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1.4. Demografia, Zonas Costeiras e Risco Ambiental.

1.4.1 Riscos e Riscos Ambientais na Teoria Social.

Guivant(1998) identifica os riscos, principalmente os ambientais e tecnológicos, como questões chave para o entendimento do processo da modernidade. Os riscos, que ocupavam um papel periférico na teoria social, passaram a ser centrais, em três fases: com os estudos culturais, com estudos difusos sobre os diversos aspectos dos riscos, e finalmente com a projeção do tema ao centro da teoria social.

Nesse caminho, destaca-se a importância de Beck (1998), que demonstrou o caráter de incertezas que permeavam a teoria e o mundo social da década de 1980, ressaltando que a contemporaneidade, a “sociedade de risco”, possui uma dupla característica: a da modernização reflexiva e da própria centralidade do risco. A sociedade de risco é fruto das consequências do desenvolvimento científico e industrial, os quais trouxeram consigo um conjunto de riscos e perigos não previstos pelo projeto iluminista, marcados por uma dispersão espaço-temporal que não mais pode ser medida nem limitada por fronteiras específicas, sejam elas de classe, políticas ou geográficas.

A sociedade passa então a uma segunda modernidade, chamada de “modernidade reflexiva”, que coloca em voga as insuficiências e contradições da primeira modernidade, caracterizada pela ascensão da sociedade industrial. É necessário que a modernidade volte-se para sua própria análise, refletindo a si. A característica fundamental dessa segunda modernidade é, portanto, a necessidade de enfrentamento imediato dos diversos riscos gerados na primeira, que agora são globalmente generalizados, incluindo as questões relativas ao desemprego,

54 subemprego, individualização e aos riscos ambientais globais19. Isso significa que os emergentes riscos da modernidade reflexiva diferenciam-se dos riscos anteriormente existentes pelo seu caráter global. Riscos individuais sempre existiram, mas nesse novo momento há uma disposição ao perigo que é potencialmente global. Novos riscos são gerados na escala global, mas quem acaba lidando com eles de fato são os próprios indivíduos (BECK, 1998).

Segundo Giddens (1991), uma das consequências da modernidade é a existência de um sentimento relativo ao risco dado por uma sensação de desorientação, expressa pela incapacidade de obtenção de um conhecimento sistemático acerca da organização social. O universo de eventos que o homem percebe não é plenamente compreendido segundo os ferramentais do conhecimento disponíveis, e como consequência, estão fora do controle da humanidade como um todo. O risco é assim entendido como uma “expressão moderna da contingência”, nas palavras de Brüseke (2007). São oriundos da própria complexidade das possibilidades da vida social, denotando mais do que o simples acaso, mas sim o modo de abertura da experiência humana no âmbito social (BRÜSEKE, 2007).

Ganha destaque uma noção ampla do risco. Não importam somente as decorrências de atos calculados e executados por determinado agente, que assume os riscos das suas ações. O que se torna cada vez mais relevante é a emergência de perigos relativos a eventos futuros que sejam danosos para o homem, sejam eles criados de maneira individual, frutos não intencionados da ação coletiva ou efeitos inesperados da dinâmica ambiental como um todo (BRÜSEKE, 2007).

Tal contexto é base para o pensamento de Amaro (2003), que defende a ideia de que a sociedade contemporânea está, como um todo, vivendo sob a cultura do risco. As catástrofes ambientais, que muitas vezes não podem ser previstas, são exemplos de decorrências dessa sociedade, que implicam em amplos prejuízos. Para Amaro (2003), cabe à ciência buscar as processualidades complexas que estão na origem desses fenômenos. De modo específico, as questões ambientais devem ser observadas em uma ótica mais ampla, que inclua e vá além das preocupações causadas pelo aquecimento global. Uma série de outras questões ambientais suscitam o interesse acadêmico e da ação política, ou ao menos, são necessárias e carecem de estudos. As questões relativas à desertificação, às mudanças dos níveis das marés e aos próprios

19 Uma das questões problemáticas da descrição da “sociedade de risco” esta no seu caráter analítico voltado para as

sociedades já desenvolvidas. Em contextos periféricos, vale questionar como ocorreria a transição para a mesma, já que nesses locais ainda não se encontram plenamente desenvolvidas as próprias sociedades industriais. (Torres, 2000).

55 eventos geomorfológicos, que não necessariamente têm em sua explicação causal a ação humana, são elementos das mudanças ambientais que interagem com a sociedade. O autor defende que esses riscos podem e devem ser mitigados, para que se crie a cultura da convivência com o risco, através da adoção do planejamento, da prevenção, da avaliação e do socorro. No entanto, identifica-se que há, na sociedade em geral, o fenômeno do recalcamento. O conceito, advindo da psicologia, está associado à recusa e à resistência inconsciente em admitir acontecimentos ou imagens que sejam relacionados ao perigo. O recalcamento é a recusa na admissão do risco, prejudicando a convivência com o mesmo: o risco, quando negado, impossibilita o seu planejamento e também sua prevenção (AMARO, 2003).

Outro elemento apontado pelo autor está no consequente déficit de autoproteção, que seria um direito constitutivo da cidadania. Não somente o Estado seria o autor da proteção e da segurança contra os riscos, mas as pessoas deveriam ter direito ao acesso às informações necessárias para se protegerem. É preciso que a população, como um todo, tenha o conhecimento das formas de prevenção dos riscos, da respostas adequadas a eles, e, por fim, que essa autoproteção seja integrada ao sistema de proteção civil (AMARO, 2003).

Porém, em algumas leituras, essa noção de risco ainda não é capaz de incorporar em todas as suas dimensões as injustiças ambientais derivadas das desigualdades sociais. Acserald (2002) discute a teoria da modernização tecnológica e da sociedade de risco mostrando que ambas as formulações têm claros limites na análise da construção das injustiças ambientais. Primeiramente, a modernização tecnológica, por pressupor que os mecanismos institucionais da modernidade, conduzidos pelo mercado, seriam capazes de resolver a crise ecológica, sendo que não há articulação entre degradação ambiental e injustiça social e nem necessidade de mudança na distribuição do poder sobre os recursos ambientais. Já a teoria da sociedade de risco se limita ao eliminar de seu discurso a esfera política da economia, considerando frequentemente a economia como um “sistema técnico-econômico”. Desse modo Acselrad (2002) afirma que:

“Assim, nem os defensores da modernização ecológica, nem os teóricos da Sociedade de Risco incorporam analiticamente a diversidade social na construção do risco e a presença de uma lógica política a orientar a distribuição desigual dos danos ambientais.” (ACSELRAD, 2002, p. 3)

Frente a essas questões a alternativa do autor está na análise da noção de injustiça ambiental, prática que considera a clara existência de desigualdade social na exposição aos riscos

56 ambientais, advindos de uma lógica que extrapola a simples racionalidade abstrata das tecnologias. Nessa perspectiva, não há separação entre os problemas ambientais e a distribuição desigual do poder sobre diversos recursos políticos, materiais e simbólicos (ACSELRAD, 2002).

Nesse sentido, como categoria sociológica geral, o risco ambiental é importante para que sejam entendidos os processos pelos quais passam a sociedade contemporânea, enfatizando suas incertezas. Por outro lado, é necessário compreender que essa noção possui seus limites e que pode ser associada a outras teorias que a tornam mais completa. Nesse caso, se ressalta a importância da sistematização de Acselrad (2002), que ao enfatizar a importância dos movimentos de justiça ambiental, demonstra como esses, em termos práticos, dão visibilidade aos riscos ambientais das populações e também enfatizam sua relação com a temática da desigualdade.