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SABERES ESCOLARES E SUAS INTER-RELAÇÕES

1 CAPÍTULO I – A CAPOEIRA EM QUESTÃO: BUSCAS, CONTEXTOS E

3.2 SABERES ESCOLARES E SUAS INTER-RELAÇÕES

Quando se problematiza algum conceito, algum contexto ou uma situação, a atenção não se contenta com os produtos finais ou os resultados, ela se volta para as origens e os princípios, para o processo como um todo. E é no processo pedagógico escolar em relação às formas do conhecimento escolar, a partir de categorias de A.R.C. Lopes (1999), que emergem caminhos possíveis dessas inter-relações de saberes da Capoeira e saberes da escola, a partir do que a pesquisadora entende por conhecimento escolar, ou seja, saber social e instância própria de conhecimento, constituído nas relações entre conhecimento científico, conhecimento erudito e conhecimento cotidiano (formado por saberes populares e o conhecimento/senso comum).

No sentido de combater a hierarquização e a homogeneização de alguns saberes em função de outros, A.R.C. Lopes (1999) defende que há diferentes saberes na sociedade e que os diferentes saberes sociais não são reflexos de uma mesma matriz epistêmica ou de uma mesma razão totalizante e totalitária. Por conseguinte, a escola, instituição partícipe da sociedade, também é lugar de manifestação dos diversos saberes sociais.

Nessa lógica, os saberes escolares são produtos sociais, ficando o papel de principal fonte de distribuição desigual de educação na sociedade para estrutura do currículo acadêmico (LOPES, A.R.C., 1999, p. 161). O fato é que há uma pluralidade de saberes em inter-relações na escola, saberes e disciplinas com correlação mútua, e com suas especificidades. A escola precisa ser reconhecida como lugar de diferentes saberes e culturas.

Conforme a pesquisadora, é exatamente contra o senso comum e a homogeneização epistemológica de saberes que se afirma o conhecimento científico, inclusive na escola, onde também ocorrem processos de construção do conhecimento científico. Tratar das inter- relações dos saberes escolares, no espaço escolar das escolas, é reconhecer também os potenciais significativos dos saberes do cotidiano, pois a escola é um dos canais institucionais da transmissão do conhecimento cotidiano, ou seja, do senso comum e dos saberes populares, com papel preponderante na constituição do conhecimento escolar como saber social.

Nesse contexto de inter-relações, deve-se manter os saberes cotidianos nos limites possíveis de sua atuação, sem universalizações, naturalizações e feticizações, problematizados nas ações cotidianas.

Diferentemente dos saberes científicos, eruditos e populares, o senso comum é um tipo de saber presente na escola e na sociedade que se apresenta na forma de um conhecimento cotidiano geral, uniforme e universal.

Os saberes populares, por sua vez, mobilizam-se na diversidade de saberes de um conhecimento cotidiano popular, específico para uma dada comunidade que deles depende para sobreviver. A valorização e o resgate dos saberes populares no espaço escolar precisam ser efetivados juntamente de uma crítica ao senso comum, o qual se apresenta em todas as áreas de conhecimento.

Historicamente, há uma dificuldade em dar voz e vez aos saberes da cultura popular nos currículos escolares devido a equívocos de interpretação do que seja senso comum e saber popular, acabando-se por ambos serem compreendidos equivocadamente, mesmo porque há um padrão de que a escola lida apenas com os saberes das ciências.

O equívoco dessa interpretação nos parece advir da indiferenciação de senso/conhecimento comum e saber popular. Ou seja, o senso comum é definido como forma de expressão do saber popular, maneira de conceber e interpretar o mundo pelas camadas populares (GOHN, 1992). Dessa forma, rejeitar o senso comum ou criticá-lo passa a ser encarado como menosprezo ao saber popular e a qualquer forma de saber não científico. (LOPES, A.R.C., 1993, p. 16).

O conhecimento científico/acadêmico/erudito é apenas um dos diferentes saberes sociais presentes no espaço escolar, o qual é tradicionalmente organizado/fragmentado em

disciplinas/matérias, transposto (o termo melhor deveria ser ‘mediado’) didaticamente na forma de um programa de estudo com temas e conteúdos, com base em saberes de referência (saberes acadêmico-científicos de origem).

Enquanto um saber produzido a partir das práticas sociais de grupos específicos, o saber popular possa ser considerado como um saber cotidiano do ponto de vista desse pequeno grupo, mas não é cotidiano do ponto de vista da sociedade como um todo, como ocorre com o senso comum. (Id., 1993, p. 18).

Buscando diferenciar saber popular de senso comum, “enquanto o senso comum aponta para a universalidade e para a uniformidade, o saber popular aponta para a especificidade e para a diversidade” (Id. Ibid., p. 18). É por essa diferenciação que Lopes chama a atenção que, “objetivando-se maior precisão, devemos nos referir aos saberes

populares, enfatizando seu caráter de multiplicidade” (Id. Ibid., p. 18), no plural, e não ao

‘saber popular’.

É preciso retificar, portanto, que há diferentes saberes circulando na escola, originados das experiências cotidianas e das tradições populares manifestadas daquele dado contexto particular local e regionais onde a escola está inserida.

Se considerarmos que os saberes circulam socialmente, fazem parte da cultura, e estão sempre se hibridizando a outros saberes, não parece muito possível discutir que um saber posse ser categorizado de forma fixa como escolar ou científico por alguma característica epistemológica definitiva. (LOPES, A.R.C.; MACEDO, 2011, p. 105)

Nesse sentido, “[...] a valorização do saber popular e do cotidiano na escola não pode perder de vista a necessidade de desconstrução do conhecimento comum, obstáculo à compreensão e ao desenvolvimento do conhecimento científico” (LOPES, A.R.C., 1993, p. 15).

O conhecimento científico é apenas um dos diferentes saberes sociais presentes no espaço escolar, quando que há outros saberes originados de experiências cotidianas e das tradições populares manifestadas naquele dado contexto particular local e/ou regional onde a escola está inserida.

Em suma, da mesma forma como os saberes científicos ensinados nas escolas são saberes selecionados, ou ainda “coleções organizadas por sistemas culturais diversos” (LOPES, A.R.C.; MACEDO, 2010, p. 47), também há uma escolha quando se trata de apontar os saberes populares e cotidianos que serão ensinados na escola. Por isso, ter pressa em fixar epistemologicamente uma definição de status científico ou popular para este ou aquele saber

social, no contexto do conhecimento escolar, significa incorrer em muitos erros e equívocos que devem ser evitados, considerando que “[...] o processo de hibridação ocorre com a quebra e a mistura [...]” (Id., 2010, p. 47) dessas coleções organizadas ou escolhidas cultural e tradicionalmente, seja por uma comunidade científica, uma comunidade de bairro ou uma comunidade escolar.

À comunidade científica cabe a construção do novo conhecimento, a busca pelo desconhecido, a retificação do já sabido. A comunidade escolar, ao contrário, trabalha com a aceitação prévia do conhecimento produzido em outras instâncias e tem por objetivo torná-lo ensinável, acessível ao nível de compreensão do estudante. Esse processo de tornar o conhecimento ensinável, entretanto, não se constitui apenas em um processo de transmissão. Exige, necessariamente, a (re) construção de saberes. (LOPES, A.R.C., 1999, p. 227-228)

Mais que transmitir o conhecimento ensinável, ou transpor saberes científicos de um lugar (academia – universidade) para outro (currículo escolar – escola), com outra linguagem, muitas vezes empobrecida pela forma de uma transposição didática, sem inter-relações com as linguagens dos outros saberes sociais circulantes na escola, para a (re)construção de saberes é preciso uma nova forma de ensinar preocupada em compreender por que os/as estudantes não aprendem, como eles/elas aprendem, ou como poderiam aprender melhor?!

Em outras palavras, é urgente uma relação de ensino-aprendizagem que busque a compreensão de como alunos e alunas compreendem os conceitos científicos e quais processos científicos utilizam para aprender; é por essas questões que A.R.C. Lopes apresenta o processo de mediação didática como um caminho para suplantar os obstáculos pedagógicos do conhecimento, cuidando para não vulgarizar o conhecimento científico, os saberes populares e o conhecimento cotidiano, a partir da construção de uma cultura científica, que precisa ser iniciada desde a formação básica dos estudantes e se aprofundar até e inclusive na formação superior dos profissionais da educação e das demais áreas (Id., 1999, p. 228-229).

Em sua reflexão sobre a legitimidade dos saberes, a professora Alice Casimiro Lopes chama a atenção para “(...) o problema do que consideramos ou não como saber, ponto crucial para a discussão sobre conhecimento escolar” (Id. Ibid., 1999, p.94) e currículo escolar.

Do mesmo modo, pergunta-se pelo que é considerado ou não saber na discussão sobre conhecimento de Capoeira, rico em experiências e vivências concretas. Esses elementos são relevantes para contribuir no sentido de que, além de lugar para investigar o mundo como objeto, a escola se torne ambiente e lugar de vivência, no qual o conhecimento escolar (terreno de embate de saberes), tenha seu estatuto próprio.

3.3 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC): DISCURSO CURRICULAR