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Foi na Grécia antiga que ocorreu a revolução da palavra escrita. A intro- dução das letras na escrita, por volta de 700 a.C., “deveria alterar a natureza da cultura humana, criando um abismo entre todas as sociedades alfabéticas e suas precursoras. Os gregos não inventaram um alfabeto: eles inventaram a cultura letrada do pensamento moderno”. (HAVELOCK, 1994, p. 46) A revolu- ção ocorre não apenas através da palavra escrita, mas, também, dos debates e reuniões realizados na periferia de Atenas, onde “[...] se reuniam [...] para debater questões filosóficas”. (MEADOWS, 1999, p. 3) São atribuídas, aos gre- gos, as atividades embrionárias da comunicação da informação científica. As obras de Aristóteles, por exemplo, “[...]em geral precariamente conservadas em manuscritos copiados repetidas vezes [...]” (MEADOWS, 1999, p. 3) tive- ram grande repercussão, tanto na cultura árabe quanto na Europa Ocidental. As ideias contidas nesses manuscritos contribuíram para reascender o saber entre os séculos XIV e XVI, época conhecida como Renascimento.

Coube às universidades, desde que surgiram, a função inicial de trans- missão do conhecimento e não a sua descoberta. A tarefa dos professores era expor as posições das autoridades reconhecidas, a exemplo de Aristóteles, Hi- pócrates, Tomás de Aquino, dentre outros. (BURKE, 2003) Estavam voltadas para a formação humanística, as disciplinas estudadas eram fixas e compu- nham as sete artes liberais divididas em dois blocos: trivium, que desenvol- via um conteúdo mais elementar e tratava da linguagem – Gramática, Lógica e Retórica; quadrivium, um estágio de conhecimento mais avançado voltado para os números – Aritmética, Geometria, Astronomia e Música. Concluídos esses blocos, o aluno seguia para um dos três cursos de pós-graduação então existentes: Teologia, Medicina e Direito. (ROSA, 2005)

Para Le Goff (2003, p. 16), os cursos universitários contribuíram para que o leitor medieval evoluísse da leitura em voz alta para a leitura visual, si- lenciosa. “Construiu-se uma antropologia dos intelectuais medievais.” O livro universitário relaciona-se a um contexto técnico, social e econômico totalmen- te novo. “É a expressão de uma outra civilização.” (2003, p. 114) A revolução na técnica do livro, que ocorre no século XIII, é resultante do trabalho desen- volvido na “oficina universitária”. Tal contribuição será decisiva para a tradi- ção da editoração universitária, que tem nas editoras de Cambridge e Oxford, nascidas na Idade Média, exemplos de atuação até os dias de hoje.

O desenvolvimento das universidades ocorreu ancorado na Igreja e em decorrência do Renascimento intelectual iniciado no século XI em torno da Teologia e da Filosofia. Os estudantes migravam por toda a Europa em busca de uma escola com a abordagem que lhes interessasse e eram acolhidos em colégios que funcionavam como albergues. Antes de surgirem os modernos Estados europeus, as universidades, nesse período, se caracterizavam pela ansiedade de aprender, a vontade de ensinar e o espírito de universalidade no cultivo e na transmissão do saber. Por várias centenas de anos foi possí- vel aos estudiosos abraçar todas as disciplinas acadêmicas. A ideia de uma universitas litterarum, ou seja, de uma instituição que abrangia todo o saber, ganhara corpo e precisava se firmar a litterae significando “conhecimento”, “[...] quando a palavra litterae passou a designar as disciplinas humanísticas, a expressão universitas litterarum et scientiarum começou a ser utilizada para indicar, explicitamente, a inclusão das ciências.” (JAHIATT, 2005)

Essa síntese do saber, nos séculos seguintes, permaneceu inalterada, deixando de representar as transformações pelas quais passava a cultura hu- mana. A necessidade de uma mentalidade nova, inclinada a validar os conhe- cimentos produzidos pela ciência, não encontrou amparo na cultura religiosa. Desse modo, a universidade medieval não participou da gestação do Renas- cimento. A maioria dedicava-se apenas ao ensino, relegando a investigação a segundo plano. Os jovens começaram então a buscar outros espaços de con- vivência intelectual: as academias. Na Itália, França, Inglaterra e Alemanha, elas começaram a ser criadas no século XVII. (JAHIATT, 2005)

Se em sua origem a universidade esteve dedicada, principalmente, à transmissão da cultura de sua época, isto é, à reprodução de um sistema completo e integrado de ideias, com a crise da Idade Média, essa síntese foi perdendo força, enquanto a sociedade pedia profissionais e cientistas. A noção da universitas scientiarum, isto é, de uma universidade detentora, produtora e transmissora do saber científico, só aparecerá com o Estado nacional ab- solutista, quando são fundadas as primeiras universidades leigas, estatais. (MOROSINI, 2005) O desprestígio da universidade tradicional provocou a ex- tensão do modelo napoleônico, caracterizado por escolas isoladas de cunho profissionalizante, com dissociação entre ensino e pesquisa, a outros países da Europa. A partir do século XVIII, também por influência do Iluminismo, todo o sistema universitário medieval seria desacreditado.

Com o passar do tempo, os currículos foram modificados, assumindo diferentes configurações em cada universidade. Houve um equilíbrio entre o trivium e o quadrivium, surgindo um sistema alternativo – studia humanitates – que compreendia cinco temas: Gramática, Retórica, Poesia, História e Ética. Outras disciplinas vão surgindo e permanecendo nas universidades, como a Geografia, a História ligada ao Direito, a “Filosofia Natural”, que ganha inde- pendência.

Foi neste contexto das universidades na Idade Média e nas socieda- des científicas no século XVII, que surgiram os fenômenos que influenciaram a consolidação de uma sociedade leitora e a institucionalização da ciência, questão referenciada por Le Coadic (2004). Esses fenômenos se caracterizam pelo aparecimento dos primeiros periódicos científicos, dos “colégios invisí- veis”, uma multiplicação mais rápida da informação e ampliação no número de leitores. Segundo este autor, no princípio, os cientistas atuavam isolada- mente, sem apoio institucional e de forma amadora. Mais tarde, ocorreram as primeiras iniciativas de trabalho coletivo a partir da criação das universidades e das academias que foram decisivas para o surgimento da ciência organiza- da, possibilitando sua estruturação para a criação de programas de desenvol- vimento e formação para a pesquisa. (LE COADIC, 2004)

Não é possível deixar de referenciar nesta passagem o historiador fran- cês Pierre Chaunu (1985), um dos expoentes do estudo da cultura na “Europa das Luzes”, que ele situa no período de 1680 a 1780. Segundo o autor,

O barroco, recordemo-lo, abrange Renascimento e Classicismo e trans- borda abundantemente para o século XVIII. [...] A civilização científica do século XX [...] apóia-se ainda na aventura daqueles quinhentos espíritos que de 1620 a 1650, souberam alicerçar numa estrutura original rumos duas vezes milenários e pôr em movimento como dizem nossos físicos, uma ‘massa crítica de revolução’ na ordem das idéias.

O surgimento das sociedades científicas foi determinante para o im- pulso da disseminação da pesquisa, uma vez que reuniam especialistas de uma mesma área do conhecimento ou das ciências para expor os resultados de suas pesquisas, confrontá-los com outros colegas e difundir seus traba- lhos através de uma publicação especializada. As três mais antigas sociedades científicas são a Academia de Lincei (1603), a Academia francesa (1635) e a Royal Society de Londres (1660). (MEADOWS, 1999) O trabalho do pesquisa- dor ultrapassa a fase do trabalho solitário – a comunicação é feita através de

cartas e dependente dos correios reais para chegar aos seus destinos – como acontecia no início do século XVII.

Até metade do século XVII, as cartas foram o canal mais utilizado para a comunicação dos resultados de pesquisa. Cientistas como Bacon, Copérnico, Galileu e Kepler se utilizaram desse meio de comunicação para estabelecer a troca de informações. (FIGUEIREDO, 1979) As correspondências circulavam nos denominados “colégios invisíveis”, expressão criada por Bacon, “[...] para designar os grupos de cientistas que trocavam correspondência entre si”. (FI- GUEIREDO, 1979, p. 119)

Ao lado da revolução dos registros e da disseminação da informação, desencadeada pela invenção da imprensa e da amplitude da difusão de ideias por ela proporcionada – a exemplo da publicação da obra que fundou a as- tronomia moderna, no ano de 1543, De revoutionibus orbium coelestium (Das revoluções dos corpos celestes), de Copérnico –, consolidaram-se as univer- sidades europeias, surgidas ao longo da Idade Média. Para Meadows (1999, p. viii), é “[…] no ambiente universitário que todos os ramos do conhecimento avançam juntos […].”, fator importante na própria evolução da ciência e dos seus métodos.

A invenção da imprensa fomentou ainda o aparecimento dos grupos científicos fora do ambiente acadêmico, formando as primeiras sociedades científicas, dentre elas a Royal Society de Londres (1622), a Academia dei Lin- cei (1600-1630) em Roma, a Academia del Cimento (1651-1657) em Florença, nascendo a necessidade de comunicação e difusão das ideias e contribuições da nova ciência. Surgem as cartas que se consolidaram como um sistema de comunicação denominado “República das Letras”. (BOMFÁ, 2003)

Os primórdios da comunicação científica formal têm como marco as reuniões de pesquisadores – colégios invisíveis – promovidas regularmente a partir dos anos 1640, sob os auspícios da Royal Society de Londres, com o intuito de divulgar experiências, apresentar artigos e anunciar resultados de pesquisa. (SCHAUDER, 1994; MEADOWS, 1999) A troca de informação que tinha lugar nestes encontros era complementada por trocas de correspondên- cia, com o intuito de possibilitar àqueles que não tinham tido a oportunidade de participar presencialmente das reuniões, também se envolvessem no de- bate. Com o aumento do número de cartas trocadas, surgiu o periódico cien- tífico como um meio eficaz de difundir informação, em escala mais ampla. Os

primeiros periódicos científicos (ou journals) – o Journal des Sçavans (Paris), editado por Dennis de Sallo, e as Philosophical Transactions of the Royal So- ciety of London, tendo como primeiro responsável Henry Oldenburg – ambos iniciados em 1665, foram publicados por sociedades científicas. Ao Journal des Sçavans se atribui a primazia do “periódico moderno na área de huma- nidades”, em função do seu caráter polissêmico com relação à temática que publicava (MEADOWS, 1999, p. 7), enquanto no Philosophical Transactions prevaleciam duas temáticas, uma de natureza política e outra religiosa e dava- -se ênfase a estudos experimentais.

Inicialmente, os periódicos científicos consistiam na compilação das cartas trocadas entre pesquisadores, constituindo também o arquivo dos re- sultados e das observações feitas no decurso das experiências realizadas. Na- turalmente, esse tipo de publicação estava associado à função de registro da “propriedade” da descoberta científica e de apresentação de informação na forma de um arquivo indexado. (SCHAUDER, 1994) Significou, também, agilidade na comunicação dos resultados de pesquisa, formalizando o proces- so de comunicação, quer enquanto modelo de registro da propriedade inte- lectual, quer enquanto modelo de preservação do conhecimento. (MUELLER, 2000b) Vários autores consideram que o periódico científico tem como função constituir uma memória da ciência e um meio de divulgação de resultados de pesquisas para a comunidade de pesquisadores e acadêmicos, bem como para a sociedade como um todo. (ZIMAN, 1979; TARGINO, 1998; 2000; FERREIRA; MODESTO; WEITZEL, 2003)

No Brasil, somente no início do século XIX, com a chegada da Família Real, vieram os primeiros equipamentos de impressão. Em 1808, foi criada a Imprensa Régia por ordem de D. João. Desse modo, não só o atraso da instalação da imprensa como também da educação formal e em particular da implantação do ensino superior no País, foram fatores que influenciaram para que os primeiros periódicos brasileiros datassem também desse século. A Gazeta Médica do Rio de Janeiro, publicada em 1862, e a Gazeta Médica da Bahia, de 1866, foram as primeiras revistas científicas publicadas no Brasil. Contudo, foi somente em 1917 que o País teve sua primeira revista com pu- blicação regular, a Revista da Sociedade Brasileira de Ciências. (GONÇALVES; RAMOS; CASTRO, 2006, p. 168)

Na rede de associações, o periódico tem um importante papel, pois é um dos principais atores da rede que, no desenvolvimento do sistema de co- municação científica, ocupou o centro de cálculo, uma vez que a publicação de trabalhos científicos nesse veículo concede visibilidade e contribui para o prestígio dos autores; os benefícios daí decorrentes traduzem-se na promoção na respectiva carreira e/ou na obtenção de financiamentos para dar continui- dade à atividade de pesquisa.

Com relação às revistas científicas, Kuramoto (2008, p. 863) observa que: “desempenham, desde o seu aparecimento, papel primordial na consti- tuição de uma ciência oficial, validada, identificada, verdadeiro capital cien- tífico de referência, sobre a qual se apóiam as pesquisas subseqüentes”. As revistas têm sido, na atualidade, objeto de classificação, desse modo “revistas prestigiosas coexistem com revistas de menor ranking”, complementa este au- tor. A questão da classificação está relacionada ao processo de avaliação, tan- to dos programas de pós-graduação, quanto dos currículos dos proponentes a programas de financiamento de pesquisa com base na produção científica dos pesquisadores. No Brasil, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) exercem este papel. Estes órgãos são atores de destaque na rede de associações, tendo em vista que ao mesmo tempo avaliam e finan- ciam a pesquisa nacional e a edição de periódicos.