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A partir do estudo de caso brasileiro e de outros casos no projeto RRI-P pode-se dizer que mesmo em contextos diferente do ‘ideal’ da Europa Ocidental, a RRI poderia ser posicionada como um impulsionador para a refletividade e mudança organizacional. O que sugere a diferença que pode existir para que a RRI seja relevante ou quanto ela pode ser adaptada a novos contextos, mantendo seu espírito original de promoção de mudança organizacional significativa para aumentar a responsabilidade.

Além dos diferentes contextos nacionais e sociais, uma reflexão que surge é se a RRI pode

ser aplicada em organizações fora das esferas de financiamento público ou governamental,

principalmente, no setor privado. Existem vários motivos porque a transposição para tal

contexto não seja direta

:

1. As raízes históricas da RRI surgem da ideia de ciência e tecnologia que, essencialmente, deve responder às necessidades em grande escala das sociedades nas quais estão inseridas. A ciência neste contexto é, fundamentalmente, um bem público e, como tal, implica responder ao maior número possível de públicos. No entanto, a indústria privada não responde, em geral, às necessidades do maior número possível de públicos, mas sim aos seus próprios objetivos, que são internamente definidos. Embora isso possa se sobrepor ao público, eles permanecem essencialmente separados. Martinuzzi et al. Ressaltam que apesar de o bem estar social ter sido implementado na indústria, estes foram apenas parcialmente cumpridos e não são considerados parte do ‘DNA’ empresarial. 20

2. Em casos em que existem conflitos claros entre as metas organizacionais e o bem público, a RRI postula que a responsabilidade recai sobre as organizações em promover mudanças e se alinhar às necessidades sociais. No caso de organizações privadas, desde que nenhum dano direto seja produzido para o público, não há necessidade de nenhum incentivo para que as metas institucionais se alinhem com as da sociedade se isso for contra a lógica interna da organização.

20 Martinuzzi, A., Blok, V., Brem, A., Stahl, B. and Schönherr, N., 2018. Responsible research and innovation in industry—Challenges, insights and perspectives, Sustainability, 10(3), p. 702.

Deve ser fortemente enfatizado que a RRI é uma estrutura que aborda mudanças reflexivas e profundas nas ações, culturas e valores organizacionais e não simplesmente alinhado um conjunto de ações ou documentos que mostram ‘conformidade’ com RRI. Essa foi uma questão que surgiu várias vezes durante o projeto RRI-P e, principalmente, no Brasil. Por exemplo, durante alguns dos workshops, quando os representantes de organizações em cargos gerenciais eram convidados a fazer apresentações sobre como a RRI pode ser relevante para suas respectivas organizações, muitos deles se concentravam em mostrar documentos e estatísticas que mostravam como já estavam alinhados ‘com sucesso’ a RRI.

O objetivo da RRI não é certificar que uma organização está sendo responsável. Na verdade,

para aquelas organizações que já cumprem as metas de responsabilidade – para dar um

exemplo extremo – a RRI pode não ter utilidade. Também não terá utilidade para aquelas

organizações que optarem por escolher ‘incorporar’ de maneira bem sucedida pontos

específicos da RRI e simplesmente ignorar outros pontos. Novamente cabe ser mencionado

que a RRI, tanto conceitual como instrumentalmente, é um conjunto de ideias que deve

iniciar uma reflexão nas práticas organizacionais. Pode ser que algumas chaves ou conceitos

de RRI não se apliquem a uma organização, mas isso dever ser considerado um exercício

reflexivo em si mesmo e parte de um mapeamento mais profundo de práticas, valores e

culturas internas.

Bolsas de estudos organizacionais sugerem que, apesar das barreiras, a responsabilidade não está ausente da indústria, nem sua versão de “responsabilidade” é incompatível com os objetivos de RRI. Mesmo assim, a disponibilidade de recursos acadêmicos disponíveis especificamente para RRI na indústria ou de estudos de caso do mundo real com enfoque nas “aplicações” e impacto de RRI – pelo menos no sentido usado nos projetos discutidos anteriormente – ainda são limitados. 21

Gurzawska et al. (2017), por exemplo, apontam que o conceito de responsabilidade social

corporativa (CSR, na sigla em Inglês para Corporate Social Responsability) e RRI representam

21 O Projeto de Responsabilidade da Indústria (http://www.responsible-industry.eu/) é um análogo orientado para a indústria aos projetos citados acima. Ele produziu considerações preliminares, literatura acadêmica e material empírico de estudo de caso para subsidiar sobre os possíveis caminhos para a implementação de RRI na indústria. Parte do material produzido poderia ser interessante para executivos, mas uma visão pragmática e utilitária da RRI que às vezes está em desacordo com a visão da RRI apresentada aqui é o discurso dominante. Veja, no entanto, os quatro estudos de caso de aplicação ( http://www.responsible-industry.eu/activities/bu-casestudies-results) para exemplos de como RRI pode de fato funcionar em diferentes dimensões conceituais / pragmáticas: desde o desenvolvimento de produtos que inclui clientes nos estágios iniciais de desenvolvimento de produtos, até o planejamento de projetos de infraestrutura com perspectivas do cidadão como um elemento organizacional.

muitas sobreposições, mesmo que também compartilhem diferenças significativas.

22 Os autores argumentam que, embora a RRI seja uma abordagem regulatória top-down, a CSR funciona como uma auto-regulação de bottom-up por enfrentar restrições externas, como leis e regulamentos internacionais. Nessa sobreposição potencial, Gurzawska et al. apresentaram um conjunto de incentivos para a indústria que poderia ser atraído para a RRI. Assim, o estudo admite que seja orientado por princípios de gestão neoclássicos baseados na maximização dos lucros pelas empresas e na maximização da utilidade dos clientes.

A ideia então é que se RRI pode levar a aumentos no lucro, por exemplo, melhorando a reputação de uma empresa entre seus clientes, então RRI será um incentivo para a mudança. Por mais interessante que esta ideia possa ser e, de fato útil como pode ser para aumentar o interesse em RRI mesmo além da indústria, ela levanta a questão do que acontecerá quando e se a RRI, ou certos aspectos dela, não maximizarem, mas sim reduzirem os lucros. Essa seleção utilitária é, em última análise, incompatível com um aspecto fundamental e normativo da RRI: que as organizações têm a obrigação de responder às necessidades da sociedade. O uso cuidadoso deve ser feito, embora possa ser legitimamente feito, de usar um discurso RRI-como-certificação.

No estudo de caso brasileiro, por exemplo, a direção da UNICAMP estava ciente de que seguir os princípios da RRI melhoraria sua imagem como uma universidade de classe mundial que cumpre as boas práticas internacionais, mas era importante vincular isso à ideia de que, em última análise, não era a reputação que foi o principal motivador, mas os benefícios que a comunidade universitária e o público em geral ganhariam com a mudança organizacional. Gurzawska et al. também apontam para duas pressões externas para mudança: legislação e pressão do cliente. No primeiro, RRI reconhece a importância de tais instrumentos para aumentar a responsabilidade. Os autores também relatam, no entanto, que muitas das organizações analisadas em seu estudo consideraram a aplicação das diretrizes de RRI como ultrapassando o alcance dos marcos legais, e isso foi uma fonte de dificuldade. A pressão do cliente vem do "consumismo crítico" e do aspecto positivo da certificação descrito acima. Na verdade, as partes interessadas e a pressão pública são fatores considerados pela RRI como impulsionadores da mudança, mas isso também entra em tensão com a atitude utilitária de ver os clientes (que, no final, geram lucro) como os principais benfeitores da mudança organizacional. Mais em sintonia com a ideia de RRI como uma avaliação pura ou ferramenta de organização, Flipse et al.23 criaram instrumentos para orientar RRI como um meio "para identificar o que deve ser feito

22 Gurzawska, A., Mäkinen, M. and Brey, P., 2017. Implementation of Responsible Research and Innovation (RRI) practices in industry: Providing the right incentives. Sustainability, 9(10), p.1759.

23 Flipse, S.M., Van Dam, K.H., Stragier, J., Oude Vrielink, T.J.C. and Van der Sanden, M.C., 2015. Operationalizing responsible research & innovation in industry through decision support in innovation practice. Journal on chain and network science, 15(2), pp.135-146.

para realizar um projeto da melhor forma e ética possível." Outros estudos,24 que mais uma vez têm mais nuances sobre a dimensão ética e social da RRI do que as visões puramente pragmáticas, enfatizam que a adoção de enquadramentos de responsabilidade em spinoffs acadêmicos em estágio inicial e podem direcionar especificamente e influenciar positivamente a capacitação da indústria em estágio inicial, tanto na melhoria de status, quanto em responsabilidade social e ética. Como em ‘traduzir’ a RRI para contextos nacionais não europeus, conforme sugerido pelos resultados do RRI-P, a pesquisa sugere25 que uma tradução semelhante (e não simplesmente uma 'adaptação' pragmática) da RRI para a indústria, é necessária para que se torne relevante para locais de aplicação não tradicionais da indústria, mas sem perder de vista os aspectos sociais/éticos que estão no cerne das RRIs.

24 Scholten, V.E. and van der Duin, P.A., 2015. Responsible innovation among academic spin-offs: How responsible practices help developing absorptive capacity. Journal on chain and network science, 15(2), pp.165-179.

25 van de Poel, I., Asveld, L., Flipse, S., Klaassen, P., Kwee, Z., Maia, M., Mantovani, E., Nathan, C., Porcari, A. and Yaghmaei, E., 2020. Learning to do responsible innovation in industry: six lessons. Journal of Responsible Innovation, pp. 1-11.

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