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4.4 O processo de Entrar, Ficar e Sair do Campo

4.4.3 Saindo do Campo: análise final e devolução dos dados

Analisar dados de natureza qualitativa requer que se chegue à identificação de temáticas e categorias emergentes. Nesse processo, é necessário que o pesquisador “saiba olhar os seus dados sem idéias pré-concebidas e se deixe impregnar por eles, e, indutivamente, os agrupe e interprete, depois de ter realizado várias leituras (sucessivas ou intercaladas) do material” (BIASOLI-ALVES, 1998, p. 149, grifo da autora).

A esse respeito, Bardin (1977, p. 96) refere-se ao recurso da “leitura flutuante”, caracterizando um estabelecimento de contato com o material colhido, “deixando-se invadir por impressões e orientações”. Trata-se de uma leitura intuitiva desse material, aberta a todas as idéias e reflexões que surgirem. O procedimento de categorização, para Bardin (1977, p. 119), “tem como primeiro objetivo fornecer, por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos”. De acordo com essa autora, “as categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos”, ou “a classificação de elementos constitutivos de um conjunto” (BARDIN, 1977, p. 117). Dito em outras palavras, trata-se de um estabelecimento de critérios para reunir ou separar os elementos em unidades, observando o que tais elementos apresentam em comum e o que os diferencia.

O processo de análise dos dados do presente estudo tomou por base o Método de Análise-Reflexão-Síntese de Patrício (1995; 1999a). Segundo essa autora, tal técnica de análise integra a leitura intuitiva com a leitura analítica dos dados, recorrendo à intuição reflexiva e criativa. Em suas palavras,

através desse movimento, busca-se identificar categorias e temas, mas tendo como base o olhar sintético e construtivo das teorizações que emergem, ou que se explicitam, que se fundamentam através da leitura de análise-reflexão-síntese da interligação de todos os dados (PATRÍCIO, 1999a, p. 73).

Analisar os dados, nessa perspectiva, significa estudá-los detidamente. O processo de análise, para Patrício (1995, p. 88), “é aquele que fragmenta o conteúdo dos dados, que disseca em pedacinhos, que vasculha seus detalhes”. Já o processo de síntese “é aquele que une, que integra num todo as diversas dimensões do conteúdo, do sujeito, com ou sem os recursos da categorização, inclusive com uso da intuição e auxílio de metáforas”.

Os dois momentos do processo – análise e síntese –, segundo o método de Patrício, não se desenvolvem de forma estanque. Antes, apresentam-se inter-relacionados e interdependentes, sendo mediados pela reflexão, por parte do pesquisador, sobre os dados diante de si, com vistas à sua compreensão. “Refletir é o ato de retomar, re-considerar os dados disponíveis, revisar, [...] examinar detidamente, [...] se colocar sem censuras aberto para o mundo, para as mensagens, para outras verdades, outros sentimentos, outros eventos” (PATRÍCIO, 1995, p. 88 et seq.).

A reflexão, nesse momento, produz o estabelecimento de relações entre os dados, buscando sínteses coincidentes e divergentes de idéias e a percepção de mensagens subliminares que muitas vezes as falas apresentam. Por isso, uma importante característica apontada por Triviños (1987) nessa fase da pesquisa é a flexibilidade, o que permite a passagem de uma informação a outra, em busca de elementos comuns.

A função mediadora da reflexão entre a análise e a síntese operacionalizou-se por meio do uso de questionamentos constantes relativos às informações obtidas e caracterizou-se por um movimento permanente de ir-e-vir nos dados, com o intuito de apreender seus conteúdos e suas significações, bem como de correlacioná-los aos objetivos desencadeadores da pesquisa. Essa mediação possibilitou também avaliar a necessidade de que os dados, ainda durante a sua fase de coleta, fossem complementados ou aperfeiçoados, uma vez que a análise orienta e realimenta o próprio processo de coleta. Quando se fez necessário, novos contatos foram estabelecidos com os participantes da pesquisa, pessoalmente, por telefone ou via e-mail, visando esclarecer aspectos relativos aos depoimentos prestados.

Em suma, esse procedimento de análise reforça a importância do contato permanente não apenas com os dados levantados, mas também com os propósitos da pesquisa e com a sua sustentação teórico-conceitual. A esse respeito, Bogdan e Biklen

(1994) assinalam que o processo de análise não se desenvolve exclusivamente a partir dos dados, mas também das perspectivas que o investigador possui, seus valores e as maneiras de dar sentido ao mundo, elementos suscitados pela reflexão e que se mesclam aos dados para originar as sínteses. Em sua concepção, “as diferentes perspectivas teóricas dos investigadores modelam a forma como abordam, consideram e dão sentido aos dados” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 231).

O itinerário pessoal adotado para o processo de análise final dos dados, à luz dos autores anteriormente citados, e que foram tomados como referência, incluiu leituras sucessivas de cada protocolo de entrevista, durante as quais foram sublinhados com diferentes cores os elementos importantes trazidos pelos sujeitos, à luz dos objetivos traçados para a pesquisa. Dada a liberdade proporcionada pelo instrumento e pela interação com o pesquisador, as informações nem sempre foram expressas de modo sistematizado pelos sujeitos, o que exigiu que se percorresse sucessivas vezes todo o protocolo, em busca dos dados que possibilitassem a compreensão das questões norteadoras apresentadas.

Posteriormente, esses elementos foram registrados num agrupamento simples, questão a questão, reunindo-se o que cada um dos sujeitos abordou, constituindo-se assim um primeiro momento de análise, focalizado na busca de identificar/extrair categorias. A seguir, esse agrupamento foi submetido a nova análise reflexiva, chegando-se então a categorias, por sua vez agrupadas em registro separado, o que permitiu apresentá-las, juntamente com falas significativas dos trabalhadores, conforme mostrado no Capítulo 5.

Esse processo de contato com os dados visando identificar categorias desenvolveu- se de modo bastante “artesanal”, pela maneira como essas informações foram sendo classificadas e pelos insights registrados.

Nesse momento, que se caracterizou por um contato profundo e diário da pesquisadora com os dados da pesquisa, o processo de análise-reflexão-síntese exigiu abertura constante às sínteses intuitivo-reflexivas formuladas pelo pensamento e que emergiam à consciência por meio de insights em ocasiões as mais diversas, não apenas quando do envolvimento direto com o material. O bloco de anotações tornou-se, então, instrumento valioso para que se pudessem registrar imediatamente as idéias surgidas, para, posteriormente, integrá-las ao processo de análise em curso.

O momento de análise final dos dados, especulativo no que se refere à elaboração de idéias, possibilitou, a partir da reflexão sobre as categorias e subcategorias extraídas, identificar temas emergentes, os quais subsidiaram a elaboração de sínteses que conduziram ao entendimento do fenômeno em estudo.

O momento de devolução, embora decorra das sínteses a que chegou o pesquisador, igualmente requer uma atitude analítica e reflexiva, uma vez que pode inclusive gerar novos dados de interesse da pesquisa, além de legitimar aqueles anteriormente obtidos.

Em observância às questões éticas que pautaram o desenvolvimento deste estudo, as quais preceituam que os dados sejam devolvidos aos participantes antes de sua publicação, a devolução dos resultados da pesquisa aos trabalhadores será concretizada através de convite para comparecerem ao momento de apresentação e defesa da tese, o que não exclui a possibilidade de encontros individuais para tal procedimento.

Da mesma forma como as tintas se oferecem a quem quer que as deseje, sem que isso os torne pintores; falta uma capacidade criadora, um poder de síntese e organização, uma imaginação que traz à existência coisas que não existiam, [...]. Também na ciência: os dados, sem a centelha que lhes dá arquitetura e os põe em movimento, são inertes, mortos, mudos... (Rubem Alves, 2000)

Neste capítulo, são apresentados os 16 psicólogos participantes da pesquisa, bem como o processo de construção da identidade profissional por eles relatado.

O quadro a seguir sintetiza o perfil desses profissionais, a partir dos dados obtidos na primeira parte da entrevista. Nesse quadro são relacionados os participantes pela ordem alfabética dos seus pseudônimos, reunindo-se informações individualizadas a respeito do tempo de formados, dos estudos realizados em complementaridade à formação acadêmica em Psicologia, das atividades profissionais que desenvolvem, do(s) local(is) onde essas atividades acontecem e, ainda, da carga horária semanal de trabalho.

PERFIL DOS TRABALHADORES PARTICIPANTES DA PESQUISA Informações ___________ Participantes* Tempo de Formado (em anos) Formação Complementar à Graduação Atividade(s) Profissional(is) Local(is) de Trabalho Carga de Trabalho (horas/sem.)

ADRIANA 18 3 Formações Psicologia Clínica Consultório em

clínica/Instit. pública

64

ANA 19 Formação/cursos aperfeiçoamento

Psicologia Clínica Instituição pública 35

BEATRIZ 05 Especialização inc.

Mestrado Psic. Organizac. e Escolar/Doc. 2º Grau Escolas da Rede Privada 40

CARLA 15 Especialização Psic.Clínica/Ministr.

cursos e palestras

Consultório part./ Escolas Rede Privada

45 CARLOS 07 2 Formações /Mestrado Psic. Clínica/ Docência superior Consult.em clínica/Univ. privada 40

CLARICE 10 Formação incomp. /Espec./Mestrado Psic. Organizacional e do Trabalho Instituição pública 35 CRISTINA 14 Formação/ Especialização Psic. Escolar e instituc./Psicologia Clínica Escola especial/Consultório em clínica 52

GUILHERME 16 Formação/ Espec./

Mestrado/Grupos de Estudos

Psic. Clínica ampl./ Docência superior/ Superv. Estágios Instituição pública/Universidade privada 38

LIA 21 2 Especializações Psic. Clínica/Superv. Estágios Instit. pública/Consult. particular 40 MARIA 19 2 Especializações/ Capacitação Psic. Trânsito/Psic. Organizac./Docência Superior Instit. pública/Empresa privada/Univ. privada 74 MARIANA 07 2 Especializações /Mestrado Psic. Clínica/ Docência Formação/ Superv. Clínica Consultório em clínica 30 MÁRIO 20 2 Formações/ Grupos de Estudos Psic. Hospitalar/ Psic. Clínica Hospital público/ Consult.particular 48 PAULA 08 Formação/Espec./ Aperfeiçoamento Psicologia Hospitalar Hospital público 30

ROSA 11 Formação/Mestrado Psic. Clínica/

Docência superior/ Superv. Estágios Consultório em clínica/Univ. privada 45 SARA 17 3 Formações/ Aperfeiçoamento Psic. Clínica e Organizacional/Trab. Voluntário Instituição pública/ Consultório particular/Comunidade 33 SORRISO 19 Especialização/ Mestrado inc. Docência superior/Superv. Estágios/Ministr. Cursos/Consultoria Universidade privada/Empresas privadas 31

* Como explicado no Capítulo do Método, os nomes aqui apresentados são fictícios, e foram escolhidos pelos sujeitos no momento de realização da entrevista.

Os dados reunidos mostram um tempo médio de 14 anos de formados, sendo que a maioria (nove sujeitos) está formada há mais de 15 anos. Mostram ainda que todos os participantes complementaram sua formação acadêmica prosseguindo nos estudos; embora

tenha predominado a busca por Cursos de Formação1, foram freqüentados também Cursos de Aperfeiçoamento, Capacitação, Especialização e Mestrado. Quanto às atividades profissionais, predomina a atuação em consultório, porém a maioria desenvolve duas ou mais frentes de trabalho, concomitantemente. Diversos são também os locais onde essas atividades são exercidas, como consultório particular, instituições públicas e outros. Apenas dois dos entrevistados são autônomos: os demais possuem vínculo empregatício, sendo a maior parte em órgãos públicos. No que se refere à carga horária semanal de trabalho, o número médio de horas destinadas às atividades profissionais é de aproximadamente 42 horas.

O processo de construção da identidade profissional será apresentado a seguir, nas suas diversas categorias encontradas: o significado de ser psicólogo, o processo de escolha pela Psicologia, as vivências profissionais da trajetória e o significado da trajetória na construção da identidade profissional.