• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I. Fundamentação teórica

I.2. Antecedentes da teoria dos polissistemas

I.2.2. Roman Jakobson

Prossigamos com Roman Jakobson (1896-1982), que começou a desenvolver o seu trabalho de investigação integrado nos formalistas russos, mas que mais tarde se autonomizou e se tornou uma das figuras cimeiras dos estudos linguísticos do século

XX. Em Dialogues, Jakobson resume algumas das suas concepções e explicita outras.

Para ele, o tempo é a questão vital da nossa época, em particular a eliminação do estático e a expulsão do absoluto. Segundo o autor, os conceitos de sistema e de mudança estão indissociavelmente ligados: «la coexistence et la modification non seulement ne s’excluent pas l’un l’autre, mais sont au contraire indissolublement liées.»1

Na senda da Opoiaz, Jakobson defende que a imanência das mudanças na literatura e a sua proximidade com o sistema de valores literários devem implicar uma coordenação da sincronia e da diacronia na literatura:

l’opposition de la notion de système à celle d’évolution « perd son importance de principe puisque nous reconnaissons que chaque système apparaît obligatoirement comme une évolutión et que, d’autre part, l’évolution possède inévitablement un caractère systématique » 2.

O autor destaca a relação entre a literatura e os diferentes níveis do contexto cultural em que ela se insere e sublinha o conceito de «sistema de sistemas», que une os níveis culturais sem recorrer à ideia de um encadeamento de causas e efeitos. As mudanças da língua correspondem a um sistema e a uma finalidade, e a evolução da língua e o desenvolvimento de outros sistemas socioculturais convergem num fim conjunto. Os autores esquecidos são recuperados pela evolução das preferências na arte, integrando o sistema dos valores literários da época juntamente com os novos escritores e poetas. Nas palavras de Jakobson:

1 J

AKOBSON, Roman e POMORSKA, Krystyna, Dialogues. Trad. de Mary Fretz. Paris: Flammarion, 1980, p. 61.

2 I

38 l’idée d’un temps discontinu et d’une marche inverse du temps, qui permettait de faire

un retour aux classiques ou même d’inclure dans un répertoire actuel certaines valeurs artistiques qui, au commencement, n’avaient pas été admises, de les réhabiliter à titre posthume et de le faire revivre1.

Para o autor, esta questão ajuda a esclarecer o desenvolvimento da língua e a diferença entre língua falada e escrita. Esta última, por um lado, admite a assimilação e a reabilitação dos cânones antigos e, por outro, combina tempo e espaço, ao passo que a primeira é apenas temporal.

Quanto ao factor espaço, Jakobson considera que ele se integra no sistema da língua, sublinhando que a diversidade contextual implica a diversidade de interlocutores e que não é possível traçar uma fronteira absoluta entre o foco das transformações e a zona de expansão, pois «la modification est en elle-même indubitablement et inévitablement une expansion»2. O estilo elíptico da linguagem contribui para o surgimento, a estabilização e a difusão posterior de uma inovação, podendo existir aceitação e rejeição de uma inovação no centro e numa zona secundária de uma forma idêntica. Jakobson refere que, se uma comunidade assimila um elemento de uma linguagem enraizada nos seus vizinhos de forma a aproximar-se deles, esse elemento contribui para a identificação e o estreitamento da comunicação mútua. As comunidades em que se regista este tipo de assimilação são conformistas de tipo espacial e negam as suas própria tradição de língua, caracterizando-se ainda por ser não-conformistas de tipo temporal. A recusa de assimilar um elemento da língua dos vizinhos com o objectivo de salvaguardar a tradição própria é, por seu lado, fruto de um conformismo de tipo temporal e de um inconformismo de tipo espacial.

Os falantes de um espaço que utilizam a língua de um país vizinho e que, portanto, podem comunicar mais facilmente com os os vizinhos são capazes de traduzir dessa língua e para essa língua, ganhando prestígio junto dos seus compatriotas. Muitas vezes incluem na sua língua materna elementos fonéticos ou

1 Ibidem, p. 70. 2 Ibidem, p. 81.

39

gramaticais da língua vizinha. Trata-se de elementos estilísticos, que acabam, contudo, por se tornar um princípio da abertura de horizontes linguísticos dos falantes bilingues e que são imitados pelos seus compatriotas. Como indica Jakobson, a imitação transforma-se em moda e pode passar a fazer parte do sistema da língua materna. «Ainsi s’engendre une alliance de langues»1, acrescenta. As línguas de um país que prevalecem na cultura, na autoridade sociopolítica ou no poder económico não prevalecem necessariamente sobre as línguas dos países mais dependentes. É frequente o lado fraco influir sobre o lado forte. As linhas isoglossas costumam coincidir com outras grandes linhas relevantes na antropologia geográfica. Jakobson afirma que as alianças de línguas reflectem um conformismo linguístico, observando- se o fenómeno oposto, ou seja, de inconformismo, nas relações interlinguísticas. «Les langues qui risquent de se voir submergées par des langues limitrophes développent parfois des traits spécifique qui les distinguent de manière frappante de la struture de ces dernières»2, recorda.

No seguimento da teoria de Charles Peirce, segundo a qual a palavra e o futuro estão indissociavelmente ligados, Jakobson considera que esta ideia constitui uma condição de todas as réplicas futuras possíveis e que a constante do signo literário – o seu significado comum – adquire um novo significado particular no contexto de réplica. Sendo o contexto variável, cada novo contexto confere à palavra um significado novo e é aí que reside a força criadora do signo literário: «par sa force créatrice, le signe se ménage des chemins vers le futur indéfini, il anticipe, il prédit l’avenir.»3

Jakobson sustenta que, em poesia, a questão fundamental reside nas relações entre som e sentido. «Age a cada momento, estabelecendo entre as palavras novos nexos, metafóricos ou metonímicos»4, afirma no seu artigo «O que fazem os poetas com as palavras», acrescentando que «tudo na linguagem é, nos seus diversos níveis, significante»5. A questão do paralelismo – combinação binária que assenta na

1 Ibidem, p. 86. 2 Ibidem, p. 88. 3 Ibidem, p. 92. 4

JAKOBSON, Roman, «O que fazem os poetas com as palavras». Colóquio-Letras, n.º 12, Março de 1973, p.

6.

5I

40

equivalência, não na identidade – é também abordada por Jakobson, defensor de que esta confere a cada similitude e a cada contraste um peso particular.