• Nenhum resultado encontrado

Envolvida em muitos projetos, de repente, tudo foi ruindo sem que eu tivesse a consciência do que realmente acontecia. Desde 1997 ligada a um projeto entre a Unicamp e rede de ensino público que tinha como um dos principais objetivos levar aos alunos das escolas públicas uma metodologia de pesquisa científica, através da interdisciplinaridade, fui dispensada sem, até hoje, saber as razões. Única coisa que foi dita na época é que meus objetivos não se coadunavam mais com os dos meus colegas de trabalho ou com os objetivos daquela instituição. Não me foi respondido quais os objetivos deles e quais julgavam serem os meus. Poderia ter continuado a coordenar o projeto na escola municipal “André Toselo”, o qual era o momento para a pesquisa que se tornaria essa dissertação. Contudo, também as professoras que participavam comigo do projeto acabaram saindo. Envolvida em um outro projeto, o de confecção de livros didáticos para alunos do ensino fundamental de 5a a 8a. séries, viveria também outra grande surpresa. Já praticamente contratada pela editora, só não assinei o contrato porque havia uma cláusula a ser ainda debatida, com parte do material escrito, recebo o seguinte comunicado – o material é

adequado à faixa etária, é criativo, inovador. Fora dos padrões do mercado consumidor.

Ora, em um dia escuto que minha participação no projeto era de singular importância e poucos dias depois, exatamente dois, sou solicitada a deixá-lo com agradecimentos pelos serviços prestados, porém, dos quais não mais necessitavam. No outro sou contratada, o material elogiado e dispensado. Sobre o material didático acho que o assunto acaba perpassando toda a dissertação, posto sua importância no aprendizado e na disciplinarização do próprio professor.

Tentei entrar em contato com outros grupos para dar continuidade à pesquisa de dissertação. Queriam que eu apenas lesse os relatórios e ouvisse os resultados, sempre parciais e bons ou como foi possível contornar as dificuldades impostas pelo sistema escolar para chegar aos resultados positivos. Quando questionava o que não havia dado certo diante do proposto, a indisposição de professoras era evidente. Afinal, porque falar do que não é possível mudar? E voltávamos ao vetor zero. O que é o vetor zero?

Vetor é um segmento de reta orientado, é um condutor. Quando um vetor é do gênero zero? Quando é um vetor isótropo, ou seja, que apresenta as mesmas propriedades

físicas em todas as direções. Só se transformam segundo leis bem determinadas quando se anula todo o sistema. Portanto, se não podemos mudar o sistema escolar, se somos condutores, porém, do gênero zero, ou seja, apenas orientados para uma norma, para que dele falar?

Mas, alguns professores não se aquietam. Não são isótropos, são isômeros. Embora apresentem as mesmas substâncias, tenham os mesmos átomos na molécula, apresentam diferentes disposições espaciais e diferentes ligações com as coisas. Apresentam energia diferente, ou seja, são também professores, mas, estando em lugares diferentes nesse território escolar, estão em níveis de excitação diferentes dos outros. E, por isso, professores como dona Vera têm tanta importância na formação de seus alunos, mesmo que não tenha a mesma importância para todos. Também, esses projetos para a escola pública têm relevante importância, professores isômeros, mesmo que os critiquem, estão sempre preocupados com o seu fazer educacional. As criticas são apenas momentos de nos afastarmos do objeto, para depois, no retorno, fazermos melhor. E as perguntas, os problemas, são o momento de nós situarmos em relação a nós mesmos, como pessoas e profissionais e em relação ao mundo.

E, após chegarmos à conclusão que algumas questões eram da ordem do vetor zero, voltávamos à metodologia da pesquisa científica com a reprodução dos métodos acadêmicos para alunos das escolas públicas visando, no futuro, sua entrada na Universidade. Estes, tornaram-se métodos pedagógicos de eficiência e, nas apresentações, todos os grupos tinham que recitar a mesma receita:

Qual o objeto de pesquisa?

Quais as hipóteses levantadas pelos alunos a partir do cotidiano observado?

Qual a metodologia de pesquisa – estudos de meio, bibliografia, conteúdos de cada disciplina que foram trabalhados?

Parece perfeito. E os resultados, repetidos à exaustão que eram sempre parciais uma vez que não existe verdade em ciência. Ora, por não haver verdade em ciência não são também imparciais, uma vez que garantiam o apoio financeiro da Fapesp. Somente os resultados positivos e métodos pedagógicos para resolver os problemas e entraves aos resultados esperados eram apresentados. Como o projeto foi readequado em busca da

eficiência pedagógica, leia-se, em busca dos objetivos traduzidos em metodologia da pesquisa científica, havia sempre destaque para alguns alunos. E a pergunta nunca respondida – como avaliar o aprendizado da leitura? Ela então se traduz nesses passos da pesquisa tão exaustivamente recitados? E como resolver a contradição, posto que o projeto apresenta como objetivo primeiro levar o aluno à construção do conhecimento, aprender a aprender de modo eficiente que ele possa sozinho, de forma autônoma buscar os conhecimentos necessários para a liberdade criativa e observação crítica do mundo que o cerca.

Quando fui mandada embora do projeto, questionava se não estávamos apenas reproduzindo metodologias de pesquisa acadêmicas que, aliás, não estou utilizando nesse trabalho, e portanto, tirando a possibilidade de liberdade e criatividade dos alunos.

Enquanto o discurso era a interdisciplinaridade, a transversalidade, o que eu via, deixo claro que nem todos, eram projetos voltados para um assistencialismo para resolver problemas circunscritos em um determinado lugar da escola e seu bairro. O aluno que jogava papel no chão e passou a jogá-lo no lixo. O aluno indisciplinado que passara a fazer parte do projeto mudando sua atitude para com a escola. E o conhecimento formal que o levaria a poder competir por uma vaga nas Universidades públicas, a Unicamp tantas vezes visitada pelos alunos e prometida e a formação de leitores? Durante anos, os professores quando falavam de suas dificuldades nas relações entre as pessoas e grupos da escola, e delegacias, greves, horários etc, etc. ao fim chegava-se sempre a mesma conclusão: isto que não podemos mudar é “vetor zero” . Portanto, vamos ao que é possível fazer.

E retornamos a esse voluntarismo professoral de fazer independente das condições que são impostas. Usavam do próprio dinheiro para levar o conhecimento aos seus pupilos. Demos nossos finais de semana ao projeto. Nossas férias. Aquela sensação que quem não faz é porque não quer, não tem compromisso com a Educação. Os professores que questionam a Instituição e os papéis de cada um, são os “antipáticos” que estragam o prazer de educar. São aqueles que não querem trabalhar e ficam se justificando atrás de coisas que não podemos mudar, portanto, “vetor zero”.

E a conclusão final dos relatórios enviados à Fapesp destaca que se o relacionamento entre os professores é bom, se há empatia entre as pessoas do projeto, então

ele terá bons resultados. É preciso cuidar das relações pessoais para garantir a eficácia da metodologia da pesquisa científica e da interdisciplinaridade, O sacerdócio e a interpessoalidade passam a ser o mais importante na busca da aprendizagem. E todos os heróis salvacionistas estavam a postos e sumiram depois que acabou o incentivo financeiro da Fapesp. E não há aqui nenhuma crítica, ao contrário, não penso que professores devam trabalhar sem e nem por pouca remuneração. Apenas aludo ao fato porque alguns diziam que independente dessa remuneração, o projeto era tão importante para a prática deles, que nunca o abandonariam.

Voltemos às perguntas. E como saber da aprendizagem? Ela está na mudança de postura de alguns alunos. Ela está na aprendizagem do relatório dos alunos que deve seguir a forma acadêmica de apresentação.

A autonomia do aluno se dá quando na falta de professor que o ensine ele consegue suprir essa falha das políticas públicas educacionais, sozinho – é um autodidata. E eu chego à irônica conclusão de que, quando o professor falta, é bom porque nós conseguimos uma metodologia de aprendizagem tão eficiente que não é a irresponsabilidade do professor ou as falhas do sistema de educação pública que vão acabar com os nossos sonhos de uma escola melhor para os menos favorecidos.

Esse é apenas um olhar sobre um projeto. Na verdade são questões as quais me coloco todos os dias, uma vez que continuo trabalhando com projetos temáticos com alunos e professores. Tenho, eu mesma, outros olhares sobre o que realizamos no Projeto Ciência

na Escola. Acho de fundamental importância todas as pesquisas feitas nas escolas e

também as de pós-graduação que delas brotaram. São outras perspectivas. Talvez porque tenham partido de outras expectativas. E isso é, sem dúvida, enriquecedor. O projeto

Ciência na Escola, como tantos outras parcerias entre as universidades e escolas públicas,

tem levado professores a trocarem experiências e, principalmente, porque os trabalhos são realizados em grupo, todos nós nos sentimos mais confortáveis para ousarmos nas experiências e para brigarmos por novos espaços, onde possamos, como professores, estarmos debatendo sobre o papel da escola e nossa participação nesse mundo escolar. O fato de estarmos sempre em contato com novas literaturas pedagógicas já nos transforma, transformando nossa prática diária.