• Nenhum resultado encontrado

Tema 1 – Rastreio Cardiovascular

3. Risco Cardiovascular

O Risco Cardiovascular define-se, genericamente, como a probabilidade de um indivíduo de vir a sofrer de um evento cardiovascular no futuro [35]. Este depende da interação dos fatores de risco cardiovascular, isto é, condições que causam ou facilitam o aparecimento de DCV, podendo dividir-se em duas categorias: modificáveis e não modificáveis. Para além disso, dada a natureza sinérgica e multiplicativa dos fatores de risco, ou seja, a sua capacidade de se potenciar mutuamente, o risco cardiovascular global do indivíduo não corresponde meramente à soma dos riscos atribuídos a cada um dos fatores de risco isolados [36].

De facto, as DCV afetam sobretudo o coração, os rins e o cérebro, sendo o Acidente Vascular Cerebral (AVC), a Doença Cardíaca Isquémica e o Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM) as que apresentam maior incidência na população portuguesa, o que corresponde 10,8%, 6,7% e 4,0% do total de mortes no país, em 2015, respetivamente [37]. Na génese deste flagelo à escala nacional e mundial, está a aterosclerose, que diz respeito à inflamação crónica dos vasos sanguíneos, com formação de placas de ateroma, decorrente da acumulação lipídica na camada íntima da artéria, espessamento do espaço subíntimal, disfunção endotelial, necrose, fibrose e calcificação [38]. Posteriormente, a formação de um núcleo necrótico gera instabilidade na placa, o que, aliado à ação enzimática, causa o rompimento da placa, expondo o seu conteúdo ao plasma; desta feita, origina-se um coágulo, que bloqueia o fluxo sanguíneo, o que está na origem do EAM ou AVC, referidos anteriormente [38].

O cálculo do risco cardiovascular é particularmente relevante na identificação de indivíduos que devem receber aconselhamento e tratamento (não farmacológico e farmacológico) para prevenir a doença, bem como no estabelecimento do nível de agressividade terapêutica [36]. Já nos casos considerados de alto risco, é útil na avaliação do benefício das intervenções terapêuticas [36]. Em Portugal e na maioria dos países da Europa, é utilizada a escala SCORE (Systematic COronary Risk Evaluation

) para

avaliar o risco cardiovascular global.

3.1. Fatores de risco cardiovascular 3.1.1. Não Modificáveis

Os fatores de risco não modificáveis dizem respeito àqueles sobre os quais não é possível intervir, e, por isso, são inalteráveis [36]. Ainda assim, contribuem significativamente para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Incluem-se neste grupo os seguintes fatores:

Idade. Este foi descrito em quase todos os estudos epidemiológicos como sendo o fator de risco independente com maior contribuição no aparecimento de DCV, conduzindo a um aumento da morbilidade e mortalidade cardiovascular, principalmente a partir dos 50 anos. Por exemplo, o risco de sofrer um AVC duplica a cada década após os 55 anos [39].

Sexo. Indubitavelmente, os indivíduos do género masculino apresentam maior probabilidade de desenvolver DCV, aumentando o risco com a idade. Nas mulheres, a incidência de doença coronária inicia-se aos 50 anos, o que coincide com a menopausa, pois, nesta altura cessa a produção de estrogénios, que conferem proteção contra a formação da placa de ateroma e, à semelhança do sexo masculino, este risco aumenta progressivamente com a idade [40].

• História familiar/ Genética. Os antecedentes familiares contribuem fortemente para o risco de DCV, e, portanto, os fatores genéticos apresentam enorme relevância. Deste modo, existem três pontos fundamentais a ter em conta: a idade do surgimento dos problemas vasculares nos familiares (quanto mais prematuramente, maior o risco), o grau de parentesco e o número de familiares com história de DVC [41]. Por outro lado, os principais genes envolvidos na DCV estão relacionados com o metabolismo lipídico (por exemplo, a APOE e a PCSK9, desencadeando hipercolesterolémia e hipertrigliceridémia), regulação da PA (por exemplo, a ECA, levando a Hipertensão Arterial, HTA) e mecanismos de coagulação (por exemplo, o fator V, propiciando o

desenvolvimento de tromboembolismo venoso) [42]. Existe ainda uma maior probabilidade de desenvolver problemas cardiovasculares em indivíduos que sofrem de Diabetes tipo MODY, uma doença de origem genética de transmissão autossómica dominante, que resulta da alteração do gene GCK [41].

• Etnia. Devido a causas genéticas, os indivíduos de origem africana apresentam maior predisposição para o desenvolvimento de problemas cardiovasculares, o que está diretamente relacionado com a maior prevalência de HTA nesta etnia [43].

3.1.2. Modificáveis

Os fatores de risco modificáveis são aqueles que podem ser alvo de intervenção, nomeadamente, alterações do estilo de vida ou terapia farmacológica [36]. Podem ainda dividir-se em fatores relacionados com doenças associadas, como a HTA, a dislipidemia e diabetes, e os comportamentais, como o tabagismo, sedentarismo, abuso de bebidas alcoólicas e obesidade [41]. De seguida, são descritos com maior detalhe cada um destes fatores.

• Hipertensão arterial. A HTA é definida como a pressão acima da qual os benefícios do tratamento superam os riscos de morbilidade e mortalidade. É caracterizada por valores > 140 mmHg de PA Sistólica (PAS) e/ou > 90 mmHg de PA Diastólica (PAD), com base nas evidências dos Ensaios Clínicos Controlados e Aleatorizados [44]. Assim sendo, considera-se que, em doentes com valores dentro destes intervalos, a redução da PA induzida pelo tratamento é benéfica [44]. Em Portugal, segundo dados de 2015, estima-se que a HTA afete 36% dos portugueses entre os 25 e os 74 anos, o que é alarmante [45]. Nesse sentido, a classe geral dos medicamentos antihipertensores é a que representa o maior número de embalagens vendidas e um maior encargo financeiro para o SNS, dentro da farmacoterapia dirigida ao sistema cardiovascular [45]. De facto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca a HTA como fator de risco de patologia cardiovascular major, com relevo para o AVC, sendo considerada a primeira causa de morte prematura nos países desenvolvidos [46]. Na Tabela 2, encontra-se a classificação da HTA, segundo as Guidelines 2013 da ESH/ESC para o tratamento da Hipertensão Arterial [44].

Tabela 2. Classificação da Hipertensão Arterial [44].

Categoria Sistólica (mmHg) Diastólica (mmHg)

Ótima < 120 e < 80

Normal 120-129 e/ou 80-84

Normal/alta 130-139 e/ou 85-89

Hipertensão Grau 1 140-159 e/ou 90-99

Hipertensão Grau 2 160-179 e/ou 100-109

Hipertensão Grau 3 ≥ 180 e/ou ≥110

• Dislipidémia. O colesterol é um tipo de gordura presente nas células, fundamental para o bom funcionamento do organismo. No entanto, o depósito de gordura e a lesão da parede dos vasos favorecem a obstrução do fluxo de sangue e a redução do aporte de oxigénio e nutrientes aos tecidos [47]. Quando os vasos acometidos pelas placas de colesterol são as artérias coronárias, tal pode levar à ocorrência de um EAM, e, no caso dos vasos cerebrais, poderá evoluir para um AVC [47]. Os valores de colesterol e de cada um dos seus tipos, bem como de triglicerídeos recomendados pelas normas europeias são apresentados na Tabela 3 [48]:

Tabela 3. Valores normais de colesterol e triglicerídeos [48].

Colesterol total < 190 mg/dL Colesterol LDL < 115 mg/dL Colesterol HDL ≥ 40-45 mg/dL

Triglicerídeos < 150 mg/dL

Caso uma pessoa já tenha uma doença cardiovascular, os valores recomendados são ainda menores [47].

No que respeita às estatísticas em Portugal, em 2015, 63,3% dos portugueses (25-74 anos) apresentavam níveis elevados de colesterol total [45].

• Diabetes. Envolve um conjunto de doenças metabólicas de etiologia diversa, que se define por uma hiperglicemia crónica com desordens no metabolismo dos hidratos de carbono, lípidos e proteínas, decorrentes da deficiência na secreção e/ou ação da insulina [41]. À semelhança das DCV, existem fatores que não podem ser alterados, como a genética, a etnia, idade e género. No entanto, os hábitos alimentares inadequados e o sedentarismo contribuem grandemente para o aparecimento de Diabetes, nomeadamente tipo 2, caracterizada pela resistência do organismo à insulina [40]. Nesse sentido, a diabetes mal controlada está associada a várias complicações, incluindo micro e macrovasculares, e, por isso, o prognóstico de indivíduos acometidos por eventos coronários é nitidamente pior em diabéticos [40, 49]. Os anti-diabéticos orais são a principal forma de tratamento utilizada pelas pessoas com Diabetes tipo 2, podendo não necessitar de insulina para sobreviver, ao contrário do que acontece com a Diabetes tipo 1 [49]. Em Portugal, a Diabetes afeta 10% da população portuguesa entre os 25 e os 74 anos, especialmente os homens e as faixas etárias mais idosas (23,8% dos indivíduos entre os 65 e os 74 anos) [45]. Os valores normais de glicemia, são entre 70-110 mg/dL em jejum e 70-140, 2 h após a refeição [49].

• Tabagismo. Este é o principal factor de risco evitável de DCV [41]. De facto, as substâncias químicas presentes no tabaco levam a uma menor elasticidade arterial, contribuindo para a aterosclerose, logo para um maior risco eventos coronários agudos (cerca de 2,5 maior). Estima-se, assim, que ¼ de todos os AVCs se devam ao tabagismo [41, 49]. Incluem-se igualmente nesta categoria os fumadores passivos, e, portanto, é necessária uma maior consciencialização sobre este aspeto. Segundo dados do Inquérito Nacional de Saúde 2014, cerca 20% dos inquiridos eram fumadores e cerca de 22% eram ex-fumadores [45].

• Uso abusivo do álcool. Apesar de o consumo moderado de álcool ser benéfico, apresentando um perfil “curva em J”, o excesso de bebidas alcoólicas contribui para o enfraquecimento das artérias e alterações no perfil lipídico [41, 50]. Em Portugal, a prevalência de alcoolismo em 2017 era de 16,7% [45].

• Obesidade. Considerada como a grande epidemia do século XXI, esta doença crónica resulta de fatores genéticos, metabólicos, ambientais, e especialmente, comportamentais. Efetivamente, a alimentação desequilibrada e a falta de exercício físico são os principais responsáveis pelo excesso de peso [41]. O IMC, que relaciona o peso com a altura (peso/(altura)2), revela-se útil na identificação e classificação de indivíduos com excesso de peso. Contudo, não tem em conta a percentagem de gordura corporal nem massa muscular [51]. Na Tabela 4, encontra-se a classificação da obesidade, segundo as diretrizes nacionais [51]:

Tabela 4. Classificação da obesidade [51].

Classificação IMC (kg/m2) Baixo peso ≤ 18,5 Peso normal 18,5-24,9 Excesso de peso 25-29,9 Obesidade grau 1 30-34,9 Obesidade grau 2 35-39,9 Obesidade grau 3 ≥ 40

Para além da gordura corporal total, a gordura visceral é outro fator a ter em conta: trata-se de um tipo de gordura presente no abdomen e em órgãos vitais circundantes, frequentemente associada ao desenvolvimento de HTA, diabetes, cancro e ocorrência de AVC e EAM [52]. Quanto ao panorama em Portugal, no que toca ao excesso de peso, 28,7% dos portugueses com idades entre os 25 e os 74 anos sofre de obesidade, sobretudo as mulheres (32,1%) [45].

3.2. Minimização do Risco Cardiovascular

O risco cardiovascular pode ser prevenido ou minimizado através da adoção de um estilo de vida saudável. Tal passa por uma alimentação equilibrada, o que inclui, a redução do consumo alimentos ricos em sal e de gorduras saturadas de origem animal, privilegiando os vegetais e frutas, a prática regular de exercício físico, adaptado às necessidades do indivíduo, a manutenção do peso em valores adequados, a ingestão diária de quantidades apropriadas de água (1,5 L), o abandono do tabaco e a diminuição do stress em excesso [41]. É também fundamental a monitorização regular da PA, glicémia, bem como os níveis de colesterol (HDL e LDL) e triglicerídeos. Por outro lado, a adesão à farmacoterapia é, na maior parte dos casos, decisiva para a sobrevivência do indivíduo. Desta forma, pela sua proximidade aos utentes, o farmacêutico tem um papel fundamental na referenciação de indivíduos em risco e acompanhamento dos doentes em terapêutica farmacológica, bem como no apoio à prevenção.

Documentos relacionados