Saber Sensível e Saber Instrumental: localização no Plano Fatorial

“Ah, minha dor é no meu quarto chegar

olhar para os lados não ter ninguém para abraçar

é não ouvir meu filho venha, já está pronto seu jantar.” Poema de estudante, extraído de um dos portfólios.

No intuito de demonstrar de forma mais matemática a diferença dos mundos léxicos e, por conseguinte dos sentidos estabelecidos às classes acima detalhadas, traçamos com a ajuda do software a localização de cada classe num plano fatorial conforme mostra o gráfico a seguir:

Gráfico 7: Representação pontual das classes da CHD em plano cartesiano

Destaca-se a localização a partir da representação pontual de cada classe no plano fatorial. No plano das abscissas (horizontal), percebe-se as classes 2 e 5, localizadas respectivamente nos quadrantes A e B, estão no plano positivo, estando as demais classes no plano negativo. Importante observar que essas são justamente as classes que menos se intercomunicam, apresentando mundos léxicos bem divergentes. No entanto, ambas têm em comum estarem no plano positivo das abscissas. São classes que, mesmo tão diferentes quanto aos saberes abordados (sensível e instrumental) possuem alta carga reflexiva em seus discursos, como demonstram os seguintes exemplos:

“A dor não é da carne, é do coração, da alma, é um problema de família que não se resolve, é um filho que está longe, é um pai, uma mãe que partiu, é a vida

Quadrante A Reflexão + Instrumental - Reflexão – Instrumental – Quadrante C Quadrante B Reflexão + Instrumental + Reflexão – Instrumental + Quadrante D

mostrando a sua faceta de sofrimento.” Sujeito 39, ST típico da Classe 2 (“O Som ao Redor”).

“Sobre meu desempenho nas sessões tutoriais acredito que mantive uma boa qualidade nas tutorias de fechamento e me esforcei bastante para me inserir mais na discussão durante as aberturas do AVA, no entanto não consegui alcançar minhas expectativas e não obtive nenhuma melhora significativa.” Sujeito 59, ST típico da Classe 5 (“Saber e sabor das tutorias”).

Observa-se que o exercício meta-reflexivo preconizado para o portfólio está presente em ambos os trechos, ainda que com abordagens de interesse a temáticas bastante distintas (significados profundos da dor e reflexões sobre desempenho acadêmico nas tutorias).

É pertinente observar que das seis classes, apenas as classes 2 e 5 estão nos quadrantes superiores (A e B) a maior parte das classes e portanto o maior número de segmentos de texto encontram-se nos quadrantes inferiores, com menor carga reflexiva e portanto mais elementos semânticos descritivos, o que se distancia da proposta de meta-reflexão solicitada para os portfólios.

Com a visualização do eixo das ordenadas (vertical), ao se analisar os quadrantes positivos (B e D), percebe-se a presença das classes 5, 1 e 6. Embora essas classes estejam algo distantes, percebe-se aspectos em comum, qual seja, a forte presença da razão instrumental conforme demonstrado nos seguintes trechos típicos:

“Acredito que as expositivas e os laboratórios tiveram a maior parte da culpa nessa defasagem e não pelos conteúdos abordados nesses ambientes, já tivemos momentos excelentes, mas pela quantidade de aulas desmarcadas, remarcadas ou canceladas.” Sujeito 11, ST típico da classe 1 (“Caixa de Cheiros”)

“Também fiquei satisfeita com meu desempenho nas tutorias e AVA(...) tentei manter meu rendimento num nível razoável buscando inovações e fontes confiáveis para as informações que eu levo...” Sujeito 58, ST típico da classe 5 (“Saber e sabor das tutorias”)

“Vi como se classifica os tipos, a escala, e como realizar anamnese e exame físico da dor, o que foi bem produtivo, isso porque na primeira semana pude por em prática e vi como auxilia o raciocínio clínico.” Sujeito 29, ST típico da classe 6 (“Tateando a prática médica”)

A partir das palavras grifadas nesses trechos (defasagem, conteúdo, aulas, desempenho, rendimento, nível, informações, classifica, produtivo, prática, raciocínio) identifica-se, seja numa forma mais descritiva ou mais reflexiva, a presença significativa de elementos da razão instrumental. A maquinização de pessoas e processos, uma certa relação utilitária com o saber e a centralidade em conteúdos e informações aproximam as classes referidas de um lugar mais marcado pela razão calculante.

Por outro lado, quando se tem o foco nos quadrantes A e C (negativos para as ordenadas), verifica-se, apesar das diferenças, alguns elementos de aproximação. Os trechos a seguir ajudam a elucidar essa questão:

“Esse módulo me ensinou muito mais medicina no sentido de cuidar do paciente de múltiplas maneiras do que de forma teórica com aulas e teorias.” Sujeito 10, ST típico da classe 4 (“Novos jeitos de ver e de cuidar”)

“Como curar tamanhos problemas com consultas tão curtas e apressadas como aquelas feitas na policlínica ou até na USF, quando o médico sequer no olho do paciente olha. Prescrições e medicamentos podem sanar a dor momentânea.” Sujeito 39, ST típico da classe 3 (“Sexto sentido”)

“...é sempre muito especial parar e repensar tudo aquilo que somos e o que acontece em nossas vidas, pois realmente estamos em um constante enfrentamento de problemas e dores.”

Aponta-se nos trechos acima destacados a forte presença de elementos afetivos, éticos e existenciais, que extrapolam a reflexão meramente profissional indo ao encontro de uma formação ampliada, pessoal, existencial. Um saber não instrumental. O saber sensível, que está presente no Labsensi, mas extrapola os limites do Laboratório de Sensibilidades. E perpassa outros momentos e espaços pedagógicos, conforme será demonstrado a seguir.

E eis que novamente de forma um tanto paradoxal, a partir de localização e cálculo matemáticos demonstrou-se a não exclusividade do saber instrumental nos escritos dos portfólios analisados do curso de Medicina do NCV.

Portanto, a partir do exposto, pode-se afirmar que há saber sensível na formação médica desse referido curso. Afirma-se ainda que esse saber sensível tem mundo léxico próprio, formas, discursos, escopo e agora ficou demonstrado que também possui localização matemática em plano fatorial.

Na seção 7.1 ficou demonstrado estatisticamente que o mundo léxico do saber sensível (mais subjetivo, abstrato e afetivo) guarda relação de proximidade com os textos dos estudantes que fazem referência direta às atividades do Laboratório de Sensibilidades.

Finalmente, para o entendimento do significado do Laboratório de Sensibilidades para os estudantes e de como esse espaço pedagógico possibilita a inserção desse saber sensível, será apresentada a próxima seção.

7.13 Sensibilidade, substantivo feminino: discursos e sujeitos tipicamente