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Risos: entre marcas linguísticas, criptológicas e sociais

2. Preparando o olhar: breve contextualização teórica

2.1. Risos: entre marcas linguísticas, criptológicas e sociais

Além da noção de segredo que se destaca no corpus coletado, o riso é outro elemento frequente. Eis que poderíamos pensar num paradoxo: enquanto o segredo aponta para algo interno e restrito ao grupo, o riso aponta para algo externo a ele, para uma interação entre grupos. O riso, ao mesmo tempo em que reforça a noção de segredo para os integrantes do grupo restrito, parece convidar os integrantes de outros grupos a conhecer a razão desse riso, a compartilhá-lo.

O glossário coletado também pode permitir a confirmação ou a negação desse paradoxo pela investigação de processos de produção de sentido que conduzem ou podem conduzir ao riso.

Sem dúvida, o riso funciona como um elemento de socialização e, nesse sentido, como um elemento aglutinante, já que tendente a facilitar o contato, a aproximação, a interação. Mas também pode funcionar como um elemento de discriminação social.

Na prática discursiva, o riso é multissignificativo. Tanto pode indicar cumplicidade, ingenuidade e igualdade, quanto pode apontar para desagregação, malícia e superioridade.

Por sua ambiguidade, a clara delimitação do sentido de um riso está adstrita à sua circunstância de uso e à intenção do falante. Desde logo, parece-nos que o riso ora funciona como tentativa de desnudamento de uma realidade, ora como busca de mascaramento dessa mesma realidade.

Seja como for, o riso é um agente relativizador daquilo que é dito, é um elemento mediador do discurso, podendo funcionar como modalizador.

No contexto em que a gíria dos homossexuais masculinos é falada, quase sempre, o segredo e o riso andam juntos. Vejamos uma situação hipotética: dois conhecidos caminham pela Avenida Vieira de Carvalho e, após um ter sugerido que

fossem a um determinado local, o outro responde: “Tá loca?! Só tem dragão!”. E os dois riem8.

Além da ênfase na resposta, frequentemente constatada pelo emprego de tom interrogativo e/ou exclamativo pelo falante, o riso tanto pode indicar cumplicidade quanto ridicularização. Para sustentar essa interpretação, vejamos as expressões separadamente.

Em “Tá loca?!”, há uma redução da forma conjugada na terceira pessoa do singular do presente do modo indicativo, de está para tá, fenômeno recorrente na fala, e há outra redução, agora do ditongo, em “loca” ( de louca para loca).

Ainda que aqui o sentido não seja hermético, posto que usado no sentido denotativo regularmente registrado pelos dicionários, isto é, “está insana”, “perdeu o juízo”, chama a atenção o uso do tratamento feminino, marcado pelo “a” em “loca”, para designar um ouvinte do sexo masculino.

Em “Só tem dragão!”, o traço criptológico está mais presente, uma vez que a expressão conota “local em que predominam pessoas feias ou sem atrativos, em que não há pessoas interessantes, atraentes, agradáveis”.

Dessa situação de fala, o argumento de que há cumplicidade no riso desses falantes pode ser defendido recorrendo-se à característica criptológica da gíria. O riso indicaria a convenção do signo, a cumplicidade pelo conhecimento do sentido em que o vocábulo é empregado, o conhecimento mútuo e secreto. Aqui, os dois falantes estão de acordo, pois riem dos terceiros, dos frequentadores do local sugerido pelo interlocutor, dos dragões.

Outra hipótese passível de ser defendida é a do riso como elemento intensificador de ridicularização de um dos falantes, posto que a sugestão do local seria descabida, reprovável.

Uma terceira perspectiva é a do riso como elemento modalizador pelo ouvinte: diante da recusa explícita e intensa do falante e, talvez, de uma análise mais ponderada do que foi sugerido, o ouvinte ri para mascarar a sua má sugestão e, mais do que isso, a sua reprovação pelo outro.

8 Essa fala de um dos interlocutores foi regularmente ouvida durante as pesquisas de campo entre

fevereiro e agosto de 2004. Hoje, em agosto de 2010, o vocábulo dragão poderia ser considerado gíria comum. Tal reclassificação (de gíria de grupo para gíria comum) reforçaria a característica efêmera do signo gírio. Um outro exemplo, que preservaria um traço criptológico, seria a seguinte fala: “Tá loca! Só tem SBP!” Lembremos que SBP é a sigla, no contexto da diversidade, para Super

Finalizada a questão do riso, a conversação pode ser retomada sem melindres, posto que ele também pode ser concebido como um elemento pacificador no discurso: ao se eleger o riso como solução para o conflito, a tensão que poderia ter surgido na conversação foi amenizada, podendo o diálogo ter continuidade.

Dessa situação hipotética e de suas interpretações decorre que ao menos três outras áreas do conhecimento fornecerão noções conceituais para fundamentar as análises propostas: a Semântica, a Análise da Conversação e a Análise do Discurso.

Interessa-nos, ainda nessas primeiras considerações teóricas, refletir sobre a expressividade presente na gíria.

O falante, dentre as palavras disponíveis, no momento da produção verbal, opta pelo emprego da gíria. Em que medida essa opção representa um índice expressivo, marca uma subjetividade?

Ao eleger um vocábulo gírio como a forma mais próxima daquilo que lhe vai na mente, daquilo que deseja verbalizar, comunicar a outro locutor, o falante realiza uma seleção lexical individual, pessoal, expressiva. Dentre as possibilidades que enumerou no eixo paradigmático, selecionou uma para funcionar no eixo sintagmático, forma essa mais próxima do seu pensamento, do seu anseio e das suas emoções.

Essa eleição lexical do falante não é aleatória. Retomando a expressão “Só

tem dragão!”, o falante, ao empregá-la, atribuiu maior vivacidade à sua fala e

intensificou a expressão da sua indignação.

Essa marca subjetiva de indignação pode ser constatada por três índices expressivos: 1) o advérbio só; 2) a gíria dragão; e 3) o tom enfático, exclamativo (com frequência observado durante as pesquisas de campo).

Ao mesmo tempo em que o falante busca sua própria forma de expressão linguística, também busca situar e afirmar a sua singularidade, a sua identidade, a sua subjetividade e o seu sentimento de pertencimento.

Justamente nessa intersecção, nesse encontro de um grupo restrito com uma linguagem particular, é que o nosso olhar multidisciplinar sobre a gíria pode ser justificado. Norteados pela Sociolinguística, recorremos, quando necessário, a noções da Semântica, da Análise da Conversação, da Análise do Discurso, da Estilística, da Sociologia e da Antropologia.

Uma vez que a linguagem dos falantes que integram o grupo da diversidade sexual seja multifacetada, precisamos, por questões didático-metodológicas, tentar delimitar alguns aspectos, com base nos quais poderemos iniciar a nossa análise.

Procurando seguir um percurso lógico indutivo-dedutivo, tencionando estabelecer um continuum entre o vocábulo gírio e o discurso dos falantes que compõem o grupo da diversidade sexual paulistana, damos continuidade ao nosso estudo com o capítulo seguinte, no qual aprofundaremos a investigação das relações sociolinguísticas nas formas evocativas empregadas por esses mesmos falantes.

3. GÍRIA DA DIVERSIDADE SEXUAL: ENTRE O ESTEREÓTIPO E A EVOCAÇÃO

As mais sutis e penetrantes de todas as influências são as que criam e mantêm o repertório de estereótipos. Dizem-nos tudo sobre o mundo antes que o vejamos. Walter Lippmann (1970: 156)

O principal objetivo deste capítulo é verificar a existência ou não de relações entre as formas evocativas empregadas particularmente pelos homossexuais masculinos e os estereótipos vigentes no grupo da diversidade sexual.

Preliminarmente, precisamos conceituar tais formas. Para tanto, recorremos à conceituação do que sejam as palavras evocativas:

A tonalidade emotiva de um grande número de palavras se deve a associações provocadas pela sua origem ou pela variedade lingüística a que pertencem. São as palavras de poder evocativo, conforme as classificou Bally. São os estrangeirismos, os arcaísmos, os termos dialetais, os neologismos, as expressões de gíria, os quais não só transmitem um significado, mas também nos remetem a uma época, a um lugar, a um meio social ou cultural. (Martins, 2008: 108)

As expressões gírias, de acordo com Martins, seriam exemplos de palavras

evocativas e funcionariam como uma designação genérica para termos presentes no

vocabulário utilizado por um determinado grupo de falantes, pelo qual alguns elementos de uma dada realidade sócio-histórica poderiam ser identificados.

Restringindo-nos ao glossário anexo, podemos notar que várias gírias, além de se referirem a outros aspectos, como ao do papel ativo ou passivo durante a relação sexual, também podem funcionar como formas de chamamento. Propomos, na análise que se pretende apresentar, considerar as formas de chamamento como espécies do gênero palavras evocativas.

O simples fato de chamar alguém, seja pelo nome próprio, por forma de tratamento ou por qualquer outra forma que venha a exercer a função vocativa, indica a ocorrência de uma interação social.

Se considerarmos que interação social é “o processo pelo qual agimos e reagimos em relação àqueles que estão ao nosso redor” (Giddens, 2005: 82), já temos, de modo implícito, uma relação de proximidade ou de contato, efetivo ou potencial.

Essa proximidade será tanto mais efetiva quanto mais frequentes forem as conversas entre os interlocutores. Por outro lado, esse contato será tanto mais

potencial quanto mais casual, mais ocasional e mais fortuito for o motivo dessa interação.

Do processo interacional, já se pode deduzir uma primeira condição: a presença ou a ausência do interesse de um dos interlocutores em iniciar um processo comunicacional com outro interlocutor, ou com os demais presentes naquela situação.

Desde logo, é preciso ter em mente que o processo comunicacional pode ser verbal (oral e/ou escrito) ou não verbal (gestos, mímicas, códigos de trânsito). Interessa-nos, nesta investigação, os processos de comunicação oral9.

Como se pode observar do conceito proposto, a interação engloba dois movimentos: uma ação e uma reação. Mas ambos condicionados pelo modo subjetivo como cada indivíduo reage àquele que dele se aproxima ou do qual se aproxima.

Nesse quadro de possibilidades, no nosso cotidiano, passamos, diariamente, por vários agrupamentos sociais, por várias reuniões aleatórias de indivíduos, com os mais diversos interesses, com os quais, não necessariamente, estabelecemos uma comunicação, um diálogo. Muitas vezes, essa interação é meramente espacial, como, por exemplo, num ponto de embarque e desembarque de transporte coletivo. Aqui, o processo interacional ocorre, mas o processo comunicacional pode ou não ser efetivado.

Claro está que nem toda interação pressupõe um ato de comunicação verbal, e que nem toda aglomeração pressupõe um grupo social. “Independente de seu tamanho, um aspecto decisivo do grupo é o fato de seus membros terem uma consciência de identidade comum.” (Giddens, 2005: 568)

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Um dos elementos recorrentes nos processos de comunicação oral é o emprego de marcadores conversacionais, assim conceituados por Urbano (2001: 85-6) : “elementos que ajudam a construir e a dar coesão e coerência ao texto falado, especialmente dentro do enfoque conversacional. Nesse sentido, funcionam como articuladores não só das unidades cognitivo-informativas do texto como também dos seus interlocutores, revelando e marcando, de uma forma ou de outra, as condições de produção do texto, naquilo que ela, a produção, representa de interacional e pragmático. Em outras palavras, são elementos que amarram o texto não só enquanto estrutura verbal cognitiva, mas também enquanto estrutura de interação interpessoal. Por marcarem sempre alguma função interacional na conversação, são denominados marcadores conversacionais (Marcuschi, 1989: 282).” Analisando o aspecto formal ou estrutural dos marcadores conversacionais, o mesmo autor os separa em marcadores linguísticos e não linguísticos: “Os primeiros são de duas naturezas: há os verbais e os prosódicos. Os verbais podem ser lexicalizados, como sabe?, eu acho que ou não lexicalizados, como ahn ahn, eh eh. Os de natureza prosódica são a pausa, a entonação, o alongamento, a mudança de ritmo e de altura por exemplo. Os não lingüísticos são o olhar, o riso, os meneios de cabeça, a gesticulação. São também de grande importância e recorrência, sobretudo para sinalizar as relações interpessoais, [...]. Podemos chamá-los marcadores

Partilhando dessa característica fundamental de constituição do grupo social, Horton & Hunt (1980: 128) declaram que a “essência do grupo social não é a proximidade física, mas a consciência de interação conjunta”.

Um indivíduo pertence, concomitantemente, a vários grupos sociais: ele pode ser filho, ser marido, ser pai, ser amigo (ser membro de grupos primários), bem como pode ser funcionário, estudante, conselheiro, esportista (ser membro de grupos secundários). O que vai preponderar será o papel social que ele desempenha num determinado contexto do seu cotidiano.

Por ora, podemos conceituar papel social como o “comportamento esperado de um indivíduo que ocupa uma posição social específica.” (Giddens, 2005: 572)

No enfoque deste trabalho, percebe-se que há um critério qualitativo e um critério quantitativo que norteiam a distinção entre os grupos sociais secundários: o da orientação sexual e o do número de integrantes, respectivamente. Pertinente lembrar que, ao ser estabelecido um critério, abre-se o campo para a dessemelhança, para a diversidade, para a discriminação e, não raras vezes, para o preconceito.

Giddens (2005: 568) aponta como critério qualitativo o heterossexismo: “processo pelo qual os indivíduos não-heterossexuais são categorizados e discriminados em função de sua orientação sexual.”

O critério quantitativo permite reconhecer a sociedade formada por um grupo majoritário (heterossexual) e por grupos minoritários (demais orientações).

Grupo minoritário, para Giddens (2005: 568), é “um grupo de pessoas que

está em minoria em uma determinada sociedade e que, por causa de suas características físicas ou culturais distintas, encontra-se em situações de desigualdade dentro dessa sociedade.”

Duas noções podem ser destacadas dos conceitos propostos pelos autores citados: a de interesse e a de diferenciação.

O interesse, enquanto elemento aglutinador do grupo social secundário, estaria evidente, na perspectiva deste estudo, pelo próprio processo de consolidação de guetos, de limites geográficos para a concentração daqueles que compõem o segmento da diversidade sexual.

Para o esclarecimento do processo de diferenciação, recorremos a duas análises: restrita e ampla. Quanto à primeira, a consolidação de áreas territoriais que concentram um público homossexual masculino tende a atrair os demais segmentos

do grupo da diversidade sexual (LBTT), situação que propicia a interação, reforça o sentimento de pertença, tende a facilitar o encontro de parceiros, a comunicação entre semelhantes e a troca de vocábulos gírios.

A aparente contradição entre diferenciação e interação pode ser assim explicada: na medida em que os integrantes do grupo da diversidade sexual vão consolidando áreas territoriais de concentração, na proporção em que interagem, vão reconhecendo entre si mesmos pontos de afinidade e pontos de diferenciação. Um ponto comum seria o reconhecimento da discriminação em ambientes predominantemente frequentados por grupos heterossexuais (o que também reforçaria o caráter defensivo do gueto). Um ponto de distinção seria o objeto do desejo de cada segmento, o qual determinaria a concentração de certo segmento em certos estabelecimentos, o que explicaria a predominância absoluta de homossexuais masculinos em alguns, de homossexuais femininas em outros. Pela própria discriminação dentro do grupo da diversidade sexual, os travestis tendem a transitar menos entre esses segmentos e a delimitar locais próprios, geralmente os mesmos frequentados também por prostitutas e michês.

Ainda no aspecto restrito, é justamente a interação entre os integrantes do grupo da diversidade sexual que permite a sua diferenciação. Reconhecido o objetivo comum de igualdade social, esse grupo também consolida os seus segmentos e as características particulares de cada um desses segmentos (G, L, B, T e T).

Quanto à análise ampla, retomamos a noção de que a existência de guetos reforça o sentido de diferenciação. À medida que cada grupo secundário estabelece áreas territoriais de acordo com suas afinidades e seus interesses, a fragmentação do corpo social aumenta. No caso, se os guetos da diversidade permitem a manifestação do comportamento sexual de seus integrantes, também contribuem para o isolamento destes e para o afastamento dos membros de grupos heterossexuais. A exceção estaria no segmento heterossexual simpatizante (S): permitindo-se conviver e interagir com os que pertencem ao grupo da diversidade, homens e mulheres heterossexuais tendem a contribuir para uma continuidade no estreitamento das relações sociais entre grupos com distintos objetos do desejo sexual.

Essas análises permitem demonstrar a aplicação das noções propostas por Giddens (2005) ao presente estudo: tanto pelo critério qualitativo quanto pelo critério quantitativo, o heterossexismo firma-se como o marco diferenciador.

Do exposto, pode-se classificar o grupo da diversidade sexual como um grupo social secundário, minoritário e não heterossexual, cuja distinção principal recai sobre o exercício social de um papel não heterossexual.

Uma vez que às noções sociológicas são acrescidos conceitos da Antropologia e a da Psicologia Social, as relações entre papel social e formas

evocativas serão desenvolvidas no tópico seguinte.

3.1. Formas evocativas: sínteses de papéis sociais e estereótipos

Considerando-se que a gíria reflete e condensa o ponto de vista dos integrantes de um grupo restrito e fechado, propomos um desenvolvimento para a hipótese de que as formas evocativas presentes no glossário anexo sintetizam papéis sociais e estereótipos, em sua maioria, vigentes tanto no grupo da diversidade sexual quanto no grupo heterossexual.

Para isso, recorremos a conceitos propostos por Goffman, entre eles, a noção de papel social:

Um “desempenho” pode ser definido como toda atividade de um determinado participante, em dada ocasião, que sirva para influenciar, de algum modo, qualquer um dos outros participantes. Tomando um participante particular e seu desempenho como um ponto de referência básico, podemos chamar aqueles que contribuem com os outros desempenhos de platéia, observadores ou co-participantes. O padrão de ação preestabelecido que se desenvolve durante a representação, e que pode ser apresentado ou executado em outras ocasiões, pode ser chamado de um “movimento” ou “prática”. Estes termos referentes à situação podem facilmente ser relacionados com outros termos estruturais convencionais. Quando um indivíduo ou ator desempenha o mesmo movimento para o mesmo público em diferentes ocasiões há probabilidade de surgir um relacionamento social. Definindo papel social como a promulgação de direitos e deveres ligados a uma determinada situação social, podemos dizer que um papel social envolverá um ou mais movimentos, e que cada um deles pode ser representado pelo ator numa série de oportunidades para o mesmo tipo de público ou para um público formado pelas mesmas pessoas. (1975: 23-4)

Ao estabelecer que há direitos e deveres intrínsecos a um papel social em determinada situação social, Goffman tanto nos aponta para roteiros quanto para

estereótipos sociais. O conceito de estereótipo parece estar fundamentado na expectativa dos participantes quanto ao condizente desempenho dos demais integrantes em determinado evento, em que todos esperam que os movimentos próprios e alheios sejam ordenadamente realizados, segundo as convenções vigentes.

Em outras palavras, na medida em que um indivíduo reconhece uma dada situação social, espera-se que ele realize movimentos estereotipados, conforme as formalidades exigidas para o evento do qual participa. O indivíduo-ator situa-se tão mais próximo do estereótipo quanto mais fielmente corresponder aos padrões do comportamento social esperado pelos demais integrantes do grupo em que está se movimentando.

A gradação nessa fidedignidade apresenta, pelo menos, duas consequências: uma de ordem psicocognitiva e outra, social. A primeira está no fato de que recorrer ao estereótipo é um processo econômico10. A segunda está no fato de que a obediência do indivíduo ao comportamento social esperado facilita o seu processo de inserção no grupo dentro do qual pretende movimentar-se. O não atendimento à expectativa dos integrantes do grupo pode implicar o seu afastamento ou a sua exclusão. Em ambos os casos há um juízo discriminatório dos demais membros sobre o comportamento de um terceiro.

Lippmann (1970: 156) desenvolve o caráter redutor e generalizante do estereótipo, declarando que o nosso olhar sobre o outro começaria a se formar por um traço reconhecível, com base no qual, pelos tipos já conhecidos por nós, completaríamos o juízo acerca dele (do outro), assemelhando-o a outros, posto que

notamos um traço que marca um tipo conhecido e enchemos o resto do quadro com os estereótipos que trazemos na cabeça. Êle é um agitador. Isso podemos notar ou nos foi dito. Ora, um agitador é tal espécie de pessoa e, portanto, êle é tal espécie de pessoa. Êle é um intelectual! É um plutocrata. É um estrangeiro. É um “europeu do sul”. É de Back Bay. É um homem de Harvard. Muito diferente da afirmativa: é um homem de Yale. É um sujeito correto. [...]. (grifos do autor)

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Lippman (1970: 155-6) afirma que há economia quando se recorre ao estereótipo: “Há economia nisto. Pois a tentativa de ver tôdas as coisas frescamente e com detalhes, em vez de vê-las como tipos e generalidades, é

O mesmo autor conceitua o estereótipo como um olhar antecedente sobre uma experiência não vivenciada, enfatizando o papel da educação na elaboração de