores dos textos e/ou artigos publicados, na Revista do Museu e do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, possuíam formação religiosa e estavam vinculados a algumas das principais instituições educacionais do Estado, como por exemplo, o Colégio Anchieta e Farroupilha, onde ministravam a disciplina de ciências naturais – botânica, fauna e zoologia, onde as aulas oportunizavam pesquisas e observações. (CACHAFEIRO, 2018, p. 44 e 45).

Nesse contexto, os autores que escreveram textos a respeito dos povos indígenas eram profissionais de diferentes áreas, tais como: história, antropologia, ciências naturais e arqueologia. Esta evidência demonstra a complexidade em analisar a produção de representações sobre os povos originários no periódico do museu, pois os diversos profissionais que tinham autoridade para escrever na revista tinham cada qual a sua perspectiva a respeito do assunto tratado, ou seja, não se encontra uma narrativa homogênea sobre os povos indígenas, mas similaridades quanto ao uso de alguns termos para designar as diferentes nações originárias. Sabendo das contradições, ambiguidades e subjetividades intrínsecas a cada artigo, analisarei cada publicação atentando para quem estava escrevendo, diluindo o que cada autor escreveu para enfim, compreender o que os autores que tiveram espaço na revista do museu produziram a respeito dos povos indígenas.

Inicio a analise com o artigo intitulado, Sobre os Sambaquis do Estado do Rio Grande

do Sul, de autoria do arqueólogo e naturalista Theodoro Bischoff (1928), localizado no

volume 21 da revista publicada no ano de 1928. O texto possui 31 páginas, nas quais Bischoff (1928) descreve fisicamente todos os sambaquis explorados por ele no litoral norte do Rio Grande do Sul. Assim, os sambaquis abordados são: os de Lagoa da Fortaleza, do Lago da Cidreira, Lago da Cerquinha, Sambaqui da Tapera de Joaquim Bernardes e Sambaquis nas Dunas Novas de Capão das Cabras. Theodoro Bischoff (1928) expõe quais foram os objetos arqueológicos encontrados em cada sambaqui explorado, muitos deles caracterizados por

cacos de vasos, lascas de pedras, boleadeiras, conchas, ossadas de animais e de humanos. Interessante destacar o que o autor diz sobre os sambaquis localizados em Torres:

Mais ao norte da Província, em Torres, onde a costa é de rocha, só há sambaquis formados de conchas, de ostras que, se diz, não são inferiores aos europeus na importância; porém eles são aproveitados para fins industriais, fabrica-se cal dos mesmos; dentro em pouco deles também se dirá: Era uma vez! Infelizmente não estive lá; o não permitiram o tempo e as circunstâncias. Entretanto, o que restará de tudo dentro de poucos anos? Lá eles são destruídos por mãos humanas. (BISCHOFF, 1928, p.16).

Theodoro Bischoff (1928) afirma que “se diz” que os sambaquis da Província em Torres não são inferiores aos dos europeus, aspecto que demonstra uma tendência em citar a Europa para comparar descobertas arqueológicas no Brasil. Outro elemento que chama atenção neste excerto é a ênfase ao perigo da industrialização dos sambaquis para fazer cal, pois para o autor (BISCHOFF, 1928) os sambaquis seriam destruídos pelas mãos humanas e logo não sobraria nada para ser estudado. Assim, observa-se a preocupação por parte de Bischoff (1928) com a preservação das descobertas arqueológicas.

A descrição de Bischoff (1928) a respeito dos sambaquis explorados é rica em detalhes. Mas, é sobre a forma com que o autor (BISCHOFF, 1928) estuda as populações que habitavam os sambaquis que busco destacar. Ao escrever sobre os homens e mulheres que viviam nos sambaquis, o autor (BISCHOFF, 1928) utiliza a palavra “selvagens/selvagem” inúmeras vezes, como por exemplo, na seguinte frase: “O raro aparecimento de ossos de mamíferos poderá ter sua origem parcial no fato de que os selvagens se alimentavam mais de produtos do mar do que da terra, que eles não eram caçadores” (BISCHOFF, 1928, p. 17). Outros termos utilizados são “índios” e “bugres”, todos para se referir às diferentes culturas – não europeias – que já habitaram o Rio Grande do Sul em épocas distantes da contemporaneidade do autor, como se pode observar no excerto:

[...] nossos bugres do mato tinham plantações; eles plantavam milho, mandioca uma espécie de abobora e talvez mais alguma coisa; cultivavam uma espécie silvestre de pimentão e o empregavam como tempero. Os bugres do campo talvez nunca tiveram plantações; o solo arenoso, magro, infrutífero, do qual ainda hoje se obtém escassa colheita, mesmo com forte adubação, não animava. Entretanto, a invenção e o uso das bolas eleva estes índios muito acima dos comedores de mariscos que, sobre as suas dunas, na costa do mar ou no meio dos pântanos, ainda menos que aqueles que pensavam em plantações. (BISCHOFF, 1928, p. 21).

O termo “selvagem” é antagônico ao “civilizado”, e na perspectiva das teorias raciais o selvagem está hierarquicamente abaixo da pirâmide racial, justamente por se opor ao que se padronizava como “civilizado”. Assim, ao se referir aos povos originários como “selvagens” o autor mesmo que estivesse recentemente estudando estes povos já os colocava em posição

de inferioridade. Sobre a palavra “bugre” Guisard (1999) explica que o termo tem sua origem na Idade Média, quando ocorreu um movimento herético na Europa que contrariava os preceitos da Igreja e ao decorrer do tempo ganhou outros significados, todos com conotação pejorativa. Nesse sentido:

É possível estabelecer três expressivas matrizes para se compreender as significações ligadas ao termo bugre: religiosa, moderna e biológica. Essas matrizes dispõem-se em camadas de significações sucessivas no tempo, mas as posteriores não eliminam as anteriores, acrescentam-se umas às outras ao longo da história. Assim, a matriz religiosa fornece significados preciosos: herege-sodomita e infiel- traiçoeiro. Pode-se dizer que os significados mais antigos – o de herege e sodomita – desaparecem na atualidade enquanto conteúdos determinados, mas a desqualificação absoluta que aqueles termos contêm ainda permanece. As significações de infiel e traiçoeiro podem hoje ser encontradas. Na matriz ‘moderna’, ligada às novas práticas econômicas e políticas da modernidade, encontram-se os pares preguiçosos- vagabundo e estrangeiro-inteiramente outro. As significações devidas a uma matriz biológica – deficiente-incapaz e violento-desordeiro – também estão presentes no imaginário sobre o bugre. (GUISARD, 1999, p. 94).

No Brasil, este termo foi associado aos povos originários, bem como em outros países da América Latina. Assim, os indígenas foram chamados de “bugres” por terem hábitos diferentes dos europeus, como andarem nus ou seminus, não compactuarem com a fé cristã, não terem traços físicos iguais aos dos europeus, entre outras características que para os portugueses, e, posteriormente, para outros imigrantes europeus, eram compreendidas como imorais.

O estudo realizado por Bischoff (1928) produziu a partir das palavras representações que colocavam os indígenas em posição de inferioridade para com os europeus, sejam eles habitantes de sambaquis, de campos ou de matas. Esta hierarquização não ocorreu somente no âmbito europeu-indígena, pois o autor também classificou os diferentes povos originários, como se pode ver abaixo:

A diversidade do modo de viver, dos utensílios e armas usadas pelo menos na forma, demonstram claramente que os <<bugres>> dos sambaquis, os do campo e os do mato pertenciam a três tribos distintas, sendo que a dos sambaquis ocupava o grau inferior, porém os nossos bugres do mato se avantajavam em inteligência aos do campo; isto demonstra os machados de combate, perfurados, os cacos bem trabalhados e muitos com delicadas pinturas, e as urnas fúnebres da época moderna; também encontrei panelas que estavam pintadas na face superior. (BISCHOFF, 1928, p. 20).

A partir dos objetos encontrados em cada área explorada Theodoro Bischoff (1928) produziu representações sobre os habitantes que nestes locais um dia viveram. Para além da classificação racial em que os brancos/europeus estariam no topo, ainda, há a hierarquização de cada nação indígena, o que evidencia uma perspectiva evolutiva na narrativa do autor.

Assim, para ele existiam povos mais evoluídos, os “civilizados”, e outros não, portanto, classificados como inferiores/primitivos.

O artigo também é rico em imagens, como por exemplo, a imagem mostrada logo abaixo, na figura 6. Nela pode-se ver o desenho de ossadas, que podem ser de animais ou de humanos, elementos encontrados com frequência pelo arqueólogo que relata ao longo do artigo as inúmeras ossadas descobertas nos diferentes sambaquis.

Figura 6 – Imagem de um dos sambaquis explorados por Theodoro Bischoff (1928):

Fonte: BISCHOFF, 1928, p. 35.

Os elementos encontrados pelo arqueólogo em cada sambaqui são essenciais na produção de suas hipóteses científicas. A partir destes semióforos (POMIAN, 1989), o autor (BISCHOFF, 1928) fabricou sua narrativa, encontrou o invisível – como viviam os primeiros humanos no Rio Grande do Sul – acessando os objetos arqueológicos e tornou-os objetos científicos a partir da escrita que comunicava as diferentes representações sobre um passado distante do autor. Além disso, o texto de Bischoff (1928) chegou à revista do museu, pois de certa forma teve autoridade para isto, afinal, o autor, arqueólogo e naturalista, naquele contexto, tinha reconhecimento por parte dos editores da revista, já que seu artigo estava sendo publicado. Portanto, a narrativa científica produzida pelo arqueólogo a partir de

semióforos fabricou representações sobre os antepassados indígenas, a partir do museu60 que distribuía a revista a diferentes instituições e pessoas.

O outro artigo que destaco da Revista do Museu e Arquivo Público do Rio Grande do

Sul foi escrito pelo Terceiro Oficial do museu e historiador, Rosauro Tavares (1928).

Chamado Ruinas dos Sete Povos das Missões o texto foi produzido a partir de documentos históricos e fotografias daquela região e de objetos advindos destes locais. De acordo com correspondência de Rosauro Tavares enviada ao diretor do museu no dia 28 de fevereiro de 1928, o trabalho intitulado As Ruínas dos Sete Povos das Missões Orientais havia sido concluído e estava em anexo a correspondência (RIO GRANDE DO SUL, 1928c, p. 42). Deste modo, percebe-se que o artigo foi fruto de um trabalho do Terceiro Oficial demandado pelo diretor do museu, Alcides Maya. A revista foi publicada em dezembro de 1928, por isso, o trabalho de Rosauro Tavares foi incorporado ao periódico e foi o único artigo relacionado aos povos indígenas, escrito a partir de uma pesquisa feita por um funcionário do museu. Este artigo tem outra particularidade em comparação com o anterior, pois se localiza na parte do Departamento de História Nacional. O texto de viés histórico cita os povos originários a partir de uma narrativa histórica, algo que até o momento não havia ocorrido. O artigo possui 49 páginas, muitas imagens das ruínas das missões, inclusive de esculturas missioneiras que foram doadas ao museu depois da Exposição de 1901, e trata da história da região e das relíquias históricas ali existentes.

O texto sobre as Ruínas das Missões tem uma estrutura cronológica; o autor (TAVARES, 1928) faz uma explicação de cada povoamento de acordo com sua data de fundação, da primeira à última. Assim, a primeira redução destacada por Rosauro Tavares (1928) foi a de São Nicolau, fundada em 1626, sendo considerada pelo autor (TAVARES, 1928, p. 168) “um dos povos mais bem construídos”; ainda destaca que “a edificação era grandiosa, havendo belo e altaneiro templo e moradas confortáveis, quer para os padres, ou para os selvagens, principalmente para os que tinham certa autoridade sobre os outros, tais como os morubixabas ou caciques” (TAVARES, 1928, p. 168 e 170). Neste breve excerto, percebe-se a utilização da palavra “selvagem”, assim como no artigo anterior, para se referir aos povos indígenas, no caso, da redução dos Guarani.

A segunda redução explanada pelo autor foi a de São Miguel, cuja fundação data de 1632. Afirma que esta “teve grande desenvolvimento” (TAVARES, 1928, p. 171) chegando a

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ser capital da região missioneira, depois de São Nicolau. Seguindo a ordem cronológica, cita o