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POR FIM, A SÓS COM A NOVELA DONA BEIJA

DONA BEIJA: personagem real de televisão

POR FIM, A SÓS COM A NOVELA DONA BEIJA

Descrição da telenovela

Nosso propósito é examinar a telenovela Dona Beija, baseando-nos, para tanto, na exposição precedente. A telenovela foi exibida pela Rede Manchete nos seguintes períodos: de 07 de abril a 11 de julho de 1986, no horário das 21h30, contendo 89 capítulos; em reprises: de 09 de Maio a 20 de Agosto de 1988, em 89 capítulos, e de 05 de outubro de 1992 a 11 de março de 1993, com 102 capítulos.

Ficha técnica

A telenovela foi redigida por Wilson Aguiar Filho, com a colaboração de Carlos Heitor Cony, a partir de adaptação dos romances Dona Beija – a feiticeira de Araxá, de Thomas Leonardos e A Vida em Flor de Dona Bêja, de Agripa Vasconcelos. Foi dirigida por Herval Rossano e David Grimberg, com direção geral de Herval Rossano.

Wilson Aguiar Filho teve vida breve. Nasceu no Rio de Janeiro (1952-1992), formou- se em jornalismo, foi repórter e escreveu histórias em quadrinhos para a Rio Gráfica Editora. Teve sua primeira experiência na Televisão em 1978, portanto com 26 anos, juntamente com Luiz Fernando Veríssimo e Juarez Machado, no seriado Kika e Xuxu, estrelado por Clarice Piovesan e Stênio Garcia.

Aguiar Filho foi autor das telenovelas a seguir: Memórias de Amor (1979), Marina (1980), O Amor é Nosso (parcial-1981), Os Imigrantes (parcial-1982), Os Imigrantes Terceira Geração (em co-autoria com Renata Pallottini – 1982), Maçã do Amor (1983), Marquesa de Santos (1984), Dona Beija (1986), Olho por Olho (1988) e Kananga do Japão (1989). A telenovela Dona Beija foi o seu maior sucesso.

Já Herval Rossano nasceu em Campos – RJ (1929 ou 1935), foi ator de teatro e de cinema e foi o diretor brasileiro de televisão com maior número de telenovelas vendidas para o exterior, isso justamente devido ao sucesso de suas telenovelas de época. Comentando as alterações na televisão brasileira, Rossano diz:

Se você me perguntasse o que mais mudou na televisão brasileira ao longo dos meus anos de carreira, eu diria que foi o conteúdo dos programas. Depois de tantos anos de censura nos deslumbramos com a liberdade e “abrimos” demais. Dizem até que fui o responsável por isto, quando fiz a novela “Dona Beija”, na TV Manchete. Eu não concordo porque a fiz com muita ingenuidade, expondo o nu com uma certa inocência. Depois acabou ficando meio “sacana” mesmo. E isso é muito perigoso porque a televisão é um veículo invasor da casa das pessoas. E nem todo mundo pode ou quer assistir a determinadas coisas. Sou a favor da ética, respeito o próximo e exijo que me respeitem... (Rossano, 2007)

A propósito dessa mesma opinião, Herval Rossano reafirma em outra oportunidade: “Com a abertura, acabamos extrapolando. Eu, por exemplo, fui o primeiro a colocar a Maitê Proença nua em “Dona Beija”. Falta agora encontrar o equilíbrio” (Rossano, 2007).

Na Rede Globo, Herval Rossano dirigiu novelas de época como Escrava Isaura, Cabocla, a Sucessora, Maria Maria e a Moreninha. Na Rede Manchete dirigiu a telenovela de época Dona Beija; na TV Record dirigiu a nova versão de Escrava Isaura; Paixões Proibidas na Rede Bandeirantes e Cristal no SBT.

Iniciamos a ficha técnica com o autor, Wilson Aguiar Filho, e o diretor geral, Herval Rossano. Gostaríamos, no entanto, de mencionar o nome de todos os que compuseram a equipe de produção de Dona Beija, para que o grande espaço ocupado por seus nomes e funções nos dessem a dimensão do processo de criação de uma telenovela, mesmo que tal processo tenha no diretor-geral a sua figura central.

Por não termos esse registro, o qual seria suficiente para nossas pretensões, e por não ser nossa intenção reproduzirmos os complicados organogramas que, tal qual os de uma grande empresa, tem a função de demonstrar a composição de uma linha de produção, optamos por apenas mencionar alguns desses cargos-funções: diretor de produção, gerente de produção, coordenador de produção, assistente de produção, auxiliar de produção, continuísta, diretor, assistente de direção, produtor de elenco, diretor de imagem, diretor de fotografia, operador de câmera, editor, sonoplasta, produtor musical, produtor de arte, contra-regra de cena, figurinista, camareiro, costureira, maquiador, cabeleireiro, cenógrafo, cenotécnico, maquinista, eletricista, aderecista e pintor de arte, supervisor de engenharia, operador de vídeo/VT, operador de áudio, iluminador, entre outros. (Alencar, 2004)

Afinal de contas, o panorama desses cargos-funções ilustra bem a questão de autoria, sempre levantada quando se trata das telenovelas, e igualmente presente na adaptação da história de Beja para a televisão (uma produção em equipe) a partir dos romances históricos de Vasconcelos e de Leonardos (produções individuais). Embora designemos como autor Wilson Aguiar Filho, escritor do roteiro de Dona Beija, forma corrente na ficção seriada televisiva, não o fazemos de forma a relegar a participação “daquele que ‘ilustra’ as palavras com imagens em movimento”, o diretor, no caso Herval Rossano. (Nogueira, 2002, p. 30)

É justamente a integração entre o autor e o diretor que permite discussões e alterações, as quais equilibram as intenções e a liberdade criativa, sendo tanto um como outro responsáveis por uma das fases de produção da telenovela, produto que terá seu resultado final sucesso ou fracasso – atrelado ao possível retorno comercial.

Caso consideremos o sucesso obtido pela Rede Manchete com a exibição de Dona Beija, “a novela que a essa altura perturbou a liderança da Rede Globo, e quase vende tanto para o exterior como A Escrava Isaura” (Rossano, 2007), podemos afirmar que autor e diretor realizaram um trabalho equilibrado que, supomos, permitiu ao autor atuar além do texto, acompanhando, juntamente com a direção, outras áreas da produção da novela.

Elenco

Maitê Proença, Gracindo Júnior, Carlos Alberto, Bia Seidl, Marcelo Picchi, Abrahão Farc, Maria Fernanda, Mayara Magri, Edwin Luise, Sérgio Britto, Sérgio Mamberti, Arlete Salles, Lafayete Galvão, Marilu Bueno, Virgínia Campos, Jonas Mello, Maria Isabel de Lizandra, Jayme Periard, Fernando Eiras, Ary Coslov, Castro Gonzaga, Monah Delacy, Breno Bonin, Mário Cardoso, Renato Borghi, Isaac Bardavid, Angelito Mello, João Signorelli, Guilherme Karan, Elisa Fernandes, Roberto Orosco, Nina de Pádua, Jucélia Telles, Antônio Pitanga, Léa Garcia, Haroldo de Oliveira, Ivan de Almeida, Josias de Amon, Edson Silva, Renato Neves, Cláudia Freire, Ana Ramalho, Sandra Simon, Shulamity Yaari, Ademilton José, Ângela Rebello, Bia Sion, Jacqueline Laurence, Cleonir dos Santos, Edson Guimarães, Guilherme Corrêa, Leonardo José, Sílvia Buarque, Aldo César, Míriam Pires, Jorge Cherques, Xuxa Lopes, Tarcisio Filho, Odete Barros, Patrícia Bueno, Miguel Rosemberg, Hélio Ribeiro, Felipe Wagner, Arnaldo Weiss, Gisele Fróes, Jofre Soares, Ângela Leal, Camilo Bevilacqua, Hardoldo Botta, Cristiane Lavigne, Mariah da Penha, Kadu Karneiro, Juliana Prado, Zeny Pereira, Dill Costa, Sidney Marques, Cristovan Netto, Cláudio Doliane, Moacir Prinna, Marcus Vinícius, Dirceu Rebello, Ileana Saska, Jair Delamare, Marcelo Vecchi, Mário Gusmão, Sheila Matos, Henrique Nunes.

Resumo

O resumo da história é solicitado ao autor, ou autores, muitos meses antes da exibição da telenovela. Conhecido por “sinopse” (resumo da telenovela), deve apresentar os personagens, os conflitos principais, os cenários, as possíveis locações e, é claro, a trama vista pelo ponto de vista do autor, que deverá ressaltar os pontos, para ele, principais, com a clara intenção de despertar o interesse da emissora da qual dependerá a realização da novela.

Técnico, em função de seus objetivos, o texto da sinopse nem sempre é produzido pelo autor. Gilberto Braga falou de forma categórica sobre tal processo: “Faço a sinopse em grupo. Inclusive, eu odeio fazer sinopse, é um trabalho penoso, porque é muito técnico, não entra emoção” (Nogueira, 2002, p. 84).

No caso de Dona Beija, a sinopse foi escrita por Carlos Heitor Cony, sendo ele também o responsável pelo convite feito a Aguiar Filho para levar adiante o propósito de escrever o roteiro.

Da sinopse de Cony não encontramos rastros. Procurado, não nos pôde auxiliar. Passado algum tempo da nossa solicitação, fomos comunicados de que notas, sinopse, ou qualquer vestígio de Beja não foram encontrados nos arquivos do escritor.

Diante de tal fato resta-nos, passados vinte anos da produção e exibição da telenovela Dona Beija, concordar com o que nos diz uma pesquisadora-professora sobre o que pensam os realizadores (produtores, autores, atores, enfim, a multidão de colaboradores que cercam o fazer telenovelístico): “os realizadores se admiram de que uma acadêmica bisbilhoteira queira conservar roteiros de produções que ‘já foram ao ar’ quase como a brincadeira infantil ‘já foi ao ar perdeu o lugar’” (Balogh, 2002, p. 18).

Resta-nos também exibir aos nossos leitores um resumo da história televisual de nossa personagem, extraído de outras fontes, a fim de comprovar como a história da telenovela Dona Beija foi e é transfigurada em sua versão virtual, isso, por sua vez, acompanhando o gosto de seus aficcionados:

A trajetória corajosa de Ana Jacinta de São José, a Dona Beija (Maitê Proença), na cidade mineira de São Domingos do Araxá, no século XIX. Amando Antônio Sampaio (Gracindo Júnior), homem de família conservadora e tradicional, Beija é vítima do desejo de Mota (Carlos Alberto), o ouvidor do rei em visita a Araxá. Depois de presenciar a morte de seu avô, Beija é raptada e levada à Vila de Paracatu, onde o ouvidor mora num belo casarão. Para vingar-se de seu algoz, enquanto ele está fora de casa, Beija serve aos homens que a desejam, em troca de jóias e ouro. Chamado pelo imperador a instalar-se na Corte, Mota deixa Beija, que a essa altura já juntara uma grande fortuna. Ela parte de volta a Araxá, para reencontrar sua antiga paixão, Antônio.

Mas Antônio já não espera mais por Beija. Desiludido e não compreendendo as atitudes de sua amada, ele casa-se com a doce Aninha (Bia Seidl), moça frágil e delicada que sempre o amou. Com a recusa de Antônio, Beija promete não amar a nenhum outro homem, e funda a Chácara do Jatobá, um refinado bordel onde ela se transforma num mito como cortesã, escandalizando todas as famílias conservadoras de Araxá. Na verdade, seu intuito maior era ferir Antônio.

A chácara prospera, Beija torna-se poderosa, envolve-se com João Carneiro (Marcelo Picchi), mas não consegue se desligar de Antônio, o homem de sua vida. Uma noite, movido pela embriaguez, Antônio invadiu a Chácara do Jatobá e Beija terminou por escolhê-lo, dormiu com ele, engravidou e deu luz a uma menina. Contudo, Antônio jamais abandonou a sua esposa, Aninha. Há muito tempo, o pai de Antônio, revoltado com o caso amoroso entre o seu filho e Dona Beija, adoecera e, antes de morrer, pediu-lhe para que casasse com Aninha. A vontade do pai seria realizada, mas Aninha era infeliz, pois sabia que Antônio preferia Beija. Após a morte do pai, a mãe de Antônio cultivara um ódio profundo por Beija, pois sabia que esta era a causa dos desregramentos do filho. Antônio, não podendo aceitar o sucesso de Beija junto aos outros homens, desencoraja-se e abandona o trabalho na fazenda da família. A mãe de Antônio, um dia, deu um veneno a um dos escravos de Beija, para que este a matasse. Mas, querendo ter Beija nos braços, o escravo mudou de idéia e lhe contou a verdade. Beija o aceitou na cama e ele salvou a sua vida. Em seguida, foi Beija quem ordenou para que matassem Antônio, mesmo ainda amando. Ela, por causa disso, foi à

justiça, mas seria libertada com a ajuda dos seus fiéis amigos. Por fim, Beija decidiu partir de Araxá com a filha e, assim nasceu uma lenda.69

Cenas-situação

Não encontramos vestígios do roteiro de Aguiar Filho.

O roteiro ou, melhor dizendo, o seu desaparecimento, ocupou-nos um tempo precioso do prazo determinado para o doutorado.

Em qualquer estágio de nossa pesquisa, a impossibilidade de encontrar o roteiro parecia invalidar nossas melhores intenções. É claro que havia a possibilidade de decupar o material gravado, esse sim, já parte de nosso acervo e permanentemente consultado. Embora reduzido, restaria esta alternativa. A qualquer tempo, a necessidade se impunha e pesquisávamos mais arquivos, buscávamos pessoas que poderiam nos apresentar outras que, eventualmente, pudessem ter estado envolvidas com a produção da novela, outras mais que nela atuaram, indo dos famosos aos anônimos, isso, no entanto, sem resultado.

A pesquisa continuou. Vários caminhos foram apontados em seu desenrolar fazendo de Beja o elo entre nossas intenções e as determinações impostas pelos desvios, digamos históricos, tornando-se ela mesma o núcleo da ação desenvolvida em nossa história-pesquisa.

Aqui chegamos e, para nossa surpresa, a necessidade de encontrar o roteiro havia desaparecido num momento impreciso e vago do qual não nos demos conta. Por certo, fora substituída pela determinação tomada (após nos dedicarmos às imagens da telenovela Dona Beija) de estabelecer uma concepção estético–cultural decorrente da atualização feita de nossa personagem a partir da adaptação de sua história para a televisão.

Para tanto, buscamos na narrativa criativa de Totinha a forma como nessa ela singularizou sua personagem, valendo-se, para tanto, de situações que lhe pareceram decisivas para explicar suas atitudes, as quais, reunidas em blocos, nos deram um quadro das aproximações e variações significativas entre memória e história. Segundo Totinha, tivemos: Ana Jacintha; Beja e o Ouvidor; Beja e São Domingos de Araxá e Beja e a Bagagem, divisão essa resultante dos fatos selecionados por ela para compor a sua interpretação da vida de Beja. Por sua vez, as cenas que recortamos da telenovela para compor o quadro motivador de nosso estudo (o qual se ocupará das especificidades da teledramaturgia no tratamento de um drama de época, em situações que nos permitam acompanhar parte da construção de Dona Beija) foram agrupadas nos seguintes blocos: Anos de Formação; Anos de Ouro; e Peregrinação à Bagagem.

69 http://www.teledramaturgia.com.

A partir deste quadro motivador de nosso estudo, construído, no entanto, sem o tratamento técnico próprio dos roteiros das telenovelas (limitamo-nos ao visual, dispensando anotações técnicas e diálogos, mas deles guardando os traços necessários para nossos propósitos), vejamos Beja na televisão.

ANOS DE FORMAÇÃO (cenas-situação: 01 a 53)