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2. CONSTRUÇÃO DO PROJETO

2.3. Análise formal e interpretativa das peças a executar

2.3.4. Rouillé (d’aprés Francoeur) – Edward Ayres d’Abreu

Esta peça foi composta no âmbito deste projeto pelo compositor Edward Ayres d’Abreu.9

Segundo o compositor, Rouillé, significa “enferrujado”. A ideia da peça é transmitir uma lembrança oxidada pelo tempo, como se a peça original de Francouer, da qual se aproveitam algumas células e algum material motívico, tivesse sido esquecida por longos séculos e, naturalmente, tivesse deformado e enferrujado. Também pode ser como se fosse uma memória de algo difuso e já longínquo, quase impercetível.

Esta peça é constituída por onze fragmentos dos quais nove pertencem ao segundo andamento da Sonata em MI bemol de François Francouer10. A ordem dos fragmentos fica ao entender do intérprete, contudo, o número um deve ser sempre o número inicial assim como o número onze o último número a ser tocado.

Embora esta peça seja maioritariamente constituída por fragmentos de um segundo andamento de uma sonata do século XVIII, com as indicações do compositor Edward Ayres d’Abreu, a sua sonoridade fica completamente alterada.

O estudo detalhado desta peça encontra-se no diário de bordo, no anexo 7. No diário é explicado as etapas de estudo para conseguir atingir os objetivos de interpretação desta peça.

Ao longo desta peça há a indicação de molto sul ponticello e molto sul tasto, isto significa que, o arco deve ser tocado quase por cima do cavelete (ponticello) ou então por cima da escala (sul tasto). As dinâmicas variam entre pianississimo (pppp) e fortíssimo (ff). Quando o arco é tocado molto sul ponticello, a sonoridade adquirida é metalizada e por vezes pode também transformar-se num ruído sonoro. Quando tocado em pianíssimo, o som do molto sul ponticello pode conter sons harmónicos e indistintos e não as notas reais, todavia, quando a dinâmica é fortíssimo aparece um ruido sonoro. Contrariamente ao molto sul ponticello, no molto sul tasto as notas são concretas embora o som seja suave e discreto.

9 É Licenciado em Composição (ESML) e Mestre em Ciências Musicais - Musicologia Histórica (FSCH-UNL).

Ocupa as funções de Coordenador de Biblioteca da Metropolitana e de Presidente do MPMP (Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa)

10http://petrucci.mus.auth.gr/imglnks/usimg/d/df/IMSLP23179-PMLP52949-Francoeur_- _Cello_Sonata_in_E_major__cello_part_.pdf (acedido em 15/05/2015)

Ex: 17: Ayres d’Abreu: Rouillé (d’aprés Francoeur) (primeiro e segundo fragmento)

Outra indicação presente, e que apenas aparece no número quatro, é col legno tratto. Isto significa que em vez do arco tocar com as cerdas nas cordas como é habitual, neste número, a madeira do arco é que toca nas cordas criando uma sonoridade diferente da habitual, o som é quase inexistente mas suave. Para isto ser possível é necessário quebrar o pulso de modo a conseguir controlar a madeira do arco sobre as cordas.

Ex: 18: Ayres d’Abreu: Rouillé (d’aprés Francoeur) (quarto fragmento)

Para além destas indicações, o compositor indica a velocidade pretendida em cada fragmento, as quais são alteradas por vezes no mesmo fragmento.

Outra particularidade desta peça é que em todos os fragmentos, o compositor escolhe um ou mais compassos que são repetidos durante alguns segundos que ele indica.

Na minha opinião, a grande dificuldade nesta peça é controlar o arco devido ao uso sistemático do molto sul ponticello e molto sul tasto e também coordenar com a mão esquerda. É necessário ter consciência do local onde o arco deve ser tocado e tentar permanecer lá durante as notas estabelecidas. A par do local é necessário ter atenção o peso do arco. Dado que a maioria das dinâmicas são pianíssimo o arco deve ser tocado com pouca pressão, apenas o seu próprio peso ao pousar sobre a corda, não esquecendo que, para isso acontecer, é preciso o pulso da mão do arco estar relaxado assim como usar pouco arco.

Para conseguir interpretar a maioria dos números é necessário ter em atenção as indicações anteriores pois são semelhantes entre a maioria dos números.

No número dois, constituído por dois compassos, o compositor dá a indicação que o arco deve ser tocado no talão assim como molto sul ponticello e fortíssimo furioso. Ao tocar com o arco no local pretendido e com a dinâmica pretendia, o som emergente será agressivo chegando mesmo a ser um ruído sonoro e não as notas concretas. Para interpretar este compasso é necessário fazer bastante pressão com o arco nas cordas e quase por cima do cavalete para conseguir este efeito de ruído. No segundo compasso deste fragmento, como é em pianíssimo, é preciso retirar a pressão empregue no compasso anterior para conseguir realizar o pianíssimo.

O número cinco, também constituído por dois compassos, tem o primeiro compasso com indicação de ordinario, ou seja, é tocado normalmente, entre a escala e o cavalete. No segundo compasso deste fragmento há novamente a indicação de molto sul ponticello mas o último tempo deste compasso volta a ser ordinario. Este fragmento é de difícil execução pois a sua velocidade é rápida e é necessário um grande controlo do arco. O arco inicia no local habitual e rapidamente tem que descer até à zona do cavalete voltando rapidamente ao local habitual.

No número seis e sete esta situação volta a aparecer mas no entanto a passagem do molto sul ponticello para o molto sul tasto é controlada pelo intérprete pois o compositor dá a indicação de ad.lib

Ex: 20: Ayres d’Abreu: Rouillé (d’aprés Francoeur) (sexto e sétimo fragmento)

Ao contrário dos restantes fragmentos, o número oito tem apenas a indicação de lento, lírico, ou seja, é tocado no local habitual do arco e com carácter melodioso.

Ex: 21: Ayres d’Abreu: Rouillé (d’aprés Francoeur) (oitavo fragmento)

O número nove e dez são os fragmentos que não pertencem ao segundo andamento da sonata. No número nove o compositor, nas suas notas de execução, explica que é para tocar com o arco sobre a madeira do instrumento para realizar o efeito de ruído. É interessante executar este fragmento pois o arco não toca nas cordas mas sim sobre a madeira do instrumento, numa zona à escolha do intérprete. No entanto é necessário obedecer às dinâmicas e velocidades impostas.

O número dez também é diferente. Neste fragmento o compositor explica que é necessário tocar com o arco nas cordas além-cavalete, indiferentemente pelas quatro cordas. Mais uma vez o compositor atribui liberdade ao intérprete.

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