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Rochefort e a internacionalização dos fluxos de decisão empresarial

2.2. A REGIÃO URBA A: PERSPECTIVA PRÉAHISTÓRICA E HISTÓRICA

2.2.29. Rochefort e a internacionalização dos fluxos de decisão empresarial

Em 1993, Michel Rochefort chama a atenção para a internacionalização cada vez mais frequente dos fluxos de decisão das grandes empresas e considera três factores de emergência das regiões urbanas:

a) os critérios de localização dos centros de decisão das empresas, designadamente a necessidade de ambientes funcionais competentes;

b) a evolução paralela dos serviços de apoio às empresas;

c) a localização das actividades de Investigação e Desenvolvimento, nas quais se apoiam necessariamente os centros de decisão e as redes de serviços.

Estes factores constituem, todos eles, uma referência realista relativamente às circunstâncias que incidem sobre as decisões empresariais de localização, mas não esgotam os factores de emergência das regiões urbanas por essa via. Basta relembrar as necessidades impostas pela imagem da empresa, a localização dos seus clientes e o tipo de acessibilidade/proximidade que a relação com os melhores clientes exige, ou o interesse dos quadros seniores em ambientes urbanos de qualidade, e não nos referimos apenas à qualidade funcional, mas também à qualidade climática, dos equipamentos de saúde e ensino, ou da mobilidade para destinos internacionais.

Temos também a análise que a empresa produz relativamente aos níveis de segurança,

91 ao desempenho administrativo e à transparência expectável por parte das autoridades, assim como ao mercado da mão(de(obra que as actividades da empresa exigem, entre outros critérios determinantes.

Rochefort aponta a importância dos autarcas na captação regional destes factores, a par da importância da Administração Central na redistribuição dos supra referidos factores de metropolização. Também ele, no seguimento de Fishman, regista a evolução para a “metrópole multipolar”, estruturada sobre as grandes vias de comunicação, mercê da redistribuição funcional no espaço urbano e defende a necessidade de renovar a política dos transportes urbanos e de intervir sobre a política de solos.

Já referimos porque razão a política de transportes públicos é estratégica para o desenvolvimento regional urbano e para a respectiva sustentabilidade. A questão da política de solos não é menos determinante.

É a política de solos que determina quem gere a cidade, se as autoridades locais, se os interesses privados. E a cidade, assim como a região urbana, deve ser gerida pelas autoridades locais, porque o interesse público deve ser determinante nessa gestão, pese embora a necessidade de salvaguardar adequadamente os direitos dos particulares.

Existem três interesses a hierarquizar e a recolocar adequadamente na política de solos: os interesses do proprietário; o interesse público na urbanização e na respectiva mais valia; e o interesse do particular empreendedor, agente do processo de urbanização, construtor, mediador imobiliário.

Não se tratando de interesses impermeáveis, longe disso, é fundamental sabermos destrinçá(los e que essa destrinça seja assumida normativamente, sob pena de confundirmos e fragilizarmos instrumentos de política, de gestão urbana e consequentemente, as respectivas responsabilidades, com perda geral, ou quase, como se tem verificado.

Os interesses do proprietário, para efeitos de urbanização, devem ser de três tipos: a) o interesse de edificar casa própria ou, dentro de determinados limites, casa para familiar; não parece que neste capítulo, que poderemos designar por urbanização familiar, as restrições estabelecidas em sede dos actuais instrumentos de gestão territorial devam sofrer qualquer alteração. Coloca(se aqui apenas uma ponderação de limites, que parece desinteressante balizar nesta oportunidade;

b) o interesse de se constituir parceiro de urbanização da sua propriedade, quando essa urbanização for de interesse público. Sendo do interesse público a decisão de urbanizar,

92 porque contende com a sustentabilidade e com o funcionamento de todo o território, o proprietário deve poder aderir ou não à operação de urbanização. Se aderir, deve poder participar da operação e perceber dela os frutos devidos à importância económica da sua participação, que é determinada pelo valor do solo a urbanizar, e não do solo urbanizado. Um normativo claro terá de compreender a lógica de contabilização desse valor no conjunto da operação e um conjunto de garantias de procedimento, temporais e de contencioso para assegurar os direitos do particular parceiro na operação, sempre pública, de loteamento ou outra de construção com escala não familiar;

c) O interesse da salvaguarda do seu terreno sem urbanização. Num contexto, como se defende, em que é atribuída à autoridade local a exclusividade da competência de urbanizar, este interesse do particular continuará a poder ser contrariado, sempre que se coloque a questão da utilização do terreno para fins de interesse público, mas a urbanização do terreno terá de ser comprovadamente de interesse público para se poder sobrepor à vontade contrária do proprietário. Essa comprovação terá de ser realizada mediante a demonstração de que se trata de um remate em conjunto urbano, ou de uma qualquer outra solução urbanística sem alternativa razoável, não chegando a mera declaração de interesse público para o efeito. E deve ser normatizado o procedimento respectivo, para garantia do proprietário.

A decisão de urbanizar e o exercício da urbanização deve ser uma prerrogativa exclusivamente pública, excepto no caso das "urbanizações familiares", já descritas. Do mesmo modo, a mais(valia da urbanização deve ser uma receita exclusivamente pública.

Doutro modo, não teremos em Portugal reservas fundiárias municipais, gestão urbana onde predomine o interesse público, defesa da sustentabilidade do uso dos solos não urbanizados, que constituem um recurso demasiado escasso para se desperdiçar em nome de interesses particulares imediatistas, e em última análise, nem a oportunidade de um território ordenado, nem a qualidade urbana que é imprescindível para um estádio mais avançado de competitividade territorial e de qualidade de vida.

Doutro modo, o nosso sistema urbanístico continuará a conseguir o feito absurdo de fazer desviar dos cofres públicos para alguns particulares as mais valias derivadas da atribuição de edificabilidade a terrenos que a não tinham, quando esta é uma prerrogativa exclusivamente municipal que não tem nada que ser exposta e publicitada a dez anos de distância, como acontece no nosso planeamento.

O normativo actual contribui injustamente para esgotar financeiramente as autoridades locais, obrigando a administração central a esforços de financiamento das autarquias que são

93 excessivos para as actuais disponibilidades do Estado e mais grave, inibe soluções de financiamento de um sistema de administração regional.

O sistema urbanístico tem de se pagar a si próprio, isto é, o que rende, e rende muito – tem de ser suficiente para financiar a reabilitação urbana das áreas antigas, a administração autárquica no que respeita à manutenção das infra(estruturas da cidade e deve contribuir para o financiamento do modelo de organização regional do País, porque a organização regional tem despesas relacionadas com esse sistema urbanístico.

Numa sociedade moderna, sustentável, portanto equilibrada em termos de receitas e despesas, o Estado pode financiar o sector quaternário, assim como o sector do voluntariado, seja no capítulo social, seja no da defesa do património ou do ambiente. Mas não lhe compete financiar o sistema urbanístico.

Por outro lado, é fundamental dotar de maior segurança as actividades económicas em redor do imobiliário. E entramos aqui nos interesses do particular empreendedor, agente do processo de urbanização, do construtor, e do mediador imobiliário. Tudo actividades legítimas, fundamentais para o desenvolvimento económico do País, que não podem continuar sujeitas a todo o tipo de incertezas urbanísticas, mercê da confusão de competências e prerrogativas entre os actores da gestão urbana.

A empresa de construção tem de ter em cada região e em cada município um cenário claro acerca da estratégia económica da administração territorial local e regional, das funções urbanas e dos usos que vão requerer construção, em que horizontes e com que níveis de exigência, dos terrenos disponíveis para a sua actividade construtiva, e dos prazos da sua disponibilização ao mercado da construção, assim como das condicionantes com que o município disponibilizará esses solos, já urbanizados: eventuais condicionantes de preços, no caso da habitação, custos de concepção/construção de equipamentos ou espaços verdes, etc. Deste modo, a actividade económica da construção progredirá, definirá ou não áreas de especialização, calendarizará em tempo oportuno os respectivos investimentos e poderá ser um actor mais seguro e mais forte no mercado do emprego.

O mediador imobiliário ganhará sempre com um mercado de oferta mais previsível, assim como com a qualificação da construção.

O empreendedor imobiliário saberá que a sua actividade, que não se destina a substituir a gestão urbana, requer capacidade efectiva de projecto qualificador e competência para propor projectos atractivos às autoridades locais, de que é um potencial parceiro, pela capacidade de investimento.

94 Para além da sua chamada de atenção para a necessidade de intervir na política de solos, Rochefort alertou ainda para as “disparidades sócio(espaciais” resultantes da conjunção entre a dinâmica das metrópoles em formação e a evolução do mercado de emprego, colocando este desafio a par com o desenvolvimento dos equipamentos e das comunicações e a salvaguarda e valorização das paisagens e dos ambientes urbanos como factores competitivos: “as funções metropolitanas do presente exigem uma vasta reorganização dos espaços urbanos e suburbanos; novas articulações se estabelecem entre os sub(espaços que se estendem agora à imagem duma verdadeira «região urbana» ”85.

É por isso que a organização e a administração regional do território e o reforço das competências de gestão urbana dos municípios não podem ser deixada a sortes futuras.

2.2.30. A metrópole de Rocayolo: construção e desconstrução dos espaços regionais