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2 – OS JARDINS ZOOLÓGICOS E A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

2.4 – UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA DA EXISTÊNCIA DOS ZOOLÓGICOS

2.4.2. Rio, o primeiro zoológico do Brasil

Os zoológicos brasileiros são na sua maioria instituições públicas mantidas pelo Governo Federal, governos estaduais e municipais e, portanto, estão sujeitos à legislação específica para arrecadação de recursos, aquisições e contratação de pessoal (BRASIL, 1983; TINÔCO, 1999). A criação da FunPEB é em grande parte resultado da busca de autonomia financeira e administrativa para um zoológico público (GDF, 1997c). Essa é, como veremos as seguir, uma tarefa que já ocupou os responsáveis pelo primeiro zoológico brasileiro, o do Rio de Janeiro. O Jardim Zoológico do Rio de Janeiro nasceu como uma instituição privada e é hoje uma fundação de direito público. Este zoológico atravessou em seus primeiros anos de existência uma época conturbada da história brasileira que correspondeu ao fim da escravidão negra, e ao fim do Regime Imperial e conseqüente implantação da República com as sucessivas quarteladas que sucederam o advento do novo regime.

O zoológico do Rio de Janeiro foi fundado em 16 de janeiro de 1888 no bairro de Vila Isabel por João Baptista Vianna Drummond, que, naquele mesmo ano, receberia o título de barão – Barão de Drummond, como é conhecido em nossos dias – uma vez que “Pedro II e sua filha Isabel reconheceram nele o grande abolicionista que de fato era, o amigo leal, o servil admirador da família imperial” (MÁXIMO & DIDIER, 1990, p. 41). O barão possuía grande tino para os negócios, tendo sido banqueiro, comerciante de secos e molhados e incorporador imobiliário. Criou uma Companhia Arquitetônica para urbanizar uma propriedade rural que possuía fundando, assim, o bairro de Vila Isabel e, com ele, linhas de bonde, praças, igrejas e educandários e um jardim zoológico. O Jardim Zoológico do Rio de Janeiro era, portanto, parte de uma empreitada mais ampla e bem sucedida.

Em 1892, sem dinheiro para comprar novos animais e manter os que já possuía, o Barão criou uma loteria de bichos seguindo sugestão de Manuel Ismael Zevada, um mexicano que já possuía uma loteria de flores na rua do Ouvidor, centro da cidade (MÁXIMO & DIDIER, 1990). Em 4 de julho de 1892 o Jornal do Brasil descrevia o empreendimento da seguinte maneira:

“A empresa do Jardim Zoológico realizou ontem um magnífico passeio campestre ao seu importante estabelecimento, situado no pitoresco bairro de Vila Isabel. Em bondes especiais dirigiram-se os convidados e representantes da imprensa àquele local e depois de visitarem o hotel, que se acha nas melhores condições, os

jardins, as gaiolas em que se encontram os animais e aves, tomaram parte de um lauto jantar, em mesa de mais de 60 talheres (...).

“Como meio de estabelecer a concorrência pública, tornando freqüentado e conhecido aquele estabelecimento que faz honra ao seu fundador, a empresa organizou um prêmio diário que consiste em tirar à sorte dentre 25 animais9 do

Jardim Zoológico o nome de um, que será encerrado em uma caixa de madeira às 7 horas da manhã e aberto às 5 horas da tarde, para ser exposto ao público. Cada portador de entrada com bilhete que tiver o animal figurado tem o prêmio de 20$. Realizou-se ontem o 1º sorteio, recaindo o prêmio no Avestruz, que deu uma recheada poule de 460$000.”

Percebe-se que o zoológico e sua loteria não eram atividades periféricas nos interesses de Drummond, mas, ao contrário, exigiam investimento e dele se esperava retorno financeiro. Como o zoológico deveria manter-se com seus próprios recursos de arrecadação e não tinha atingido essa auto-suficiência o barão criou uma alternativa que seduziu a população pela natureza do objeto de sorteio, os animais do zoológico.

Vale ressaltar que a maioria dos zoológicos brasileiros hoje em dia não dispõe de instalações para refeição de seus usuários mais do que modestas e, já nos primeiros anos de seu empreendimento o barão investia em fornecer opções de alimentação a seus usuários. O Tempo, além das considerações sobre a visita, a festa, o tipo de jogo e sua premiação, que apareceriam em sua edição de 6 de julho de 1892, faz uma importante referência ao espírito do empreendimento em 3 de julho:

“Jardim Zoológico - A empresa deste importante estabelecimento de criação do benemérito barão de Drummond vai hoje inaugurar diferentes divertimentos ao público fluminense, que ali terá diariamente um passatempo. O sr. M.I. Zevada, é o gerente da empresa e conhecedor de vários estabelecimentos europeus e americanos idênticos ao Jardim Zoológico, dá esperanças de engrandecer aquela instituição de mérito nacional. Há um jantar de instalação, cujo convite muito agradecemos.”

9 A maioria dos 25 bichos é de espécies exóticas. Águia, borboleta, cobra, jacaré, macaco, urso e veado representam tipos de animal, cada um com várias espécies. As demais espécies são na maioria animais domesticados exceto por elefante, leão e tigre.

Não faltava ao zoológico um empreendedor bem sucedido e relacionado, um gerente experiente e de amplos espaços favoráveis na imprensa. MÁXIMO & DIDIER (1990) relatam que Manoel Zevada era concessionário da Loteria Mineira Agave Americano com atuação em Juiz de Fora e Petrópolis, além da capital. O resultado da extração lotérica do barão era noticiado com destaque pelos jornais da época e o zoológico recebia visitas ilustres como relata o Diário do Commércio de 11 de julho de 1892.

“Venceu ontem o gato. A empresa pagou prêmios na importância de 1:420$000. O Jardim foi visitado por 1350 pessoas.

“O Sr. ministro da Guerra10 visitou ontem o Jardim Zoológico em companhia do

barão de Drummond. S. Ex. foi testemunha da forma dos prêmios estabelecidos pela empresa, afim de animar a concorrência daquele estabelecimento. Muito agradou a S. Ex. a ordem e asseio daquela vivenda de animais.”

O jardim zoológico e sua loteria eram um sucesso. A criação de uma loteria para auxiliar a manutenção do zoológico atraiu a atenção e simpatia de amplos setores da vida carioca como bem retrata Machado de Assis, lamentando em crônica de 1883 não ter sido dele a idéia (MACHADO DE ASSIS, 1997, p. 572-573):

“Tivesse eu a mesma idéia, e não a venderia por mentos. Olhem, não fui eu que ideei esta outra loteria, mais modesta11, do Jardim Zoológico; mas, se houvesse

feito, não daria a minha idéia por menos de cem contos de reis; podia fazer algum abate, cinco por cento, digamos dez. Relativamente não se pode dizer que fosse caro. Há invenções mais caras.”

Mas nem tudo era favorável como conta, ainda em 23 de julho de 1892, O Tempo. Um Delegado de Polícia oficiara ao Chefe de Polícia da capital sobre o jogo do bicho dando conta que intimaria “ao diretor do Jardim Zoológico para que suspenda imediatamente a continuação do aludido jogo, sob pena de ser processado na conformidade dos arts. 369 e 370 do código penal”. O “jogo dos bichos” foi proibido em 1885 pela Prefeitura do Distrito Federal, dois anos antes da morte do barão (MÁXIMO & DIDIER, 1990).

No início dos anos quarenta o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro fechou suas instalações em Vila Isabel para reabrir em março de 1945 no Parque da Quinta da Boa Vista em São Cristóvão,

10 O marechal Floriano Peixoto brevemente se tornaria o segundo presidente da República o que só reforça o fato de não faltou ao zoológico do Barão apoio, quer no Império, quer na República.

onde se encontra ainda hoje. O jogo do bicho foi mantido ilegal, mas entendeu sua atividade por todo o país.