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Saberes tradicionais: Análise integrada da comunidade pesqueira

5 DISCUSSÃO

5.2 Saberes tradicionais: Análise integrada da comunidade pesqueira

Segundo os pescadores e marisqueiras entrevistadas, os impactos antrópicos identificados ao longo da zona costeira do município de Piúma interferem na oferta e desenvolvimento dos serviços ambientais, impactando, sobretudo, nos trabalhadores que dependem desses recursos cotidianamente para a realização de suas atividades econômicas. De fato, verificou-se que as unidades geoecológicas identificadas necessitam do suporte governamental (Federal, Municipal e Estadual) e de instituições de pesquisa, ensino e extensão para possibilitar a conservação dos geoambientes explorados. Vale destacar o exemplo das tartarugas marinhas (Chelonia mydas) que são frequentemente encontradas mortas nas praias e ilhas em Piúma. Esse fato, no município, deve-se principalmente a quatro causas: (i) falta de informações científicas locais para subsidiar a conservação desses organismos e gestão dos ecossistemas em que ocorrem; (ii) pesca incidental de tartarugas nas regiões costeiras e sobretudo no entorno das ilhas do Gambá, do Meio e dos Cabritos; (iii) inexistência de fiscalização das atividades pesqueiras, turísticas, ou industriais que levam como consequência, à sua mortalidade e (iv) da notória poluição do canal fluvial, canal estuarino e praias com elevada concentração de resíduos sólidos, espalhados em diferentes ambientes costeiros do município.

Dessa forma são necessárias ações em educação ambiental para a divulgação das informações de forma clara e lúdica aos envolvidos e possibilitar a mudança de atitudes para a proteção dos organismos e das unidades geoecológicas utilizadas (MATEO; SILVA, 2013).

Em um recente estudo na região por meio de entrevistas e workshops foi levantada a quantidade de 318 pescadores residentes e cadastrados em Piúma, distribuídos em arrasto de praia (n=150); pescadores na linha ou Espinhel (n=8); na captura de lagosta (n=10) e utilizando redes de espera (emalhar) (n=150) (TEIXEIRA

et al., 2013). Contudo, outros trabalhos divulgaram a existência de 100, 500, 600 e

675 pescadores que residem no município de Piúma (PAIVA, 2012; SEAP, 2005; SEAG, 2005).

Segundo o presidente da colônia de pesca de Piúma Z-09 ainda existem pescadores de outras modalidades que não foram descritas nesses estudos, mas que estão em atividade pesqueira. Já que muitos pescadores abandonam a

atividade e não informam a colônia de pesca Z09. Algumas pessoas estão cadastradas na colônia de pesca, no entanto não estão desenvolvendo atividades pesqueiras. Esse problema é relatado por quase a metade dos pescadores entrevistados (45%). São oferecidas diferentes formas de defeso aos pescadores e marisqueiras. Quase todos os meses, existe algum recurso que está em seu período de reprodução e são proibidos de serem capturados ou comercializados em qualquer situação, de acordo com as Instruções Normativas dos IBAMA, MPA e MMA.

Por meio do diagnóstico produzido no município de Piúma, foi possível a realização de 156 entrevistas realizadas com pescadores (SEAP, 2005). Esse relatório contempla informações sobre o perfil social, pesqueiro, aspectos de saúde, associativismo e dos problemas e soluções relacionados à atividade pesqueira no município. De acordo com esse estudo 50, 3 % dos pescadores entrevistados apontaram os problemas de coluna como o mais relacionado a atividade pesqueira, seguido de dores de cabeça e pressão alta. A grande maioria possui carteira na marinha (88%). De acordo com esse estudo, cerca de 72 % dos pescadores e marisqueiras entrevistadas aprenderam a profissão com pais e ou avós. Sendo que a maioria trabalha na pesca há mais de 15 anos, desenvolvendo atividade principalmente através das linhas de mão (57 %). Rede (47%), espinhel (40,3%) e rede de balão (32,9%). Os dados apresentados por SEAP (2005) mostram semelhança com as informações obtidas na presente tese. Uma vez que também a comunidade pesqueira tenha mostrado possuir dor de coluna frequente.

A renda média informada pelos pescadores e marisqueiras no presente estudo se mostrou superior ao estipulado para os trabalhadores de Piúma em 2010 pelo Censo IBGE. Nesse levantamento a renda não ultrapassou R$ 500,00, enquanto dos pescadores foi quase o dobro para trabalhadores urbanos. Esse fato demonstra o poder econômico das atividades pesqueiras no município. De fato, o PIB extraído da atividade pesqueira supera outros ramos econômicos importantes no município.

A manutenção da pesca de pequena escala parece não depender exclusivamente de sua articulação com as formas capitalistas de produção e circulação de mercadorias. Mas também da intensidade de especulação do mercado imobiliário e urbano com o avanço da especulação sobre as praias usadas para

embarque e desembarque do pescado e a degradação ambiental. Se em alguns casos, o aumento da atividade turística pode reforçar a estrutura da pequena produção pesqueira, através do aumento da demanda, em outros casos pode exercer uma influência totalmente prejudicial. A manutenção ou não da pesca artesanal parece depender também de outras alternativas: da utilização da força do trabalho, da própria intensidade da perda dos ecossistemas relacionados, colocando-os indiretamente à disposição do capital nas cidades para manter os padrões estabelecidos por essa mesmo sistema capitalista que pressiona as comunidades tradicionais (DIEGUES, 1995, 1999).

A pesca em Piúma é uma atividade que antecede a colonização do litoral brasileiro pelos portugueses. Relatos históricos apontam que os índios que habitavam Piúma viviam da pesca de subsistência (BODART et al., 2014). A comunidade pesqueira tradicional hoje existente é resultante da miscigenação entre ingleses, franceses, italianos, libaneses, portugueses e índios, o que ocorreu a partir da segunda metade do século XIX (BODART et al., 2014).

Piúma teve no final do século XIX seu auge, destacando-se no Espírito Santo economicamente por meio de seu porto, utilizado para transporte de passageiro, madeira, areia monazítica, cal e café. Nesse período toda a sua economia centrava-se nesse porto e seus habitantes trabalhavam nele ou em atividades ligadas a ele. A pesca era realizada apenas para o consumo próprio. Com a decadência desse porto, no início do século XX, a colônia próspera deu lugar a um vilarejo em decadência, restando aos seus habitantes a atividade de subsistência, sobretudo a pesca e a maricultura (BODART et al., 2014).

Em razão da existência do porto, a povoação por muitos anos se limitou a sede do município e a inexistência de uma ponte que ligasse a sede a outra margem do rio Piúma dificultou o desenvolvimento de outras atividades após o declínio da economia portuária. Apenas em 1935, o povoado de Piúma passa a ser ligado por uma ponte à parte norte do continente, o que possibilitou, a partir daí, a comercialização do pescado com outros municípios (BODART et al., 2014).

Em Piúma, a profissão de fabricante e remendador de rede de pesca já está entrando em extinção. Poucos são os profissionais que ainda realizam essas atividades no município (BODART; SILVA, 2015). Para esses autores os principais motivos para esse declínio são: (1) redução no número de pescadores; (2) o

surgimento e desenvolvimento de redes de pesca produzidas por indústrias, vendidas a preços mais baixos, e (3) dificuldade de reposição de mão de obra, por conta das oportunidades de estudo e trabalho que os jovens estão optando por não prosseguir na atividade pesqueira. Outro elemento que distanciou os filhos de pescadores da pesca foi a mudança na legislação brasileira, que nos anos de 1980, passou a proibir que menos de 18 anos ingressassem no mercado de trabalho. (PAULICS, 2001).

A decadência da mão de obra no setor pesqueiro passou a ser preocupação dos órgãos públicos ainda na segunda metade dos anos de 1980. Como os filhos de pescadores não poderiam mais contar com o ensino transmitido em tenra idade por seus pais, em 1987 foi inaugurada a Escola de Pesca, cujo objetivo era preparar os filhos de pescadores sem, contudo, deixar de ofertar o Ensino Fundamental (PAULICS, 2001; PAULIC; LOTTA, 2003). A Escola de Pesca buscou, ainda, fomentar uma cooperativa de pescadores que acabou não se desenvolvendo e mantendo suas atividades. Segundo Paulics (2001), isso se deu pela falta de cultura de associativismo entre os pescadores. Anos depois a escola deixou de existir, sendo criado em seu lugar o Instituto Federal Tecnológico do Espírito Santo, ofertando os cursos técnicos em “Tecnologia do Pescado”, “Pesca” e “Aquicultura” e curso superior de “Engenharia de Pesca” (www.ifes.edu.br).