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Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX)

Lista de Acrónimos

2.1 Evolução Histórica do Hospital

2.1.7 Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX)

No século XVIII, a medicina mostra que a doença é uma patologia e não um castigo de deus ou um caso de sorte (MIGNOT, 1983 apud TOLEDO, 2002). No período da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, os hospitais atingem proporções gigantescas, registavam elevadas taxas de mortalidade, os internamentos estavam sobrelotados, verifica-se promiscuidade nos tratamentos, eram insalubres e desumanos, revelam carências na organização (MIQUELIN, 1992a apud MATOS, 2008). Conhecem-se mal os efeitos e as consequências do hospital, como é que este pode agravar, multiplicar ou atenuar as doenças. A teoria médica não é suficiente para definir um programa hospitalar, nem nenhum plano arquitetónico pode dar a fórmula do bom hospital (FOUCAULT, 1990).

Os problemas crescentes incentivam o estudo dos hospitais e as investigações levadas a cabo por Howard, Tenon e Hunczovsky concluem que os procedimentos médicos e os arranjos espaciais contribuíram para as altas taxas de mortalidade (MIGNOT, 1983 apud PECCIN, 2002). A observação e comparação dos vários hospitais originaram a consciencialização de que o hospital pode e deve ser apenas um instrumento de cura e não um espaço de enclausuramento para os menos afortunados como na Idade Média (FOUCAULT, 1990). São as investigações levadas a acabo que irão orientar uma nova perspetiva de programa hospitalar. O inglês, Howard não é médico, mas tem uma competência quase médico-social e é predecessor da filantropia, percorreu hospitais, prisões e lazaretos da Europa, entre 1775 e 1780 (FOUCAULT, 1990).

Em França, o Hôtel-Dieu de Paris tinha péssimas condições de assepsia e sofreu um incêndio (CAVALCANTI, 2011). Este hospital era considerado um mau exemplo de hospital e a sua

reconstrução era indispensável. À sua semelhança, muitos hospitais medievais não tinham uma forma definida, consequência de ampliações e alterações do antigo edificado que chegava a sobrepor-se, condicionando a iluminação e a ventilação, eram considerados hospitais irremediáveis. Devido a esta situação, a pedido da Academia Real de Ciências, o médico francês Jacques Tenon foi enviado a diversos países da Europa para investigar a situação dos hospitais, pois estes é que se podiam pronunciar sobre os méritos ou defeitos do hospital (FOUCAULT, 1990). Tenon, na sua investigação, verifica quais são as condições espaciais mais favoráveis à cura de doentes internados, por ferimentos, e quais as vizinhanças mais nocivas para o seu tratamento. Relaciona o crescimento da taxa de mortalidade dos feridos com a proximidade de doentes atingidos por febre maligna (FOUCAULT, 1990). Também demonstra que as salas de obstetrícia não se podem situar acima da sala de internamento de feridos, caso contrário, a taxa de mortalidade das parturientes aumenta (FOUCAULT, 1990). No interior do hospital, Tenon estuda os percursos seguidos pela roupa (roupa branca, lençol, roupa velha, pano utilizado para tratar ferimentos, etc.), investiga quem a transporta, como são distribuídos, onde e como são lavados. Segundo ele, a investigação destas trajetórias explica vários factos patológicos comuns no hospital (FOUCAULT, 1990). Tenon, como meio de impedir os contágios, propôs nos internamentos: a abolição de leitos coletivos, a separação dos doentes patologia e por sexo (SILVA, 2000 apud COSTEIRA, 2003).

Howard e Tenon indicam o número de doentes por hospital, a relação entre o número de doentes, o número de camas e a área útil do hospital, a extensão e altura das salas, o volume de ar de que cada doente dispõe e a taxa de mortalidade e de cura (FOUCAULT, 1990). O hospital não é caracterizado arquitetonicamente mas é descrito na sua funcionalidade. Contributos como “Mémoire sur les hôpitaux de Paris” da autoria de Tenon em 1788, “Prècis d´architecture” da autoria de Durand em 1809, “Notes on hospitals” em 1859 e “Notes on nursing” em 1861 da autoria de Florence Nightingale, irão influenciar positivamente o edifício hospitalar nos séculos seguintes (PECCIN,2002).

No processo de estudo e de análise, foram observadas as unidades funcionais, os serviços, os itinerários utilizados para bens e resíduos, os requisitos espaciais, de ventilação e de iluminação, a separação de material limpo e sujo, os limites de lotação dos internamentos, as analogias entre doenças, e a classificação de doentes tendo em conta as patologias e o género. Neste período passamos do hospital de caridade para um hospital de cura, verdadeiramente terapêutico. Esta transformação atingiu-se, não por uma influência positiva do hospital sobre o doente ou a doença, mas pela anulação dos aspetos negativos dos espaços e da desordem dos processos médicos, ao nível patológico, económico e social (FOUCAULT, 1990).

A doença passa a ser vista como um fenómeno natural com génese no meio envolvente, assim, o processo de cura também depende do meio hospitalar (ar, água, temperatura, alimentação,

etc.) (FOUCAULT, 1990). A arquitetura hospitalar não pode prejudicar o processo de cura, e deve facilitar a prática da medicina, tem de garantir funcionalidade de todas as atividades, o espaço torna-se tão importante como a alimentação ou um procedimento médico. Recomenda-se uma cama por doente, inserido num meio manipulável, que possibilite, por exemplo, aumentar a temperatura ambiente ou refrescar o ar (FOUCAULT, 1990). Os hospitais reduzem o número de camas por internamento e adotam uma nova morfologia, a morfologia em pavilhão (MIQUELIN, 1992a apud MATOS, 2008). Deste modo, o hospital tona-se um instrumento terapêutico, e o médico passa a ser o principal responsável pela organização hospitalar a todos os níveis (FOUCAULT, 1990). Em 1680, no Hôtel de Dieu de Paris era realizada uma observação médica por dia, no século XVIII, passa observações à noite para os doentes graves e por volta de1770, um médico passaria a residir no hospital para eu pudesse ser chamado qualquer hora para observar doentes (FOUCAULT, 1990). Verificamos que o médico começa a ser uma presença constante nos hospitais, o que possibilita um melhor acompanhamento e vigilância aos doentes.

Parte das pessoas e alguma da mercadoria, que desembarcavam nas bases militares e nos portos, transportavam consigo doenças epidémicas, existindo a necessidade da quarentena nos hospitais marítimos e militares (FOUCAULT, 1990). A reorganização hospitalar dos hospitais militares e marítimos inicia-se com um maior rigor dos regulamentos económicos e com a consciencialização do custo da vida de um Homem (FOUCAULT, 1990). Todo o individuo tem uma formação que implica um custo financeiro à sociedade e a formação de um soldado é um grande investimento. O soldado não pode morrer no hospital, quanto muito deve morrer a travar uma batalha (FOUCAULT, 1990). Encontramos nos hospitais marítimos e militares a primeira organização hospitalar que tenta resolver os efeitos nocivos por meio da morfologia em pavilhão.

A morfologia em pavilhão determina a separação, por pavilhões, das unidades: de internamento, de cirurgia, de diagnósticos, de ambulatório, de administração e de serviços de apoio, e a sua aplicação vai prolongar-se até inícios do séc. XX. Destaca-se como exemplo de hospital com morfologia em pavilhão, o Royal Naval Hospital desenhado por Alexander Rovehead, em Plymouth, construído entre 1758 a 1762 (PAHEP Present and Future of European Hospitals Heritage, 2001). Este hospital tinha uma formação simples: detinha um pátio amplo, aberto e ajardinado, o qual era ladeado por vários pavilhões funcionais. Segundo PAHEP (2001), o hospital era constituído por dez pavilhões de internamento (n.º 8 da Figura 15), quatro pavilhões para cozinha e salas de apoio (n.ºs 4, 5, 6 e 7 da Figura 15) e um pavilhão administrativo (n.º 3 da Figura 15). Cada unidade de internamento tinha três andares e cada ala continha vinte camas, instalações sanitárias e internamento. O acesso ao hospital era feito pelo mar, sendo que o pavilhão administrativo era a entrada do complexo e composto por: torre de relógio, farol, laboratório, salas de operações, farmácia, capela, salas administrativas e internamento (PAHEP, 2001). A morfologia dos pavilhões originava uma

ventilação e iluminação adequadas e os pavilhões estavam unidos por uma circulação coberta (MIQUELIN, 1992a apud MATOS, 2008).

Figura 14 – Royal Naval Hospital, datado de 1758 a 1762, de Plymouth, Inglaterra, (a) planta; (b) perspetiva. Fonte: MIQUELIN, 1992a apud MATOS, 2008.

Figura 15 – Hospital Lariboisière, datado de 1846 a 1854, Paris, França, (a) planta e (b) perspetiva. Fonte: MIQUELIN, 1992a apud MATOS, 2008.

O Hospital Lariboisière, em Paris, é outro exemplo de morfologia em pavilhão, elaborado pelo arquiteto Martin-Pierre Gauthier, de 1846 a 1854 (GUÉRARD, 1888; MIGNOT, 1983 apud PECCIN, 2002). O edifício é simétrico, configura-se a partir do eixo formado pelo imenso pátio ajardinado interior e é composto por vários pavilhões de três piso ligados por uma circulação coberta que ladeia o pátio (SILVA, 2000 apud Costeira, 2003). Os pavilhões, para além de serem paralelos, estavam intercalados por jardins, permitindo a entrada de mais luz e de ventilação cruzada (PECCIN,2002). O Internamento é composto por seis pavilhões em “L”, a ala maior alberga trinta e três camas e a ala menor acomodava dez camas para pacientes em estado critico, o seu pé-direito generoso atribuía cinquenta e seis metros quadrados de ar por paciente, um recorde para a altura (MATOS, 2008; BOING, 2003). A ala menor do Internamento é paralela à circulação coberta do pátio. Na base do hospital localizavam-se, de um lado, a cozinha e a administração, do outro, as salas de consulta e a farmácia. No topo do

hospital localizam-se a zona para o pessoal, os blocos operatórios, a lavandaria, a capela e o necrotério.