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4 DE ALAGADO À ILHA DE PRIMEIRO MUNDO

4.3 Síntese do capítulo

O presente capítulo caracterizou o perímetro da operação, nos seus aspectos sociais, políticos, fundiários, assim como a sua relação com a dinâmica imobiliária do entorno, que concentra esforços públicos e privados no sentido de tornar o Recife atrativo paranegócios e investimentos privados. Em suma, caracterizou como a área passou de “alagado” à “âncora” de um novo centro que surge na cidade do Recife” (nas palavras do então prefeito proponente da operação), a uma pretensa “ilha de primeiro mundo” em pleno Recife.

56 Disponível em <http://www.tjpe.jus.br/noticias_ascomSY/ver_noticia.asp?id=5843> 57 Disponível em:

<http://www.recife.pe.gov.br/2010/04/13/prefeito_apresenta_projeto_de_lei_para_viabilizar_polo_jur idico_na_ilha_joana_bezerra_171404.php>

A caracterização do perímetro da OUC-JB permitiu evidenciar que a área denominada como Coque / Joana Bezerra vem sendo objeto de conflito de interesses que antecede o recorte temporal deste trabalho. O primeiro dos conflitos, talvez mais explícito, resume-se entre o interesse no valor de uso e valor de troca do terreno público, em questão. Ao passo que detém essencial valor de uso para população majoritariamente de baixa renda residente na ZEIS Coque e Vila Brasil – evidente no histórico de luta e resistência da comunidade – esta área pública, localizada à margem d’água na zona central da cidade do Recife, vem sendo cobiçada para implantação de empreendimentos privados que honrem o seu potencial para atração de investimentos e negócios. Este tipo de conflito entre o valor de uso e valor de troca é notável, por exemplo, quando da tentativa de implantação de um shopping center na Ilha Joana Bezerra, logo após a declaração da área como ZEIS – tentativa, essa, impedida pela forte mobilização da comunidade e, talvez, pelos custos políticos de tal ação.

No entanto, outras propostas e intervenções para a área não se resumem em um conflito entre interesse mercadológicos (valor de troca) e sociais (valor de uso), mas sim em um conflito entre interesse social (valor de uso local) e um interesse público, mais abrangente, talvez, até, mais abstrato (valor de uso para “toda a cidade”, por vezes para todo o Estado). O segundo tipo de conflitos faz-se evidente, por exemplo, na proposta de um Centro Administrativo do Estado de Pernambuco, apresentada em 1980, um ano após à cessão da área ao Município (cessão justificada nas precárias condições de vida de população de baixa renda, que demandavam providências urgentes do poder público para implantação de infraestruturas e serviços básicos). O projeto do Centro Administrativo não seguiu adiante, a área foi demarcada como ZEIS em 1983. Permanece, todavia, a intenção de ocupar a área Coque / Joana Bezerra para fins institucionais na escala estadual, conforme evidenciam o concurso e a a construção do Novo Fórum do Recife (1997-99) e, posteriormente, a OUC-JB em foco. Nesse intervalo entre a cessão e a operação, algumas intervenções, até de menor apelo “público” que um centro administrativo, têm se justificado e concretizado na área. A título de exemplo, pode-se listar as obras no sistema viário, tais como o alargamento do viaduto Capitão Temudo – esse, por sua vez, facilmente associado a interesses imobiliários e aos benefícios que teria trazido para o recém-inaugurado Shopping RioMar.

Identificam-se, também, conflitos de natureza jurídica e política referente ao domínio útil deste terreno acrescido de marinha, a respeito do que se manifestaram a SPU/PE, a Prefeitura e o Governo do Estado. A tensão se faz evidente da seguinte maneira: 1) a SPU/PE defendeu a extinção do aforamento do terreno ao Município e a possíveis terceiros por motivo

de abandono, o que justificaria que o domínio útil do terreno retornasse à União, e a partir do que a SPU/PE procederia no sentido de regularização fundiária, beneficiando a comunidade da ZEIS Coque; 2) a Prefeitura solicitou à SPU/PE um novo contrato de cessão justificado na intenção de instalar prédios públicos destinados a abrigar órgãos que detivessem funções essenciais à justiça, ao passo que já havia assinado os termos de anuência para cessão de terreno a órgãos como o Ministério Público de Pernambuco (MP-PE) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sem o consulta prévia da SPU/PE, quando o contrato de cessão vigente explicitamente proíbe a sub-cessão e exige o prévio assentimento da cedente; e 3) o Governo do Estado que, para implantação do projeto do sistema viário e ampliação do Terminal Integrado de passageiros em Joana Bezerra, previu a desapropriação de terrenos dentro da área da cessão federal, dentro da ZEIS Coque, sobre os quais a SPU já havia se posicionado a favor da extinção do aforamento por razão de abandono.

Cabe salientar que todas estas pressões e tensões incidem sobre a ZEIS Coque que, apesar de demarcada e legalmente protegida há mais de três décadas, trata-se de área com demandas sociais acumuladas. De acordo com o Atlas de Desenvolvimento Humano do Recife (2005), apresenta o pior Índice de Desenvolvimento Humano do Recife; precisamente, a única/última área com tais características no centro da cidade.

Para além do perímetro da OUC-JB, deve-se considerar a dinâmica imobiliária do entorno. Trata-se de um processo de transformação em curso e proposto que concentra grandes investimentos públicos e privados, no sentido de produção do Recife-mercadoria. Esse processo de transformação foi espacializado a partir da identificação tanto de projetos pontuais e como de grandes projetos urbanos, executados ou planejados. Os projetos pontuais discutidos foram compreendidos como vetores de valorização da área que, mesmo quando aparentemente desconexos, fazem parte de um projeto mais amplo de cidade, não necessariamente publicado para a sociedade. Os grandes projetos urbanos, em sua maioria não implementados, explicitamente, reconhecem e visam desenvolver o potencial desta área para negócios e investimentos, tais como o Projeto do Complexo Cultural Recife-Olinda e o Projeto Novo Recife no Cais José Estelita. Dessa forma, a área centro-sul da cidade foi caracterizada como uma “ilha de primeiro mundo” que se pretende construir em pleno Recife; como o fragmento de cidade que se pode projetar para marketing externo via imagem-síntese e e vender como “mercadoria” em um cenário de competição entre cidades por investimentos privados.

O capítulo tratou, ainda, de desvelar a relação entre essa pretensa “ilha de primeiro mundo” e a OUC-JB. De fato, a operação em foco não se trata de “mais um” projeto nesse

processo de transformação em curso e proposto para a área; nas palavras do então-prefeito João da Costa, que propôs a operação e corroborou com alguns dos projetos estratégicos mapeados acima, a OUC-JB trata-se de “uma âncora de um novo centro que está surgindo na cidade do Recife”.

É, portanto, com atenção aos esforços para construção desse novo centro urbano para o Recife – um fragmento de cidade que reúne os investimentos públicos e privados no sentido de construção de uma “ilha de primeiro mundo” para atrair negócios e investimentos – que o próximo Capítulo irá analisar o Plano da OUC-JB.

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A OUC-JB ENTRE O DIREITO À CIDADE E UM