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Sófocles cresceu e formou-se numa grande época de Atenas, mas essa

grandeza era diferente da época dos Persas. Não foi a aflição nem a preservação

através dos deuses que a produziu, mas idéias de poder. Quando Sófocles nasceu –

idade adulta da cidadela de Atenas – no governo de Péricles, a democracia

alcançava formas que pareciam duradouramente válidas. Novas aspirações

intelectuais tentavam configurar a imagem do mundo sem a presença dos deuses que

lá haviam tomado parte nas lutas. O espírito de Maratona transforma-se em lenda.

Na história de Atenas, Sófocles (G. Sophoklés) (496-406 a. C.) pertence à

geração do apogeu, conheceu o império ateniense, viu ser construída Acrópole121 e

assistiu aos dissabores da guerra do Peloponeso. De acordo com os historiadores,122

Sófocles é o único dos três grandes trágicos que não quis deixar Atenas, mantendo-se

fiel, até ao fim, à época grandiosa em que tinha sido formado.

Nascido de uma família privilegiada econômica e socialmente, recebeu uma

educação de acordo com essa circunstância. Foi coroado em concursos gímnicos,123

foram-lhe confiados papéis de músico, participou com sucesso na vida política,

chegando a ser estratego124 por duas vezes. Foi chamado para fazer parte dos

________ 121

(G. Akrôpolis = cidade alta), a cidadela das cidades gregas, situada numa elevação. A Acrópole de Atenas é descrita como um platô rochoso a cerca de 60 m de altitude e com cerca de 275 m de comprimento por cerca de 137,50m de largura. Era rodeada por muralhas em cujo interior ficavam os edifícios, e foi destruída pelos persas em 480 a. C.; as muralhas foram reconstruídas por Temístocles e Címon (Cf. HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica – grega e latina. Trad. Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 17).

122

Conforme estudos de WINNINGTON-INGRAM, R. P., Sóphocles, an interpretation, Cambridge, 1980, p. 256.

123

Festival das Gymnopaidia, celebrado em julho, no qual havia exibições de ginástica e danças por meninos e homens, e cantavam-se hinos festivos em honra de heróis espartanos e também de deuses (Cf. HARVEY, P. Op. cit., p. 232).

124

(G. Strategôs), na Grécia, significa um comandante militar (Cf. HARVEY, P. Dicionário Oxford de

literatura clássica – grega e latina. Trad. Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p.

conselheiros especiais nomeados depois do desastre de Sicília,125 quando tinha

oitenta e três anos, desempenhando também funções religiosas. Escreveu

aproximadamente 123 peças e obteve vitórias com dezoito tetralogias. Do conjunto de

suas tragédias conservam-se apenas sete: Antígona (442); Édipo Rei (por volta de

420); Electra (425); Ájax (c. 450); As Traquinas (entre 420 e 410); Filoctetes (409);

Édipo em Colono (representado postumamente, em 401). De muitas outras peças se conhecem apenas os títulos ou alguns fragmentos. Sófocles apresentou grandes

preocupações com questões teóricas relativas à sua criação literária. Introduzido

vários aperfeiçoamentos na técnica teatral, Sófocles elevou o número de coreutas de

doze para quinze, deu maior importância ao cenário e ao guarda-roupa e, sobretudo,

introduziu o terceiro ator. Substituiu a trilogia encadeada pela trilogia livre, em que

cada peça constitui um todo, dando maior importância ao diálogo, em detrimento do

lirismo.

Com uma intensa carreira literária foi coroado pela primeira vez em 468,

quando ainda não tinha trinta anos, recebendo mais prêmios que os outros poetas

trágicos, sendo ainda, aos oitenta e sete anos, coroado pela apresentação de

Filoctetes (409).

Sófocles, em suas tragédias, coloca o homem no centro de tudo, carregando-o

de deveres opostos e envolvendo-o em discussões sobre comportamentos. Acredita

na importância do homem e na sua grandeza. Por conseguinte, chega a criar imagens

________ 125

Em 415, Atenas empreendeu a grande Expedição à Sicília, planejada para conter o poderio crescente de Siracusa, para proporcionar uma base de operações na Sicília e para assegurar o controle completo do mar. A expedição terminou em 413 com o aniquilamento da frota e do exército atenienses e com a exaustão das finanças da cidade. Atenas construiu uma nova frota e a guerra continuou por mais oito anos. Entretanto, o fim da guerra chegou com a derrota ateniense em Aigos Potamoi em 405 e Atenas viu-se obrigada a aceitar as condições de Esparta, tornado-se virtualmente um aliado-súdito da vencedora. (Cf. HARVEY P. Op. cit., p. 255).

de heróis que em nada seriam capazes de vergar, mesmo que sejam renegados por

aqueles que os rodeiam, mesmo que os deuses pareçam troçar deles.

O alcance dos atos humanos já não é, como em Ésquilo, ampliado pela

evocação das conseqüências que os ultrapassam, doravante resulta da atenção dada

aos seus motivos e aos seus impulsos. O trágico de Sófocles está, portanto, acima de

qualquer função do ideal humano a que os seus heróis obedecem.

A tragédia de Sófocles se comporta de maneira diferente da tragédia de

Ésquilo em relação ao tema da culpa. Em Ésquilo, o público aprende a entender o

sentido do destino ordenado por Zeus, que exige a expiação da culpa e leva o homem

através da dor ao discernimento, mas que também conhece a graça. Sófocles, em

contrapartida, não procura por trás do acontecer mesmo o seu sentido último. Tudo o

que acontece é divino; Zeus está neste mundo com todos os outros deuses, mas o

sentido de seu atuar não se revela ao homem. Não lhe cabe esquadrinhar os mistérios

do governo dos deuses, nem se rebelar contra a terrível severidade com que, por vezes

ele se faz sentir sobre o homem. Aos deuses agrada, diz Atena, o homem de são juízo

que saiba resignar-se.

Sófocles mostra em suas obras uma vida prenhe de grandeza e perigo. A

orgulhosa incondicionalidade da vontade humana e os poderes que, à sua

indomabilidade, lhe preparam a perda. Descreve em sua obra os mais terríveis

tormentos, colocando em cena as mais trágicas figuras.

Observa-se na obra de Sófocles a irreconciliável oposição e a presença da

ironia trágica (canto alegre do coro antes das catástrofes), apresentando a relação

entre os deuses e o poder, antítese sofocliana entre a vontade humana e as

Sófocles está na solidão em que devem ser planejados e executados todos os

grandes atos dos heróis em suas tragédias.

Sófocles vê o homem numa irremediável oposição com os poderes que regem

o mundo, que, também para ele, são divinos. O homem trágico é visto e representado

como um todo em si fechado. As personagens em Sófocles expressam algo de

validade universal, desenvolvem-se a partir das raízes da existência humana. Não são

determinadas por traços típicos, reprodutíveis à vontade, mas sim pelos grandes traços

fundamentais de seu ser, sendo precisamente essa sua determinação essencial.

O encontro do público com as personagens da tragédia antiga representa uma

grande experiência que se reatualiza, na medida em que o herói, por meio do mito,

restitui ao povo o seu senso da unidade total do sofrimento. Conforme Gerd A.

Bornheim isso é efetuado com mais eficácia pelo uso da máscara, tanto no teatro

antigo, como no teatro moderno, já que as personagens das grandes tragédias são

“máscaras de um eu inteiramente humano”.126 No teatro de Sófocles, o herói é a

própria causa de seu destino, que em luta sincera assegura o verdadeiro conflito

fazendo surgir problemas éticos. Pode-se observar a personagem Antígona cujos

traços marcam todas as posições sociais e imaginárias, refletindo-se nela os

caracteres da civilização humana.