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SALÁRIO MÍNIMO COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA MACROECONÔMICA

AS FINALIDADES DO SALÁRIO MÍNIMO: UMA REVISÃO TEÓRICA

1.3 SALÁRIO MÍNIMO COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA MACROECONÔMICA

Além das finalidades do salário mínimo abordadas nas seções anteriores, este instituto também pode servir como instrumento de política macroeconômica22. Assim, uma

vez atribuída ao salário mínimo uma determinada função nessa política, sua contribuição poderá ser compatível com a finalidade de proteger os trabalhadores mais vulneráveis em face da pobreza ou desvirtuada desse objetivo. No primeiro caso, identificamos as políticas que objetivam elevar o poder de compra do salário mínimo com vistas a fomentar o consumo e a demanda agregada, estimulando a economia como um todo. Já no segundo caso, se enquadram as medidas que visam a achatar o valor do salário mínimo visando a

22 Aqui não se trata propriamente de finalidades do salário mínimo, mas de uma função atribuída a ele com

66 combater a inflação, ou adquirir maior competitividade por meio da redução do custo da força de trabalho, ou reduzir a despesa pública mediante a depreciação de benefícios vinculados ao valor do “mínimo”, tudo isso em prejuízo da proteção aos trabalhadores diante de condições indignas de vida.

Quanto ao papel do salário mínimo de estimular o consumo e a economia de forma geral, identificamos em Pereira (2008) que a criação de um salário mínimo nacional já esteve presente no plano New Deal, implementado pelo presidente norte-americano Franklin Roosevelt, entre 1933-1940, nos esforços de combate à Grande Depressão. Assim, ao lado de várias medidas que visavam a estimular a economia e gerar empregos, como os programas emergenciais de obras públicas, figurou também a instituição do salário mínimo nacional naquele país.

No Brasil contemporâneo, Bielschowsky e Souza (2010) identificaram no processo de valorização do salário mínimo verificado na década de 2000 um importante instrumento para a dinamização de uma estratégia de desenvolvimento fundada na “produção e no consumo de massa”. Em linhas gerais, de acordo com tais autores, na referida estratégia, as políticas sociais, com destaque para a valorização do salário mínimo, contribuem para o aumento dos rendimentos das famílias de trabalhadores. Esse incremento da renda eleva a demanda interna, o que faria com que os empresários ampliassem os investimentos em bens de capital e inovação. Estes novos investimentos aumentariam a produtividade da economia, contribuindo para a elevação da renda dos trabalhadores, completando o ciclo de produção e consumo de massa. Dessa forma, de acordo com tal estratégia, a valorização do salário mínimo contribui para o maior dinamismo da economia.

Em períodos de arrefecimento do mercado interno, o salário mínimo também pode exercer o papel de instrumento de política macroeconômica anticíclica, quando visa a mitigar os efeitos econômicos recessivos mediante o incremento do consumo dos estratos mais pobres. Cabe lembrar que no Brasil não somente os trabalhadores em atividade são impactados pelo reajuste do salário mínimo, mas também beneficiários da previdência, da assistência social e do seguro-desemprego, o que amplifica o impacto do salário mínimo na economia.

Ademais, como esclarecem alguns autores, como Eyraud e Saget (2005), a valorização do salário mínimo não impacta apenas aqueles trabalhadores que recebem

67 exatamente este valor, mas também aqueles que têm no salário mínimo uma referência para os seus rendimentos. Assim, quando ocorre o reajuste do salário mínimo, elevam-se também as remunerações de trabalhadores que recebem valores distintos do salário mínimo, sobretudo, aqueles situados na base da pirâmide salarial. Isso se explica pelos efeitos “farol” e “numerário” do salário mínimo. Pelo efeito-farol, quando aumenta o salário mínimo, elevam-se também as remunerações nele referenciadas, inclusive as vigentes no setor informal. Por sua vez, o efeito-numerário ocorre quando nos contratos de trabalho, informalmente, estabelecem-se remunerações com base em valores múltiplos do salário mínimo, como por exemplo, 1,5 ou dois salários mínimos.23 Desse modo, o impacto do reajuste é estendido até determinado nível da estrutura salarial, não se restringindo àqueles que percebem exatamente um salário mínimo.

Assim, pelos motivos apontados, infere-se o expressivo papel que o salário mínimo pode desempenhar como mecanismo de estímulo econômico. E uma vez servindo como instrumento para essa finalidade, os trabalhadores mais vulneráveis também seriam beneficiados, haja vista que o melhor desempenho econômico seria resultado da expansão do consumo efetivada por esses trabalhadores. Contudo, é de bom alvitre relembrar: o valor fixado deve ter respaldo na capacidade da economia de financiá-lo, pois, do contrário, existe o risco do desemprego, especialmente, num contexto de globalização, com acirrada concorrência estrangeira.

O salário mínimo também pode servir a outras finalidades de política macroeconômica, como o combate à inflação dos preços. Neste caso, se por um lado, os trabalhadores mais vulneráveis podem se beneficiar da menor elevação do “custo de vida”, por outro, podem ser sobrecarregados, em comparação com outros grupos sociais, nos esforços de enfrentamento da escalada dos preços. Assim, combater a inflação mediante o achatamento do salário mínimo se afigura um desvirtuamento de sua finalidade de proteção aos trabalhadores em face de condições indignas de vida. Não obstante, pela ótica do “arrocho salarial”, o achatamento do salário mínimo pode deprimir a inflação por dois caminhos: i) ao reduzir o custo da força de trabalho, e daí contribuir para a diminuição dos preços finais dos produtos (“inflação de custo”); e ii) pelo arrefecimento do consumo, visando a combater a “inflação de demanda.

68 A política do salário mínimo também pode ter como finalidade elevar a competitividade do país, por meio do achatamento de seu próprio valor real e também dos demais salários que o têm como referência. Objetiva-se, assim, reduzir o custo da força de trabalho, e, por conseguinte, o preço dos bens e serviços ofertados no mercado. Caso tenha essa finalidade, considera-se, novamente, que o intuito de proteção aos trabalhadores mais vulneráveis tende a ser desvirtuado, haja vista que a elevação da competitividade se dá a expensas da redução do acesso a bens e serviços por parte desses trabalhadores. No entanto, essa questão torna-se mais complexa à medida que a concorrência no livre- mercado internacional se aguça, pois os produtores que não são competitivos podem ser excluídos desse mercado, o que poderia gerar desemprego. Assim, em setores econômicos caracterizados pela ampla concorrência internacional, a pressão da “corrida salarial para baixo” em busca da competitividade é mais intensa.

Por fim, em especial no caso brasileiro, não raro, salários mínimos em montantes mais expressivos são vistos como vilões para o equilíbrio das contas públicas, sobretudo, por analistas mais afinados com o ideário neoliberal. Neste caso, os principais problemas alegados concentram-se em seu impacto nos dispêndios com benefícios da previdência, assistenciais e relativos ao seguro-desemprego e nos gastos com pessoal em municípios mais pobres. No que concerne à problemática que envolve os referidos benefícios, existem as propostas que visam a reduzir o valor real do salário mínimo e também aquelas que pretendem desvinculá-lo de tais benefícios, o que ensejaria a redução dos rendimentos dos respectivos beneficiários. Neste último caso, os trabalhadores que recebem o salário mínimo seriam preservados, mas os aposentados e demais beneficiários provavelmente teriam de sobreviver com um montante inferior ao “mínimo”. Desse modo, se o valor real do salário mínimo for reduzido em decorrência do objetivo de equilibrar as contas públicas, perder-se-ía de vista a sua finalidade de proteger os trabalhadores mais vulneráveis (inclusive trabalhadores aposentados e desempregados).

Ainda sobre a relação entre salário mínimo e a situação das contas públicas, é forçoso lembrar que o equilíbrio do orçamento do governo passa também pela situação das outras despesas, tais como juros da dívida pública, subsídios e isenções fiscais, salários de servidores públicos, infraestrutura etc. Dessa forma, outras despesas podem ser as verdadeiras vilãs das contas públicas. Além disso, deve-se atentar também para o lado da

69 receita do governo, que pode tributar, em maior ou menor grau, determinados segmentos da população ou setores produtivos. Assim, haver ou não disponibilidade de recursos para financiar salários mínimos expressivos dependerá da prioridade conferida a essa política. Porém, há de se verificar ainda:

i) a compatibilidade entre a pujança de toda a economia e o valor estabelecido para o salário mínimo, isto é, saber se ele é “financiável”, dada a capacidade da economia de produzir recursos. Sobre este ponto, há de se fazer um esclarecimento: salários mínimos elevados desequilibram as contas públicas se a economia não é vigorosa o bastante para gerar receitas suficientes para financiá-los. Ou seja, em última análise, o que determina se as despesas públicas impactadas pelo salário mínimo são, ou não, excessivas, é o vigor de toda a economia, que proporcionaria a arrecadação pública correspondente; e

ii) o padrão da distribuição da renda nacional, pois a ausência de recursos para financiar determinado patamar de salário mínimo também pode ser explicada pela apropriação extremamente concentrada de recursos por relativamente poucos agentes econômicos, restando parcos recursos para serem disputados pelos demais.

Uma vez discutidas as finalidades do salário mínimo, no próximo capítulo será visto o que a sua história tem a nos dizer sobre o valor real do salário mínimo brasileiro.

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CAPÍTULO 2

A POLÍTICA BRASILEIRA DO SALÁRIO MÍNIMO EM